“É clarividente o conluio de empresas transnacionais
do agronegócio com as oligarquias latifundiárias
e a
mídia na promoção do golpe”
Começam
a se evidenciar os interesses que motivaram a grotesca ação dos golpistas
paraguaios, que destituiu do cargo o presidente constitucional – eleito
democraticamente pelo voto popular – Fernando Lugo.
Há
casos em que os golpistas ainda conseguem mantê-los longe das discussões públicas,
contando com o silêncio da mídia conivente com o golpe. As circunstâncias e os
responsáveis pelo conflito armado em que morreram seis soldados e onze
camponeses é um desses acontecimentos que os promotores do golpe se esforçam para
acobertar. Há indícios de que os soldados foram executados por
franco-atiradores. O presidente Lugo havia criado uma comissão para esclarecer
o acontecimento. O golpista Frederico Franco, agora no cargo de presidente,
destituiu a comissão e reza para que o acontecimento seja esquecido.
No
entanto, se há fatos ainda nebulosos, é clarividente o conluio de empresas transnacionais
do agronegócio com as oligarquias latifundiárias e a mídia na promoção do
golpe. O Paraguai é o país de maior concentração fundiária do planeta: 85% das
terras agrícolas estão nas mãos de 2% da população. Essa concentração fundiária
torna ridículo o argumento da direita brasileira de que uma população de 400
mil brasiguaios estavam sendo prejudicados pelas ocupações de terras do
movimento camponês e pela tímida iniciativa de reforma agrária do Presidente
Lugo. As ações de ambos, camponeses e governo, visavam única e exclusivamente
as terras obtidas ilegalmente pelos grandes latifundiários, inclusive
brasileiros, beneficiados pelos 35 anos da sanguinária ditadura de Alfredo
Strossner (1954-1989).
Exemplar
é o silencio da mídia, tanto do Paraguai quanto do Brasil, sobre os milhares de
brasiguaios – camponeses pobres – que são expulsos pelas oligarquias rurais e
pelo agronegócio e hoje engrossam os acampamentos de sem-terras, retornando às
terras brasileiras. Lá, como aqui, o
latifúndio sobrevive apenas promovendo a violência, deixando um rastro de
sangue e atentando contra democracia. Inclusive promovendo um golpe de Estado.
O
presidente Lugo, mesmo com uma ação tímida, tomou iniciativas que confrontaram
os interesses dos latifundiários e das transnacionais do agronegócio.
Viabilizar a instituição de políticas públicas, principalmente nas áreas da
saúde e educação, exigiu do presidente Lugo enfrentar a proteção que o
Congresso paraguaio dá ao agronegócio, isentando- o, praticamente, do pagamento
de impostos. A elite paraguaia se vangloria
de ter transformado o país no quarto exportador mundial de soja, condição que
possibilita ao agronegócio extrair uma renda anual de 6 bilhões de dólares.
Escondem que o imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária.
E que a maioria dos latifundiários, ligados ao agronegócio e ao sistema
financeiro, possui mansões em Punta Del Este (Uruguai) e em Miami (EUA). Não transformaram
o país em exportador de soja. Transformaram o Paraguai na maior fazenda mundial
exportadora de soja.
As
restrições impostas à liberação das sementes transgênicas para o cultivo
comercial também colocaram o governo em confronto com as empresas transnacionais,
como Monsanto e Cargil. Nada mais expressivo desse conluio do que a síntese
promovida pelo Grupo Zuccolillo: comanda a entidade latifundiária Unión de
Gremios de Produção (UGP), é dono do jornal ABC Color e sócio principal da
Cargil. Terá sido por interesses
democráticos
que o ABC Color se transformou num dos principais porta-vozes de oposição ao
governo
Lugo
e defensor do golpe?
Durante
meses a direita paraguaia promoveu campanhas midiáticas contra as autoridades
governamentais que se opunham aos seus interesses econômicos. Haverá diferenças
com as práticas criminosas do contraventor Carlinhos Cachoeira e a revista
Veja, do Grupo Abril, sobre autoridades brasileiras? A mídia paraguaia recebeu
cópia do discurso da presidenta da Associação Nacional dos Jornais, Judith
Brito, que convocou os jornais para serem o verdadeiro partido de oposição ao
governo Lula? A direita paraguaia levou a sério a bravata do estrepitoso
ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, quando disse: eu iria chamar o Lula,
presidente da República, “às falas”?
O
Brasil tem uma dupla dívida histórica com o povo paraguaio. Nos prestamos aos
interesses imperialistas ao promovermos, com Uruguai e Argentina, o genocídio
da Guerra do Paraguai (1864-69). Depois, em 1989, ao darmos asilo político ao
ditador Alfredo Strossner, assegurando impunidade aos seus crimes.
Esperamos
que agora o governo brasileiro não retroceda e compactue com o golpe que a
direita paraguaia promoveu. A vitória das forças golpistas significa um alento
aos partidos políticos, mídia, oligarquias rurais e aos interesses
imperialistas que se sentem derrotados com as eleições de governos democráticos
e progressistas na América Latina. A nota do PSDB apoiando o golpe (o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
está
de acordo com a nota do seu partido?), as reações da mídia brasileira e as
articulações dos latifundiários paraguaios com os daqui evidenciam os
interesses comuns das forças retrógradas.
Fonte:
JORNAL BRASIL DE FATO – Editorial - 2 de 5 a 11 de julho de 2012
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