Por Conceição Lemes
Com mais de 10
milhões de habitantes, é considerada o centro político, econômico, financeiro,
comercial, cultural e educacional da China Central. Rapidamente, em uma semana,
os cientistas chineses identificaram o patógeno responsável: um novo
coronavírus, o 2019-nCoV, como é chamado oficialmente.
Ontem,
quinta-feira, 30/01, exato um mês após o aviso inicial, já havia no mundo 7.818
casos confirmados. A esmagadora maioria na China: 7.736, com 170 mortes.
Fora
da China, havia 82 casos confirmados em 18 países.
Os dados constam do
relatório publicado nessa quinta-feira pela OMS, que também divulgou duas
importantes medidas:
*O nome oficial da doença causada pelo novo coronavírus. Chama-se Doença Respiratória de 2019-nCoV.
* Declarou o novo coronavírus uma emergência de saúde pública de interesse internacional.
A OMS só utiliza essa
terminologia para epidemias que exigem forte reação global. Tanto que, até
aqui, isso havia acontecido com a gripe suína H1N1 (2009), a poliomielite
(2014), o zika vírus (2016) e a febre ebola, que de 2014 a 2016 devastou parte
da população da África Ocidental e desde 2018 atinge a República Democrática do
Congo.
Os casos confirmados do coronavírus 2019 na
China já superam os 9 mil, com 213 mortes. Dos mais de 1.300 chineses em estado
grave, 130 se recuperaram e tiveram alta. Fora da China, já são mais de 90
casos confirmados, entre os quais dois na Itália, onde a infecção pelo
2019-nCoV ainda não tinha caso registrada. Há casos comprovados em todos os
continentes.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde,
existem nove casos suspeitos em investigação nos estados de Minas Gerais (1),
Rio de Janeiro (1), Rio Grande do Sul (2), São Paulo (3), Paraná (1) e Ceará
(1). Nenhum ainda provável ou confirmado. Os dados referem-se ao período de 18
a 30 de janeiro de 2020.
Nós ouvimos dois médicos brasileiros já a
postos para enfrentar o 2019-nCoV. Um, por sinal, está no olho do furacão. É o
sanitarista Fábio Mesquita, que trabalha na OMS em Mianmar (antiga Birmânia),
fronteira com a China, Tailândia, Índia, Bangladesh e Laos. Mesquita integra o
comitê de monitoramento diário do país. É o responsável pelo acompanhamento dos
casos de internação hospitalar e tratamento. O outro é o infectologista Gerson
Salvador, do Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP). Uma
distância de 16.171 km em linha reta (do aeroporto internacional de Guarulhos,
em São Paulo, e o centro de Mianmar) os separam. Interessantemente, em se
tratando do Brasil, ambos avaliam de modo semelhante a nova ameaça. “É lógico que a situação é preocupante, não
podemos menosprezar a epidemia”, diz Salvador.
“Mas também não há motivo para desespero. Pegar esse coranavírus não é
sentença de morte”, acrescenta.
Em mensagem a amigos e familiares no Brasil,
Mesquita, brincando, falou sério:
Além de muitos
amigos queridos, tenho filha, neta, irmãos, tias e primas aí no Brasil. Também
filha e neta na Holanda. Portanto, me sinto corresponsável global pelo atento
controle do curso desta nova epidemia. Mas, em suma, até o momento não há
motivos para pânico.
A taxa de letalidade pelo 2019-nCoV é
praticamente a mesma desde o começo da epidemia. Está em torno de 2%. Claro que
esse índice pode mudar, mas, por enquanto, está bem abaixo do registrado em
epidemias anteriores causadas por outros coronavírus.
Explico. O coranavírus não é um
vírus só, mas uma grande família de vírus. “Nós tivemos dois casos severos de
epidemias semelhantes pelo coranavírus; a Sars, que emergiu em 2002/2003, e a
Mers, em 2012”, atenta Mesquita. Sars (na sigla em inglês) é a Síndrome Respiratória
Aguda Grave, que também se disseminou a partir de China. Das 8.098 pessoas
infectadas ao redor do mundo, matou 774. Portanto, 10%. A Mers (na sigla em inglês) é a Síndrome
Respiratória do Oriente Médio. Dos 2.494 pacientes identificados, matou 858. Ou
seja, 36%. Aproximadamente 80% dos casos em humanos foram relatados pela Arábia
Saudita, que foi onde surgiu. Se você ainda duvida de que não há motivo para
pânico, o infectologista Gerson Salvador observa:
*O vírus da gripe (transmite de forma semelhante
ao novo coronavírus) mata no mundo 290 mil a 640 mil pessoas por ano.
*Em 2018, o sarampo causou 110 mil mortes no
mundo. *A tuberculose causa 1,5 milhão
de mortes por ano.
Mesmo depois da OMS ter declarado o coronavírus
emergência de saúde pública internacional, não há motivo para pânico? – alguns
devem estar querendo saber.
Os doutores Fábio e Gerson mantêm a avaliação
que fizeram no início desta reportagem. “Não é preciso entrar em pânico, mas a
atenção e a vigilância devem ser ampliadas”, traduz Mesquita. Por uma razão. Já
há sete novos casos comprovados em outros países de pessoas que nunca foram
para a China. O que demonstra que novo coronavírus pode ser, sim, transmitido
de pessoa para pessoa.
O que fazer então para me proteger, já que não
tem vacina?Quando vai ter vacina?
Realmente, não há ainda vacina
contra 2019-nCoV. Aliás, é o que sempre acontece quando uma doença é nova. Isso
perdura até que uma seja desenvolvida, o que pode levar anos. A única vacina que começou a ser desenvolvida
para o coronavírus da Sars passou apenas pela primeira etapa de testes. A
pesquisa foi interrompida porque desde 2003 não houve novas mortes por Sars. Quanto à vacina contra o novo coranavírus, a
corrida científica nesse sentido já começou.
Há expectativa de que em um ano ela seja realidade, mas não dá para
garantir nada.
O que
fazer então para evitar a infecção pelo 2019-nCoV agora?
Fazer o que você sempre deveria fazer para se
proteger de outras doenças de transmissão respiratória, inclusive resfriado e gripe
influenza: lavar as mãos com frequência, evitar colocar as mãos nos olhos,
nariz e boca, cobrir a boca ao tossir. Essas
medidas ajudam a evitar a Doença Respiratória de 2019-nCoV, assim como demais
infecções das vias respiratórias.
SINTOMAS, TEMPO DE INCUBAÇÃO, TRATAMENTO
Sempre que há surtos de caráter global muitas
informações equivocadas são disseminadas, gerando pânico às vezes. Para combatê-las, pedimos mais alguns
esclarecimentos aos dois entrevistados.
Blog da Saúde – O que é o coronavírus?
Gerson
Salvador – Na verdade, não é
um vírus, mas uma grande família de vírus, que geralmente causam problemas
respiratórios, que variam causa desde o resfriado comum a doenças mais graves,
como a Sars, a Mers e agora Doença Respiratória de 2019-nCoV.
Blog da
Saúde – Há quanto tempo são conhecidos?
Gerson
Salvador — Desde a década de
1960.
Blog da
Saúde – Algum motivo especial para se chamarem coronavírus?
Gerson
Salvador — Eles têm esse nome
devido ao seu aspecto. Visto em microscópio, lembra uma coroa.
Blog da
Saúde – Quantos coranavírus são conhecidos?
Gerson
Salvador – O coronavírus 2019
é sétimo que infecta o ser humano. Até então seis tipos diferentes tinham sido
confirmados como causa de infecções em seres humanos.
Blog da
Saúde – Como são transmitidos os coronavírus?
Fábio
Mesquita– O coronavírus é uma
zoonose, que começa em animais e progride para seres humanos. Vira epidemia,
quando ele começa a ser transmitido entre seres humanos.
Gerson
Salvador – Muitos coronavírus
são transmitidos entre animais da mesma espécie ou de espécies muito parecidas.
Você tem coronavírus que se hospeda em morcego e transmite para morcego. Tem
aquele que pega camelo e transmite pra camelo.
Só que eventualmente pode haver transmissão de uma cepa mutante de
animais para humanos, dependendo da mudança no material genético do vírus
(RNA). E, depois, de ser humano para ser
humano, podendo, aí, sim, causar epidemia em pessoas, como bem observou o
doutor Fábio.
Blog da
Saúde – Por exemplo.
Gerson
Salvador — O coronavírus da
Sars foi isolado primeiramente em morcegos. Ele foi transmitido para humanos a
partir de contato com civetas, um felino selvagem originário do Sul e Sudeste
Asiático, também chamado de gato-de-algália.
Já o coronavírus da Mers foi transmitido de camelos para humanos.
Estudos mostraram que os seres humanos foram infectados por contato direto ou
indireto com camelos. O coronavírus da Mers foi identificado em camelos de
países do Oriente Médio, África e Sul da Ásia.
Blog da
Saúde – E 2019-nCov já sabe qual a fonte inicial?
Gerson
Salvador – Ainda, não. Os
cientistas estão trabalhando nisso. No
início, muitos dos pacientes do surto em Wuhan, na China, tinham alguma ligação
com um grande mercado de frutos do mar e animais vivos, sugerindo que o vírus
provavelmente surgiu de uma fonte animal. No entanto, um número crescente de pacientes
supostamente não teve exposição ao mercado de animais, indicando a ocorrência
de disseminação de pessoa para pessoa. O
vírus 2019 é provavelmente um betacoronavírus, semelhante aos encontrados em
morcegos.
Blog da
Saúde – O novo coronavírus é transmitido como o vírus da gripe?
Gerson
Salvador –– A transmissão se
parece, sim, com a do vírus da gripe, ou seja, pode ser transmitida de pessoa a
pessoa a partir de secreções respiratórias.
Blog da
Saúde – E o que pode causar?
Gerson
Salvador – Assim como o vírus
da gripe, pode dar um quadro leve, que lembra resfriado. Mas, assim como o
vírus da gripe, o 2019-nCoV pode eventualmente se manifestar por formas graves,
com infecções pulmonares que podem levar à morte. O novo coronavírus tem um
comportamento que lembra o vírus influenza, que é mais agressivo do que os
vírus de resfriado comum.
Blog da
Saúde – É verdade que a maioria das pessoas já foi exposta a algum tipo de
coronavírus?
Gerson
Salvador – Sim. É um dos
muitos vírus que causam infecção de vias aéreas em crianças.
Blog da
Saúde – Qual o tempo de incubação desse novo coronavírus?
Fábio
Mesquita — De 2 a 14 dias e
pode ser modificado à medida que o conhecimento progredir.
Blog da
Saúde – Quais os sinais/sintomas da infecção pelo coronavírus 2019?
Gerson
Salvador — A maior parte
lembra um resfriado ou infecção de vias aéreas superiores.
Dados preliminares da epidemia atual mostram
que quase todos (98%) relataram febre, 76% tinham tosse, 55%, falta de ar e
44%, mialgias/fadiga. Já 20% tiveram doenças mais graves e precisaram de
cuidados intensivos.
Blog da
Saúde – Em caso positivo, qual o tratamento?
Fábio
Mesquita — Não há nenhum
tratamento específico, como um antiviral, eficiente para coronavírus. Os
pacientes recebem tratamentos sintomáticos e nos casos graves suporte com
oferta de oxigênio e eventualmente cuidados intensivos. Antivirais estão sendo
testados, mas ainda não há um protocolo de tratamento universalmente aceito.
Certamente isso estará em curso nos próximos dias. Aliás, a tecnologia avançou
rapidamente desde 2002, quando houve a primeira crise pelo coronavírus da Sars.
Portanto, o kit para diagnóstico já foi estabelecido e está sendo produzido em
larga escala pela China e pelos Estados Unidos. O relato de casos também foi
imediato, em comparação com o que aconteceu há 18 anos.
Blog da
Saúde – Por último, que medidas estão adotando para prevenir o 2019-nCoV?
Começando pelo doutor Fábio, que já está na zona do furacão.
Fábio
Mesquita – É sempre
inspirador usar tudo o que aprendemos para controlar uma epidemia e ver os
passos que vão sendo dados. Mas, ao mesmo tempo, lamentar que a gente não se
preparou para mais esta epidemia que vai impactar muitas vidas e muitas
famílias.
Blog da
Saúde – E o senhor, doutor Gerson?
Gerson
Salvador — Nós estamos no
Brasil e ainda não temos casos confirmados. Para adquirir o coronavírus 2019 é
preciso ter estado numa área em que está ocorrendo a transmissão, notadamente
na China. Ou ter contato com caso confirmado ou suspeito. Quem não se enquadra
nessas situações, não tem risco de pegar o vírus. Agora, é fundamental
incorporar alguns hábitos que ajudam a prevenir não só o coranavírus 2019, mas
também resfriados e gripes pelo vírus influenza:
*lavar as mãos com sabão com frequência;
*desinfetar frequentemente as mãos com álcool
gel 70%, em especial quando estiver em grandes aglomerações;
*evitar colocar as mãos nos olhos, nariz e
boca;
*cobrir a boca ao tossir.
Essas medidas devem ser adotadas por todos.
Blog da
Saúde — O senhor adota tudo isso?!
Gerson
Salvador –Adoto. sim (risos).
Blog da
Saúde — A propósito, o uso de máscara funciona contra a transmissão do
coronavírus?
Gerson
Salvador — Em termos de vírus
respiratórios, as medidas de barreira têm o seu papel. Por exemplo, num
ambiente hospitalar, quando o paciente está em isolamento respiratório, quem
entrar em contato com ele tem que usar máscara, entre outras medidas de
proteção. Já em ambientes abertos,
públicos, há estudos que mostram que funcionam, mas há também estudos dizem que
não. Ou seja, é uma questão polêmica.
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