segunda-feira, 8 de julho de 2013

Esquerda x Direita - A explosão do ódio

Neonazista


Neonazista em manifestação na Alemanha

Antropóloga detecta aumento de sites neonazistas brasileiros. E o índice de arquivos baixados com estas características cresce a uma taxa média de 6% ao ano
por Márcio Sampaio de Castro
Durante a última grande manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), para comemorar a revogação do aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo, integrantes de partidos políticos e movimentos sociais foram atacados por jovens trajando toucas ninjas, roupas pretas e coturnos. Enquanto agrediam seus alvos, a multidão ao redor aplaudia e gritava “fora partidos, fora partidos”. Para a antropóloga Adriana Dias, que pesquisa há mais de 10 anos a atuação dos movimentos neonazistas no Brasil e já foi diversas vezes ameaçada de morte por seus integrantes, não resta a menor dúvida sobre quem eram esses jovens violentos e quais eram suas motivações.
A partir da análise de blogs, sites e fóruns de relacionamento, muitos deles com domínio no exterior, a pesquisadora documentou, ao longo de sete anos, que mais de 150 mil downloads de arquivos de teor nazista, superiores a 100 megabites cada, foram baixados por um número equivalente de computadores com endereços eletrônicos localizados no Brasil no mesmo período. De 2009 para cá, o índice de arquivos baixados com estas características tem crescido a uma taxa média de 6% ao ano e até postagens de crianças já foram detectadas por ela.
Para Adriana, um misto de despolitização da sociedade no período pós-ditadura e a transformação da política em escândalo por boa parte da mídia são o ovo da serpente para a expansão de manifestações crescentes de caráter nazifascista na sociedade brasileira. A omissão sistemática das autoridades às agressões perpetradas contra homossexuais, negros, judeus, nordestinos, moradores de rua e imigrantes bolivianos nas ruas de grandes centros urbanos completa o ciclo de terror, que silenciosamente avança junto a um número nada desprezível de jovens brasileiros.
Carta Capital: Nas manifestações populares das últimas semanas em São Paulo, um momento que chamou a atenção foi quando jovens, aparentemente ligados a esses movimentos, atacaram militantes partidários e militantes do movimento negro, destruindo suas bandeiras. Enquanto isso ocorria, a multidão à sua volta gritava “fora partido, fora partido”. Como explicar esses dois fenômenos simultâneos?
Adriana Dias: Desde a ditadura militar nós avançamos por um processo de despolitização espantoso em todas as camadas sociais. Os cursos de sociologia e filosofia foram retirados do currículo escolar. Em segundo lugar, há no Brasil uma proliferação da teologia da prosperidade. Na Alemanha, ela foi fundamental para a ascensão do nazismo. A ideia aqui é que não são as ações do governo que auxiliam nessa prosperidade. Por exemplo, o indivíduo consegue comprar uma casa pelo programa Minha Casa, Minha Vida e vai a um culto religioso e acredita que conseguiu por sua própria conta. Esse afastamento gradual do Brasil de um estado laico torna tudo mais difícil. Tanto na Igreja Católica, em sua linha carismática, quanto em certas igrejas protestantes. Por fim, a política de escândalos, patrocinada pela mídia, criou uma personalização da política como um eterno escândalo. Eu chamo isso de um carnaval às avessas. Se no carnaval o povo vai pras ruas para expor sua alegria, nessas manifestações as pessoas têm ido às ruas para expor suas insatisfações, fazendo reivindicações que não são mensuráveis e de um fundo conservador muito forte.
CC: Quais as alternativas para isso?
AD: A alternativa é a volta para o diálogo com os movimentos sociais. Nas elites políticas, em um sentido mais geral, há um movimento totalitário, dentro do que analisa Hannah Arendt. Particularmente na direita brasileira. Em São Paulo, por exemplo, muitas práticas do Estado são totalitárias. Veja a atuação da polícia. Já em um campo mais específico, entram esses movimentos neonazistas e suas ações, como essa verificada nas manifestações.
CC: Como esses jovens neonazistas são cooptados?
AD: Há um proselitismo muito forte no Brasil. Os grandes líderes têm entre 35 e 50 anos e normalmente são pequenos empresários e profissionais liberais. Estes não vão para as ruas. Em um segundo grupo, temos os mais jovens, que vão para as ruas e não se importam por que sabem que, se forem presos, serão soltos. E temos também as mulheres neonazistas, que são vistas somente como reprodutoras, dentro de um ideal paternalista e machista. Os grandes líderes atuam dentro de universidades, por exemplo, distribuindo material de divulgação do movimento e, principalmente, nas redes sociais.
CC: Como surgiu a ideia de pesquisar o movimento neonazista no Brasil?
Adriana Dias: A partir de uma disciplina que cursei na Unicamp, em 2002, na graduação, onde se discutia a negação do holocausto, tive a ideia de fazer um trabalho para conhecer um pouco os grupos neonazistas brasileiros. Como sou programadora, criei uma aranha de busca e percebi que estava entrando em um mundo muito grande. No início, eram apenas 7500 sites, em 2009 já eram mais de 20 mil. Existem também os blogs, que cresceram 450% nesse período, e as redes sociais.
CC: Quais as características desses sites?
AD: São compostos por páginas profundas, com diretórios dentro de diretórios. Nos diretórios mais profundos encontramos incentivos ao genocídio e assassinatos. Muitos deles são de origem norte-americana. Fazem apologia ao número 88, já que o H é a oitava letra do alfabeto e duplicado faz referência ao Heil Hitler. Uma frase muito comum de ser encontrada é o “nós devemos assegurar um futuro para as crianças brancas”, o slogan de 14 palavras inspirado em uma passagem do Mein Kampf, livro escrito por Hitler. Da combinação desses dois números, temos o 14/88, que é uma saudação. Muitos membros nos fóruns de internet se utilizam desses números como nicknames associados a nomes nórdicos. Coisas como Odin88 ou Thor 14/88.
CC: Por que esta forte influência dos sites norte-americanos?
AD: Eu fiz a minha pesquisa em inglês, espanhol e português. Os grandes pensadores do movimento estão nos EUA e um dos principais deles foi o David Lane, que morreu na prisão em 2007. O movimento surge muito forte lá por que a questão racial é muito dura entre eles. Esse lado mais duro permite a expansão desses pensamentos, ao lado do conceito de liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, esses sites são legais. É um discurso público e consequentemente é mais fácil de reproduzi-lo. Só que para mim, a liberdade de expressão se interrompe quando chega à dignidade humana. Representar outro ser humano como animal ou como um demônio está muito além da liberdade de expressão.
CC: A ligação com movimentos estrangeiros tem crescido?
AD: Já houve casos de grupos brasileiros serem rejeitados por serem sul-americanos, mas nos últimos tempos esta visão tem mudado e o ideário da raça branca tem aproximado esses grupos ao redor do mundo.
CC: O jornalista espanhol Antonio Salas, autor de O Diário de Um Skinhead, se infiltrou em grupos neonazistas. A senhora chegou perto de ter alguma experiência deste tipo?
AD: Antonio Salas produziu um trabalho heroico, se fazendo passar por um neonazista para conhecer estes grupos a fundo. Atualmente, ele tem que se manter oculto, pois é ameaçado de morte em 16 países. Eu pesquiso os sites e fóruns. Conheço perto de 500 desses fóruns e muitos funcionam como páginas de relacionamentos, mas os mais representativos chegam a um número de 12. Eles se dividem por temáticas, como o Fórum Verde, sobre ecologia, o Solar General, sobre religiosidade e o Movimento Cristão Identitário, que é protestante radical de direita e que tem a plataforma de criar um estado branco dentro dos EUA.
CC: Em sua pesquisa, o que mais chamou a atenção?
AD: A quantidade de ódio, a idolatria ao ódio. A ideia de achar que ele estrutura a personalidade. Eu, que tenho uma formação humanista, posso dizer que fiquei chocada com isso. Outro aspecto é a crença na noção de sangue que ultrapassaria a substancialidade. Ou seja, o sangue não seria material, estaria na alma. Isto explica por que entre eles a nação, tal qual nós a concebemos, não existe. O que existe é a nação racial. Por isto, é preciso destruir os movimentos populares, que estão associados a outra concepção de nação. Por fim, me chamou a atenção a facilidade para encontrar inimigos. Eu, como antropóloga, não acredito em raças, somente na raça humana, mas para eles, o casamento chamado de inter-racial, por exemplo, é considerado um genocídio.
CC: E no Brasil?
AD: No Brasil, existe o discurso separatista, que traz elementos complicadores.
CC: Como assim?
AD: Cada um quer uma coisa. Veja o caso do (Ricardo) Barollo, que mandou matar o (Bernardo) Dayrell, em 2009, no Paraná. Eles estavam lutando pela liderança do movimento no país, mas o que cada grupo defende a seu modo é a separação de São Paulo ou dos estados do sul do restante do Brasil. Nessas explosões de ódio, que mencionei há pouco, é exigido que eles ataquem os inimigos. Aliás, um dos critérios para aceitar um novo membro é que ele cometa uma violência contra um inimigo. Os grupos neonazistas têm matado e agredido gays em São Paulo, na região da rua Augusta, e ninguém fala nada. A polícia não faz nada. Já conversei com policiais que não consideram crime um indivíduo portar uma suástica bordada na blusa.
CC: Somente os gays?
AD: Não. Atacam bolivianos, negros, gays, nordestinos, judeus e depois relatam nos fóruns. Eles são organizados. Possuem inclusive estratégias de defesa. Muitos, quando são pegos, alegam loucura. São estratégias previamente montadas e as autoridades, por sua vez, não dão importância.
CC: Isto seria em função da cultura brasileira de deixar as coisas acontecerem para depois tomar uma atitude?
AD: Não, não acho. Acontece que no Brasil as minorias não têm importância e é por isso que ninguém faz nada.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Valério Arcary: Esquerda apanha e se junta. Mas, qual é mesmo o objetivo



Duas estratégias: unir a esquerda para avançar as mobilizações ou para proteger o governo Dilma?


Valério Arcary*, no Correio da Cidadania, em 01.07.2013


Todos juntos nessa luta pela unidade popular, Mas, se estamos todos juntos, contra quem vamos lutar?


Versos cantados por delegados da esquerda socialista no Congresso da UNE, em resposta à moção que defendia a estratégia de unidade de toda a oposição à ditadura militar, sob a liderança da burguesia liberal que se expressava através do MDB de Tancredo e Montoro, contra a unidade operário-estudantil.
O ataque dos fascistas contra a esquerda produziu uma reação extraordinária durante a última semana. A defesa do direito da esquerda de ir às ruas levantando suas bandeiras vermelhas uniu muitos milhares de jovens nos últimos dias, por todo o país, em uma mobilização unitária, entusiasmada e lúcida.

A unidade da esquerda nas ruas foi emocionante
As fotos da assembléia-monstro no Largo São Francisco, no Rio de Janeiro, para preparar o dia 27 e a ida ao Maracanã no dia da final da Copa das Confederações, emocionaram a esquerda, profundamente, em todo o Brasil. Processos semelhantes se repetiram, em formas variadas, mas com o mesmo conteúdo, em Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém, e Recife, entre muitas outras cidades menores. Surgiu do enfrentamento do dia 20 de junho com os fascistas um poderoso sentimento fraterno de que precisamos nos unir para vencer. Isso foi magnífico.
Estamos diante da urgência da política. Os dias agora valem por meses, as semanas por anos. Tudo se acelerou. O debate aberto na esquerda pelas mobilizações das últimas três semanas coloca na ordem do dia um dilema: a esquerda precisa se unir para poder ajudar o movimento da juventude a avançar na direção de novas vitórias, sob pena de perder uma oportunidade histórica de transformação do Brasil. Uma janela de oportunidade que não se abre com facilidade. A divisão da esquerda repercutirá de forma dramática sobre as possibilidades da luta em curso, porque está aberta uma disputa sobre o destino do combate de milhões. Esses milhões estão em luta porque têm pressa.


Um debate de estratégia é incontornável
Não obstante, isso não deve nos inibir de dizer que, infelizmente, existem dois grandes campos políticos na esquerda, hoje no Brasil, que remetem a um dilema de estratégia, e que vai se expressar em polêmicas táticas de todo o tipo. Estes campos têm diferenças irreconciliáveis.
Sendo assim, é melhor debater as estratégias. Porque é mais educativo. As questões mais de fundo, que remetem ao tema da atitude diante do poder, são inescapáveis. As diferenças não são artificiais, não são produto de exageros sectários. Não são pequenas escaramuças, miudices, picuinhas. Estes campos são maiores que os partidos de esquerda. Porque são muitas dezenas de milhares de ativistas que se interrogam sobre qual deve ser o caminho a seguir. A imensa maioria não tem militância partidária. Compreende a gravidade da situação. Tem boas razões para estar preocupada.

Dois campos em disputa
Em um campo estão aqueles que compreendem que a mobilização pelas reivindicações deve avançar, tendo a prioridade de unificação com os trabalhadores, ou seja, a preparação de um dia de greve geral para 11 de julho. Este campo afirma que, para lutar contra os empresários do transporte urbano, os banqueiros, os fazendeiros do agrobusiness, a FIESP, não é possível dar trégua a nenhum governo.
A nenhum significa isso mesmo, a nenhum, nem a Dilma. Depois de dez anos, ficou claro que os governos liderados pelo PT, em aliança com partidos burgueses, estão mais comprometidos com a preservação do pagamento da dívida pública do que com os transportes públicos, a educação e saúde públicas. Sem romper com o pagamento da dívida pública, de onde viriam as verbas para os investimentos necessários à implantação, por exemplo, do passe livre?
Os que nos colocamos nesta posição queremos ajudar a juventude nas ruas a continuar ocupando as avenidas com as reivindicações que ela mesma foi forjando pela sua experiência prática: conquista do passe livre, desmilitarização das PMs, mais verbas para educação e saúde, punição dos corruptos. E queremos agregar as reivindicações que respondem às necessidades do proletariado: o aumento dos salários e a redução da jornada de trabalho, por exemplo, ou a anulação da reforma da previdência e a suspensão dos leilões de privatização do petróleo do pré-sal, e tantas outras.
Os termos do dilema, que é sempre uma escolha difícil, são, portanto, terríveis, mas claros: Dilma está disposta a romper com o PMDB? Porque atrás do PMDB estão as empreiteiras com contratos milionários para a construção das grandes obras e estádios, por exemplo. E a esquerda que apoia o governo, ainda que criticamente, como as várias tendências internas do PT, o PC do B, a Consulta Popular ou o MST, se Dilma não atender às reivindicações, e não romper com o PMDB e os outros partidos burgueses, estão dispostas a romper com Dilma?
Em outro campo estão aqueles que consideram que é preciso unir a esquerda para defender o governo Dilma, porque o maior perigo seria a desestabilização do governo liderado pelo PT, ou até do regime democrático. Estão, podemos admitir, comprometidos em fazer exigências ao governo Dilma. Exigências para que Dilma abra negociações com as reivindicações das massas em luta. Exigências para que o PT no governo não capitule diante do PMDB de Michel Temer e Sérgio Cabral. Ou exigências para que o PT fora do governo não capitule aos ministros do PT que aconselham moderação a Dilma. Em resumo, estão engajados em pressionar o governo Dilma, mas não estão dispostos a romper com ele. E reafirmam que não era possível antes de junho, e continua não sendo possível, mesmo depois de milhões nas ruas, construir uma esquerda à esquerda do governo Dilma.

É preciso lutar, é possível vencer
Qual estratégia é o melhor caminho para vitórias populares? Qual estratégia irá prevalecer? Qual dos dois campos tem uma melhor apreciação do que está em disputa, e a melhor orientação para transformar o Brasil? Seria estupendo, realmente, fantástico, se as mobilizações de jovens e trabalhadores fossem o bastante para exercer uma pressão de classe suficiente para impor uma frente única de toda a esquerda. Essa é a vontade dos ativistas, é a vontade de todos os que sabemos contra quem lutamos. Porque para vencer o mais elementar é preciso saber contra quem lutamos. Saber quem são os amigos e quem são os inimigos.
Infelizmente, nunca é assim. A pressão das lutas não é o bastante. Outras pressões políticas que, em uma interpretação de classe, respondem a pressões das classes inimigas dos trabalhadores se abatem, também, sobre a esquerda. Diante de grandes acontecimentos, ensina a experiência histórica, algumas correntes de esquerda, que mantinham posições muito distantes umas das outras, se aproximam. E outras, que estavam próximas, se afastam. Em outra etapa da vida política brasileira se apresentou, dramaticamente, o mesmo dilema para a esquerda. Com quem nos unirmos, para lutar contra quem? Ou, enunciando de outra maneira, independência ou colaboração de classes?

A polêmica do final dos anos setenta e início dos oitenta
Em 1978/79, quando uma nova situação se abriu no Brasil, colocou-se um problema de estratégia política chave. Qual deveria ser a orientação para acelerar a derrota da ditadura militar? Estava ficando cada dia mais claro, depois das greves metalúrgicas do ABC, das greves de professores, de bancários e outros setores da classe trabalhadora, que era possível construir nas ruas uma mobilização de massas para derrotar a ditadura.
A classe dominante estava, crescentemente, dividida, entre uma maioria que aceitava a abertura lenta e gradual, ou seja, uma transição para um regime democrático-eleitoral negociada com os militares, e aqueles que resistiam, porque temiam, em função do medo das classes populares, a ampliação das liberdades democráticas. As classes médias tinham rompido, majoritariamente, com o regime. A classe trabalhadora começava a se mexer e a ganhar confiança em sua capacidade de luta.
A esquerda que vinha se fortalecendo nas lutas estudantis e na reorganização do movimento dos trabalhadores se dividiu em dois campos. De um lado, principalmente, o PCB, o PC do B e o MR-8 defendendo a unidade das oposições. O que significava que o monopólio da liderança política na luta contra a ditadura ficava nas mãos do PMDB.
Ninguém deveria disputar com Ulysses e Tancredo a condição de porta voz das oposições. Acontece que a liderança do PMDB temia mobilizar as massas contra a ditadura e aceitava o calendário eleitoral imposto por Geisel e Figueiredo. O PMDB não estava disposto a mobilizações de massas, porque sabia que o perigo era a entrada em cena dos trabalhadores, com sua força social de choque, seus métodos e suas greves. E o PMDB era um partido com apoio, essencial e primeiramente, empresarial.
No outro campo, estava a esquerda que se uniu em torno do projeto que nasceu das greves operárias e das manifestações estudantis, levando à fundação do PT em 1980, e da CUT, em 1983. Este campo se posicionava contra uma transição negociada e lutava pela derrubada da ditadura. Lutava pela perspectiva de um deslocamento da ditadura pelas lutas, não em conchavos no Congresso Nacional.
O PMDB era o partido da oposição institucional, o PT era o partido da independência dos trabalhadores, que não aceitava que a maioria proletária continuasse a ser massa de manobra entre diferentes alas da classe dominante. Os moderados de esquerda argumentavam exatamente como agora: não é possível ultrapassar Ulysses e o PMDB pela esquerda. A luta provou que eles estavam errados. Foi porque o PT chamou às ruas e começou a campanha das Diretas Já! no Pacaembu que o PMDB, ainda que dividido, se mexeu. O drama atual é que a maioria daqueles que foram os radicais em 1980/83 agora são os moderados. De incendiários, viraram bombeiros.
O dilema de estratégia que se coloca agora, trinta e cinco anos depois, no entanto, é o mesmo. O papel da esquerda deve ser o de ajudar a juventude e os trabalhadores a construir um campo independente? Ou ela deve se resignar a ser um vagãozinho atrelado ao trem que é dirigido por uma ala da classe dominante contra outra ala? Só podemos escolher entre o governo Dilma ou um governo da direita? Ou esta onda de lutas pode ajudar a nova geração a retirar conclusões políticas e ir além? Não é possível pensar em um poderoso campo de oposição de esquerda, que permita ir além do reformismo quase sem reformas dos dez anos dos governos Lula e Dilma? Qual o caminho para avançar na direção da revolução brasileira?

*Valerio Arcary é professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia) e doutor em História pela USP
Fonte:http://www.viomundo.com.br