Toda pessoa humana tem direitos. Isso
acontece em qualquer parte do mundo. Em grande número de países há pessoas que
têm mais direitos do que as outras. Existem diferenças também quanto ao
respeito pelos direitos, pois enquanto em certos países os direitos
fundamentais da pessoa humana são muito respeitados em outros quase não há
respeito.
Por que existem esses direitos? Porque
todas as pessoas têm algumas necessidades fundamentais que precisam ser
atendidas para que elas possam sobreviver e para que mantenham sua dignidade.
Cada pessoa deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as
demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento
daquelas necessidades básicas.
Além disso as pessoas humanas são todas
iguais por natureza e todas valem a mesma coisa, mas cada uma tem suas
preferências, suas particularidades e seu modo próprio de apreciar os
acontecimentos. Por causa destas diferenças as pessoas nem sempre estão de
acordo e é preciso que existam regras regulando os comportamentos,
estabelecendo o que cada um deve ou não deve fazer, o que é permitido e o que é
proibido.
O fato de haver divergências e
conflitos não é mau, ao contrário disso, onde as pessoas são livres é natural
que não concordem em tudo e é bom que possam manifestar suas discordâncias. É
desse modo que cada um se sente completo como pessoa e dá sua contribuição para
o aperfeiçoamento da vida em sociedade. Não se pode, entretanto, dispensar a
existência de regras de convivência, não para sufocar as pessoas e impedir que
se manifestem as divergências, mas para regular as manifestações e dar a elas
um sentido positivo.
Mas como todos os seres humanos valem a
mesma coisa não é justo que só alguns estabeleçam as regras e os outros só
fiquem com a obrigação de obedecer. Essas regras é que constituem o direito. E
para que o direito seja legítimo e justo é preciso que todas as pessoas do povo
possam dar sua opinião no momento em que as regras são escolhidas. E preciso
também que todas as pessoas do povo, mesmo aquelas que estão no governo, ou que
são poderosas, sejam obrigadas a obedecer e a respeitar o direito. Mas se o
direito é necessário e se ele estabelece regras justas para a vida social como
se explica a existência de injustiças apoiadas pelo direito? E se o direito é
útil ou necessário para os seres humanos como se explica que os direitos não
sejam respeitados por todos?
Quando existe um direito injusto é sinal
de que o povo não foi ouvido ou de que algumas pessoas usaram a força
econômica, militar ou política para impor a todos os outros o direito injusto.
Nesse caso o que existe é um direito ilegítimo. É preciso, então, que muitas
pessoas denunciem as injustiças e façam pressão para que as regras ilegítimas
sejam substituídas por outras aprovadas pelo povo.
Como é evidente, as pessoas e os grupos
mais poderosos procuram sempre impor sua vontade, para que o direito atenda
antes de tudo aos seus interesses. Isso acontece com mais facilidade onde a
maior parte das pessoas não procura saber o que o Legislativo (deputados e
senadores, vereadores) o Executivo (presidente, governador e prefeito) estão
fazendo e não tem interesse por assuntos políticos. O desinteresse da maioria
do povo deixa sem controle e sem fiscalização os que tomam as decisões
políticas. E desse modo elas ficam à vontade para decidir a favor dos
poderosos, desprezando as necessidades e a vontade do povo. Assim é que se
explica a existência de leis, decretos e atos administrativos contrários ao
interesse público.
Por aí se percebe também que não basta
votar para ter a garantia de uma ordem justa, sendo indispensável procurar
conhecer bem o candidato para o qual se vai dar o voto e depois disso acompanhar
a vida das instituições políticas. Com essa participação permanente do povo e
das organizações de base, como associações, comunidades e sindicatos e
movimentos sociais (MST, MTST), será mais fácil impedir que sejam
desrespeitados os direitos fundamentais das pessoas humanas.
O que desde logo deve ficar claro é que
existem certos direitos que nem as leis nem as autoridades públicas podem
contrariar. Esses direitos estão quase todos na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.
DIREITO DE SER PESSOA
Para que um ser humano tenha direitos e
para que possa exercer esses direitos, é indispensável que seja reconhecido e
tratado como pessoa. Isso deve acontecer com todos os seres humanos. Reconhecer
e tratar alguém como pessoa é respeitar sua vida, mas exige que também seja
respeitada a dignidade, própria de todos os seres humanos. Nenhuma pessoa deve
ser escrava de outra, nenhum homem deve ser humilhado ou agredido por outro,
ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante os
demais, ou que os outros considerem indigna ou imoral.
Antes de tudo, como exigência para
viver com dignidade, a toda pessoa humana deve ser garantido o direito de ter
um nome e de ser conhecida e respeitada por esse nome. O nome identifica a
pessoa e faz parte de sua personalidade. Por esses motivos o direito ao nome
está contido no direito de ser pessoa.
Todo ser humano tem o direito de não
ser agredido ou ferido por outro. Esse é o direito à integridade física. Em
qualquer situação, mesmo que esteja preso por ter cometido um crime, o ser
humano deve ter respeitada a integridade de seu corpo. Assim como não deve ser
tolerado que uma pessoa agrida outra, por qualquer motivo, quando as duas estão
livres e podem defender-se, com mais razão não se pode admitir que um policial
pratique violência física contra um preso, que não tem como se defender.
Quando se fala em respeito à
integridade física de uma pessoa, a primeira ideia que se tem é de que não deve
ser tolerada a violência direta e intencional. Mas é preciso ter em conta que
há muitas situações em que uma pessoa pode causar prejuízo físico a outra, sem
que a agressão cause a revolta de outras pessoas e mesmo sem que muitos
percebam que está havendo uma violência.
Aqui também é preciso lembrar as
condições de vida e de trabalho. Muitas vezes uma pessoa é obrigada a viver ou
trabalhar em condições que acarretam grande prejuízo físico, ou porque a falta
de alimentos ou de cuidados de higiene e saúde causam doenças e o
enfraquecimento físico, ou porque a falta de segurança sujeita a pessoa a
sofrer acidentes e a perder sua capacidade física. Em todas essas situações,
não está sendo respeitado o direito à integridade física das pessoas.
Igualmente grave é o sofrimento psíquico
ou moral imposto a uma pessoa. Nesses casos, geralmente, poucos percebem que
está havendo uma violência e que não se está respeitando a dignidade humana,
mas os efeitos da agressão podem ser até mais graves do que aqueles provocados
por uma violência física.
Considere-se, por exemplo, a situação
de uma criança que é repreendida ou castigada com muito rigor ou injustamente,
ou que é ridicularizada perante outras crianças ou na frente de adultos. Mais
do que o sofrimento físico, ou independente dele, essa criança sentirá um
grande sofrimento espiritual, que poderá durar muito tempo e até pela vida
inteira.
Esse mesmo sofrimento psicológico e
moral será imposto ao empregado que for tratado de modo grosseiro e
desrespeitoso por seu empregador ou por seus superiores. O relacionamento
respeitoso deverá ser observado entre professores e alunos, bem como entre
qualquer pessoa que presta um serviço e os que recebem o serviço, pois a vítima
do desrespeito estará sofrendo uma agressão moral e psicológica.
As agressões dessa espécie são mais
comuns nas situações em que alguém ou tem uma posição de autoridade pública ou
pode exigir a obediência de outros. O abuso da autoridade, a atitude arrogante
de quem manda, a imposição de humilhação aos subordinados, tudo isso caracteriza
agressão psicológica ou moral e, portanto, desrespeito ao direito de ser
pessoa. Esse mesmo desrespeito está presente em todas as situações sociais em
que alguém é obrigado a ficar em posição humilhante ou de inferioridade moral
perante outras pessoas. Isso acontece, por exemplo, quando uma pessoa é forçada
a viver em tal estado de pobreza que precisa mendigar para obter alimentos e
outros bens essenciais para a sobrevivência ou a vida em sociedade.
A mesma coisa se verifica quando
pessoas e famílias são obrigadas, por sua pobreza, a morar em favelas ou
cortiços, a se vestir com roupas esfarrapadas e a revelar, em cada situação,
que são muito mais pobres do que as outras. As pessoas que sofrem essa forma de
agressão podem não demonstrar revolta, mas seu sofrimento psicológico e moral
existe. Elas sabem que são tratadas como inferiores e sofrem com isso.
Outras formas de ofensa ao direito de
ser pessoa são os preconceitos e as discriminações sociais. Essa ofensa ocorre
quando alguém é tratado como inferior ou não é admitido em algum lugar por
causa de sua raça, sua cor, suas crenças, suas ideias ou sua condição social.
No Brasil, atualmente, há uma ofensa ao
direito de ser pessoa que vem sendo praticada em muitos lugares, todos os dias,
como se fosse coisa normal. Essa ofensa está no fato de que todas as pessoas
são tratadas como suspeitas, como desonestas, como possíveis criminosas, sempre
que vão fazer algumas compras e querem pagar com cheque. O comprador é obrigado
a exibir documentos de identidade e a provar que não está pretendendo enganar e
prejudicar o vendedor. Essa mesma prova é exigida em muitas repartições
públicas, em bancos e em grandes empresas. Todos são tratados como suspeitos
até que provem o contrário.
Esse procedimento é consequência do fato
de que o Brasil teve vários governos militares, que viam em cada brasileiro um
provável inimigo. Mas é uma grave ofensa ao direito de ser pessoa.
Não existe respeito à pessoa humana e
ao direito de ser pessoa se não for respeitada, em todos os momentos, em todos
os lugares e em todas as situações a integridade física, psíquica e moral da
pessoa. E não há qualquer justificativa para que umas pessoas sejam mais
respeitadas do que outras.
Fonte: Viver em Sociedade - Dalmo de Abreu Dallari.
Atividades:
1 - Por que existem direitos humanos?
2 – Por que é preciso que existam
regras regulando os comportamentos das pessoas em uma sociedade?
3 – Por que o autor diz que “o fato de
haver divergências e conflitos não é ruim” na nossa sociedade?
4 – O que é preciso para que o direito,
consequentemente suas regras, seja legítimo e justo?
5 – Pode existir um direito injusto?
Como isso pode ocorrer, na visão do autor?
6 – O que acontece quando o povo perde
o interesse em discutir os direitos e os problemas da política?
7 - Por que o autor diz que não basta
votar para que se tenha a garantia de uma ordem justa e defesa de seus
direitos? O que mais devemos fazer para garantir nossos direitos?
8 – O que é o direito de ser pessoa?
9 – O que é o sofrimento psicológico e
moral? O que é o sofrimento físico?
10 – Relate alguns tipos de sofrimentos
morais /psicológicos e físicos que ocorrem na escola.
11 – Relate outros tipos de sofrimentos
que observamos no nosso bairro, cidade e país constantemente.
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