Coronavirus e 'sopa de morcego"? Teoria de conspiração e fake news
se espalham com avanço de surto
“Passageiro
mostra ilustração do coronavírus em seu celular no aeroporto de Guangzhou, na
província chinesa de Guangdong”
O número de casos
confirmados subiu para 7.711 e lugares como Hong Kong anunciaram planos de
proibir viagens para a China continental na tentativa de conter o avanço do
vírus.
Mas não é só a
doença que se espalha pela China e por outros países — a desinformação também
cresce em ritmo alarmante e teorias de conspiração se espalham pelas redes.
Você deve ter visto, por exemplo, os já famosos vídeos virais sobre sopas de
morcego.
Desde a divulgação
dos primeiros casos, a origem do coronavírus é alvo de debate na internet. Isso
ganhou força com uma série de vídeos que supostamente mostrariam chineses
comendo morcegos em meio a eclosão do vírus na cidade de Wuhan.
Um dos vídeos
mostra uma mulher chinesa sorridente mostrando um morcego cozido para a câmara
e dizendo que ele "tem gosto de frango". O vídeo causou revolta e
alguns internautas começaram a culpar os hábitos alimentares dos chineses pela
expansão da doença.
Mas o vídeo não foi
filmado em Wuhan, nem na China. Originalmente filmado em 2016, ele mostra a
blogueira e apresentadora Mengyum Wang durante uma viagem a Palau, um
arquipélago no oceano Pacífico.
Morcegos
O vídeo voltou à
tona nas redes sociais depois que casos de coronavírus emergiram em Wuhan no
fim do ano passado.
Em meio à reação
negativa nas redes, Wang pediu desculpas, dizendo que ela estava "apenas
tentando apresentar a vida das pessoas locais" a sua audiência e não sabia
que morcegos poderiam ser vetores de vírus.
O vídeo dela foi
tirado do ar desde a controvérsia.
“Wang
pediu desculpas, dizendo que ela estava "apenas tentando apresentar a vida
das pessoas locais" a sua audiência”
Acredita-se que o
novo coronavírus tenha surgido a partir do comércio ilegal de animais selvagens
em um mercado de frutos do mar em Wuhan.
Apesar de os
morcegos terem sido citados em pesquisa chinesa recente como possível origem do
vídeo, a sopa de morcego não é particularmente comum no país e as investigações
sobre a origem real da doença continuam.
'Epidemia
planejada'
Com o anúncio do
primeiro caso de coronavírus nos EUA, na semana passada, começaram a circular
pelo Twitter e pelo Facebook documentos de registros e patentes que à primeira
vista sugeririam que especialistas sabiam da existência do vírus há anos.
Um dos primeiros a
ecoarem essas suspeitas foi o youtuber Jordan Sather, um conhecido adepto de
teorias de conspiração.
Em em uma longa
sequência de tuítes compartilhada milhares de vezes, ele compartilhou um link
para um registro de 2015 feito pelo Instituto Pirbright, em Surrey, na
Inglaterra, que fala sobre o desenvolvimento de uma versão enfraquecida do
coronavírus para uso potencial em vacinas para prevenir ou tratar doenças
respiratórias.
O mesmo link também
circulou amplamente em grupos antivacinas no Facebook.
Sather usou o fato
de que a Fundação Bill & Melinda Gates é doadora tanto do Instituto
Pirbright quanto de órgãos ligados ao desenvolvimento de vacinas para sugerir
que a eclosão atual do vírus estaria teria sido deliberadamente fabricada para
atrair recursos para a criação de uma vacina.
"Quanto
dinheiro a Fundação Gates deu para programas de vacinação ao longo dos anos? O
surto da doença foi planejado? A imprensa está sendo usada para espalhar medo
sobre isso?", tuitou Sather.
Mas a patente do
Pilbright não é para o novo coronavírus. O documento é um registro sobre a
bronquite infecciosa das galinhas (BIG), uma linhagem que faz parte da grande
família do coronavírus e que afeta aves.
Sobre a especulação
em torno da Fundação Bill & Melinda, a porta-voz da Pirbright, Teresa
Maughan, disse ao site Buzzfeed News que o estudo do instituto sobre o vírus da
bronquite infecciosa não foi financiado pela fundação.
Conspirações de
'armas biológicas'
“Artigos
falsos sobre origem da doença foram compartilhados por centenas de perfis,
atingindo milhões de pessoas”.
Outra afirmação sem
embasamento que viralizou sugere que o vírus seria parte de um "programa
secreto de armas biológicas" da China e teria sido espalhado pelo
Instituto de Virologia de Wuhan.
Muitos perfis citam
dois artigos amplamente compartilhados do jornal Washington Times que citam uma
frase de um ex-oficial da inteligência israelense sobre o tema.
No entanto, nenhum
dos dois artigos apresenta provas para a alegação e a fonte israelense diz nos
textos que "até o momento, não há evidência ou indicação" que sugira
que o instituto tenha espalhado o vírus.
Os dois artigos
foram compartilhados por centenas de perfis, atingindo milhões de pessoas. A
BBC News pediu comentários ao Washington Times, mas não obteve resposta.
O jornal britânico
Daily Star publicou uma notícia similar na semana passada, afirmando que o
vírus pode ter surgido em um laboratório secreto.
No entanto, a
reportagem foi alterada e o jornal adicionou que não havia provas para a
sugestão.
Pesquisas oficiais
indicam que o vírus teria emergido do comércio ilegal de animais selvagens no
mercado Huanan, que vende frutos do mar em Wuhan.
'Equipe de
espionagem'
Outra teoria
associou incorretamente o vírus à suspensão de uma pesquisadora do Laboratório
Nacional de Microbiologia do Canadá.
A virologista
Xiangguo Qiu, seu marido e alguns de seus estudantes chineses teriam sido
afastados do laboratório no ano passado após desobedecerem regras, de acordo a
TV pública canadense CBC. Na época, a polícia informou à rede que "não
houve ameaças à saúde pública".
Outra teoria aponta
que a virologista Qiu visitou duas vezes por ano, durante dois anos, o
Laboratório Nacional de Biosegurança de Wuhan, da Academia Chinesa de Ciências.
Um texto com mais
de 12 mil retuítes e 13 mil curtidas — dizia, sem provas, que Giu e seu marido
seriam uma "equipe de espiões" que teria enviado "agentes
patogênicos" para Wuhan, e que o marido seria "especialista em
coronavírus".
Nenhuma das três
afirmações do tuíte pode ser encontrada nas reportagens transmitidas pela CBC.
Os termos coronavírus e espiões nem aparecem nas matérias.
A CBC informou que
as alegações não têm fundamento.
Vídeo da 'enfermeira de Wuhan'
Versões distintas
do vídeo de uma "denunciante", supostamente registrado por um
"médico ou enfermeira" na província de Ubei, acumularam milhões de
visualizações em várias redes sociais e apareceram em diversos blogs.
A versão mais
popular foi divulgada no YouTube por um usuário coreano e trazia legendas em
inglês e coreano — o vídeo já foi tirado do ar.
De acordo com as
legendas em inglês, a mulher seria uma enfermeira no hospital de Wuhan. No
entanto, ela não diz em nenhum momento ser enfermeira ou médica no vídeo. Isso
parece ser apenas um chute feito pelos que compartilharam as imagens.
A mulher, que não
se identifica, está vestindo roupa de proteção em um local desconhecido. No
entanto, seu traje e a máscara não são os mesmos usados pela equipe médica em
Hubei.
Devido a um
bloqueio imposto pelas autoridades, é difícil verificar vídeos da província.
Mas a mulher faz uma série de afirmações infundadas sobre o vírus, o que torna
improvável que ela seja enfermeira ou paramédica.
Ela diz, por
exemplo, que o número real de pessoas infectadas na China é de 90 mil. Mas,
segundo dados oficiais, houve pouco mais de 7.700 infecções confirmadas até a
publicação desta reportagem.
Ela também afirma
que o vírus tem uma "segunda mutação", que poderia infectar até 14
pessoas. A Organização Mundial da Saúde tinha estimado, preliminarmente, que o
número de infecções que um indivíduo portador do vírus poderia causar é de 1,4
a 2,5. Mas autoridades chinesas relataram nesta quinta o caso de um paciente
"supercontagiante" que teria infectado ao menos 14 pessoas.
Seja como for,
segundo Muyi Xiao, nativo de Wuhan e editor de imagens da revista online
ChinaFile, a "enfermeira de Wuhan" não parece "alguém com
formação profissional médica".
Embora a
localização exata do vídeo seja desconhecida, é provável que a mulher seja um
residente de Hubei compartilhando sua opinião pessoal sobre o surto.
"Acho que há
[uma] possibilidade de que ela ache que está dizendo a verdade. Porque ninguém
sabe a verdade", disse à BBC Badiucao, um ativista político chinês
atualmente baseado na Austrália.
"A falta de
transparência deixou as pessoas à mercê de palpites e pânico", disse.
*Com reportagem da
BBC Monitoring e da BBC UGC Newsgathering
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51311226
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