Desmatamento e desequilíbrios ecológicos
são responsáveis pelo crescente número de mortes de primatas na Mata Atlântica.
Com o avanço da zona urbana sobre as matas, humanos estão mais perto da doença
“Os macacos são altamente
sensíveis ao vírus da febre amarela, especialmente os bugios ou guaribas e os
saguis ou micos. E não têm acesso à vacina, como os humanos”
São Paulo – As manchetes sobre as filas
nos postos de saúde, com pessoas assustadas em busca de vacina contra a febre
amarela escondem um desastre ambiental: a morte de macacos em regiões de
remanescentes de Mata Atlântica, especialmente na região Sudeste.
Só neste ano foram confirmadas 172 mortes
de macacos por febre amarela em regiões próximas a Campinas, Ribeirão Preto,
São João da Boa Vista, São José do Rio Preto e Sorocaba. A prefeitura de
Jundiaí, a 60 km da capital paulista, confirmou no início da semana a morte de
48 animais pelo flavivírus. Na capital foi confirmada a morte de um macaco
devido à doença no Horto Florestal. E como apareceram animais mortos em outros
parques, a prefeitura e o governo de São Paulo determinaram o fechamento de 15
deles, por tempo indeterminado, como medida preventiva.
Para a Sociedade Brasileira de Primatologia
(SBPr), as mortes de macacos devido à intensa circulação do vírus
nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul e
São Paulo expõem a gravidade de uma das maiores mortandades de primatas de toda
a história da Mata Atlântica.
Em nota de esclarecimento,
assinada por especialistas no tema que atuam no Ministério da Saúde, na
vigilância em saúde dos estados, institutos públicos de conservação da
biodiversidade, universidades públicas e privadas e organizações
ambientalistas, entre outras, eles destacam que a febre amarela não é
contagiosa, que os macacos, assim como os humanos, não a transmitem diretamente
e que o vírus pode circular no chamado ciclo urbano, transmitido pelo Aedes
aegypti, o que não é registrado no Brasil desde 1942. E que a febre amarela
silvestre, com circulação apenas entre os macacos e outros animais, pode ser
transmitida por algumas espécies de mosquitos, como o Haemagogus e
o Sabethes.
“Ao entrar nas matas, humanos que não
tenham sido vacinados podem ser picados por esses mosquitos que tenham se
alimentado do sangue de animais ou de humanos contaminados com o vírus”, afirma
a nota.
O que também preocupa os primatólogos é
que a abordagem de diversos meios de comunicação leva o público a um erro de
interpretação. Nessa distorção, segundo eles, os macacos passam de vítimas a
vilões. E são vistos como vetores no ciclo de transmissão da febre amarela.
Eles lembram que, entre 2008 e 2009, no Rio Grande do Sul, foram feitos ataques
a macacos em função disso. E o bugio-ruivo voltou a ser listado como espécie
ameaçada de extinção no país.
Ainda segundo a nota, os macacos não são
reservatórios de doença, mas hospedeiros, porque vão adoecer ou morrer. Os
reservatórios e responsáveis por sua manutenção na natureza são os mosquitos
silvestres, que podem transmitir o vírus durante toda a sua vida – cerca de 30
dias.
“Na verdade, os primatas
sinalizam a presença da doença. São sentinelas. Desflorestar ou
matar macacos não impede a circulação do vírus da febre amarela. E ainda traz
um efeito danoso para a saúde pública ao eliminar o papel de “sentinela” dos
primatas que, ao morrerem pela doença, avisam as autoridades sobre a sua
ocorrência. Os macacos têm, portanto, uma valiosa e insubstituível contribuição
para a saúde pública.”
Horto Florestal e Parque da Cantareira, entre outros, foram fechados como medida preventiva contra o avanço da febre amarela
Não está ainda
totalmente esclarecido o mecanismo pelo qual a doença pode percorrer extensões
geográficas tão vastas, como estamos presenciando neste momento. Entretanto, os
especialistas acreditam que os macacos não sejam os responsáveis pela
chegada do vírus em suas matas e não sejam responsáveis pela disseminação da
doença.
Todo o conhecimento disponível sobre os
hábitos dos macacos indica que eles permanecem em áreas restritas nas suas
matas e raramente usam o solo e áreas desmatadas para se deslocar de um local
para outro. “Assim, é improvável que os macacos levem a doença adiante por
grandes distâncias. Os mosquitos são vetores-reservatórios – transmissores do
vírus – e, embora não seja cientificamente comprovado, pessoas não vacinadas e
infectadas pelo vírus, poderiam, em tese, transportar o vírus por grandes
distâncias e contribuir para essa disseminação.
“Horto Florestal e Parque da
Cantareira, entre outros, foram fechados como medida preventiva contra o avanço
da febre amarela.”
Estreita
relação
Há consenso entre especialistas em primatas
e em saúde pública da estreita relação entre o desmatamento de áreas florestais
e os surtos da febre amarela. Uma das hipóteses mais defendidas é a de que, ao
diminuir o tamanho do habitat natural dos macacos, a destruição de florestas os
obriga a se concentrar em áreas menores. E essa concentração os tornaria presas
mais fáceis para os mosquitos Haemagogus e Sabethes. Insetos
esses que também são vítimas do desmatamento ao não terem outra opção de
sobrevivência senão encontrar circunstâncias mais propícias para proliferação.
Nesse limite cada vez mais tênue entre
espaços silvestres e urbanos, a febre amarela é outro aspecto da relação entre
a saúde humana e ambiental. Somente neste ano, foram registrados mais de 797
casos da doença em todo o país, com 275 pessoas mortas. Em São Paulo,
em 2017, foram registrados 22 casos, com dez mortes – todas vítimas do ciclo
silvestre, picadas dentro ou perto de matas.
A bióloga Márcia Chame, que coordena
estudos de Biodiversidade e Saúde Silvestre na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
disse à revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, vinculada à mesma instituição (Ensp/Fiocruz), que a redução de
ambientes naturais restringe as espécies a uma área menor, aumentando a
concentração de agentes infecciosos em circulação.
“No caso da febre amarela, observa-se a
mortalidade de macacos nos locais em que os fragmentos florestais são muito
pequenos”, destaca à publicação. Dentro das faixas de matas, cada vez mais
restritas, há menos recursos para sobrevivência, como alimentação e abrigo, e
muitos tipos de seres vivos tendem a desaparecer naquele local. As espécies que
permanecem são as que têm a capacidade de se adaptar às mudanças ambientais. “E
o que a gente vem percebendo é que são boas mantenedoras e transmissoras de
agentes infecciosos.”
Entre as razões de degradação ambiental,
segundo ela, estão as mudanças no uso e ocupação da terra, a exploração dos
recursos biológicos, a poluição e as atividades extrativistas predatórias, como
a mineração.
Em janeiro, a bióloga disse ao
jornal O Estado de S. Paulo que o surto de febre amarela poderia
estar relacionado ao crime ambiental da Samarco, ocorrido em Mariana (MG),
em dezembro 2015. No entanto, não há apenas uma causa para o grande surto da
doença, conforme ela própria esclareceu à Radis. “É um processo complexo
que vem sendo observado em diversas situações. São impactos de muitas origens,
inclusive ao longo da história”, explicou ao órgão de comunicação da Fiocruz.
Essa situação, segundo ela, não é nova. E já era esperado um “encontro marcado”
com a doença.
Ainda segundo a publicação da , já existem
estudos no Brasil que apontam a associação de algumas doenças com a degradação
ambiental. É o caso da febre maculosa e da doença de Chagas, por exemplo. Nessa
última, o inseto transmissor — o barbeiro — prefere se acomodar em palmeiras —
plantas comuns em áreas que sofreram degradação. A perda da biodiversidade, ou
seja, de um conjunto de espécies silvestres que estão relacionadas entre si em
um mesmo ciclo, faz com que uma doença silvestre extravase para a zona rural e
para a área urbana, como acontece em parques próximos a grandes centros como o
Horto Florestal, na zona norte da capital paulista, que tem origem na Serra da
Cantareira.
Conforme a Radis, quanto maior a
diversidade de espécies dentro de áreas naturais, maior a chance de ser mantido
o equilíbrio ambiental, assim como o ciclo natural das doenças tende a
permanecer restrito a esses espaços.
Surto
de febre amarela
Professora do Instituto de Saúde Coletiva
da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e integrante da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Maria da Glória Teixeira aprova o
fechamento dos parques na capital como medida preventiva.
“O surto de febre amarela silvestre, ainda
entre os animais, pode contagiar pessoas picadas por mosquitos que carregam o
vírus”, disse, destacando que o ciclo urbana da doença, transmitido
principalmente pelo mosquito Aedes aegypti (o mesmo que transmite
doenças como dengue, zika e chikungunya) não tem registro no Brasil desde 1942.
Apesar de o vírus causador da febre
amarela ser o mesmo nos dois ciclos, a contaminação do vetor urbano, o Aedes,
não é um processo simples e rápido. Primeiro, é preciso que uma pessoa, após
ter adquirido a doença em uma zona de mata, seja picada, pouco antes de adoecer
ou logo nos primeiros dias da doença, por um mosquito Aedes aegypti.
Em seguida, é preciso que parte do ciclo
do vírus se processe no organismo desse mosquito, tornando-o capaz de
transmitir o vírus a outras pessoas. Glória ressalta que a transmissão da febre
amarela não acontece de pessoa para pessoa, nem de macaco para macaco, nem de
macaco para pessoa. Assim, não há nenhuma indicação de se eliminar macaco.
Fonte:
Publicado por Cida De
Oliveira, Da RBA 27/10/2017 11:42
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