Por Pierre Barthelemy*
Caça ao voto ultraconservador passou, em
especial, por uma guerrilha apoiada em motivos religiosos contra a
ciência e quem a faz.
Rick Santorum diz que o aquecimento global é “uma piada”
Em pleno periodo das primárias republicanas, nos EUA,
lançou-se a caça ao voto ultraconservador. Esta passou, em especial, por
uma guerrilha apoiada em motivos religiosos contra a ciência e quem a
faz. Mesmo que os média pouco falem disso, o movimento mais importante
neste sentido é o retorno do criacionismo oficial pela porta grande.
Desde começos de 2012 estão em trâmite nada menos que seis projetos de
lei em quatro Estados (Indiana, Missouri, New Hampshire e Oklahoma), com
os quais se pretende propor aos alunos das escolas públicas uma visão
alternativa à teoria da evolução darwiniana.
Para se justificarem, alguns dos promotores destes textos não se poupam
a argumentos toscos, como o republicano Jerry Bergevin, de New
Hampshire, que disse o seguinte: “Quero que se apresente o retrato
completo da evolução e das pessoas que tiveram essas ideias. É uma visão
do mundo que não tem deus. O ateísmo foi ensaiado em vários países e
estas sociedades foram verdadeiramente criminosas para dentro e para
fora. A União Soviética, Cuba, os nazis, a China de hoje: não respeitam
os direitos humanos .[…]. Deveríamos inquietar-nos perante semelhantes ideias criminosas e a maneira como as ensinamos...Recordai-vos de Columbine – acrescentou ao referir-se à matança do liceu de Columbine (Colorado), em 1999 –, onde dois jovens mataram treze pessoas antes de se suicidarem? Esses acreditavam na evolução.”
Nem todos os adversários da evolução lançam argumentos tão primários, desde logo, porque, depois de uma decisão do Supremo Tribunal de 1987, é anticonstitucional ensinar o criacionismo, considerado como um ponto de vista religioso. Para contornar este obstáculo, Josh Brecheen, representante republicano de Oklahoma, que pretende combater “a religião da evolução”, assinala no projeto de lei que apresentou no seu Estado que não exige que o crIacionismo (ou o seu avatar, o “desenho inteligente”) seja introduzido nos programas escolares. O seu discurso é mais subtil. Explicando que há que favorecer “a reflexão crítica, a análise lógica e a discussão objetiva no ensino”, o seu texto pretende inocentemente “promover um ambiente de reflexão crítica nas escolas, incluindo uma crítica científica à teoria da evolução”...
Poder-se-ia acreditar que tudo isto não é mais do que uma nova onda criacionista como as que houve em numerosas ocasiões desde o famoso “processo do macaco”, em 1925, no qual que um professor, John Scopes, foi condenado por ter ensinado aos seus alunos as grandes ideias da evolução. Na realidade, a ofensiva atual vai para além da simples batalhita contra Darwin. Com efeito, no projeto de lei de Josh Brecheen podemos ler que a “reflexão crítica” nas escolas refere-se a “teorias científicas que incluem, entre outras, a evolução, a origem da vida, o aquecimento global e a clonagem humana.”
Sem dúvida que não é uma grande surpresa para os climatólogos que a “versão escolar” das suas investigações seja objeto de ataques por parte dos ultras republicanos. Tem certa lógica que o negacionismo científico, que floresce cada vez mais abertamente nas fileiras da direita cristã, o empreenda com âmbitos distintos da evolução. O fenómeno ganha amplitude, como se viu com as manifestações contrárias á vacinação [para prevenir o VPH ou Virus do Papiloma Humano] da ex candidata republicana Michelle Bachmann há alguns meses, ou através dos ataques incessantes contra os climatólogos desde o chamado “Climategate” de 2009. O último ataque até agora é o lançado por outro candidato, Rick Santorum, que declarou, em começos de fevereiro, que o aquecimento global é “uma piada”. Convidado para um colóquio sobre a energia, Santorum, feroz partidário das energias fósseis, explicou o seu ponto de vista com estas palavras: “Sendo criaturas de Deus, estamos na Terra para exercer o nosso domínio sobre ela, para utilizá-la e administrá-la com sabedoria, mas em nosso proveito, não no da Terra.”
O ex senador da Pensilvânia afirmou depois que os trabalhos sobre as alterações climáticas são uma “paródia absoluta da investigação científica, impulsionada por quem, na minha opinião, nela viram uma ocasião para criar o pânico e para o governo a possibilidade de intervir nas nossas vidas, inclusivamente de as controlar. (...) Pela minha parte, nunca acreditei nessa piada. A ciência diz-nos que há cem fatores que influem no clima e sugerir que um fator menor, no qual a parte do homem não passa de um fator menor (referindo-se às emissões humanas de gases com efeito de estufa; NDR), é o ingrediente determinante que provoca todo o mecanismo de aquecimento e resfriamento climáticos é manifestamente absurdo.”
O passo do criacionismo para um negacionismo mais amplo da ciência, agregando entre outros os climato-cépticos (e os seus lóbis), reflete duas coisas: em primeiro lugar, uma desconfiança crescente para com o mundo científico, cujos avanços comportam uma mudança radical da visão do mundo tradicional da direita cristã norte-americana; em segundo lugar, com estes projetos de lei sobre a educação estão a socavar os fundamentos do ensino público, seja obrigando-o a integrar uma visão religiosa do mundo, em geral, e das questões científicas, em particular, seja para o desvirtuar em favor da escola privada. Isto é o que explica a jornalista norte-americana Katherine Stewart (autora de um livro sobre a batalha levada a cabo pela direita fundamentalista para controlar a escola pública) num artigo publicado, em 12 de fevereiro, no The Guardian, onde escreve, em particular: “Os novos negacionistas da ciência parecem dizer que se não se pode silenciar a ciência, então há que silenciar as escolas.”
* Pierre Barthelemy - jornalista científico do “Le Monde”.
Nem todos os adversários da evolução lançam argumentos tão primários, desde logo, porque, depois de uma decisão do Supremo Tribunal de 1987, é anticonstitucional ensinar o criacionismo, considerado como um ponto de vista religioso. Para contornar este obstáculo, Josh Brecheen, representante republicano de Oklahoma, que pretende combater “a religião da evolução”, assinala no projeto de lei que apresentou no seu Estado que não exige que o crIacionismo (ou o seu avatar, o “desenho inteligente”) seja introduzido nos programas escolares. O seu discurso é mais subtil. Explicando que há que favorecer “a reflexão crítica, a análise lógica e a discussão objetiva no ensino”, o seu texto pretende inocentemente “promover um ambiente de reflexão crítica nas escolas, incluindo uma crítica científica à teoria da evolução”...
Poder-se-ia acreditar que tudo isto não é mais do que uma nova onda criacionista como as que houve em numerosas ocasiões desde o famoso “processo do macaco”, em 1925, no qual que um professor, John Scopes, foi condenado por ter ensinado aos seus alunos as grandes ideias da evolução. Na realidade, a ofensiva atual vai para além da simples batalhita contra Darwin. Com efeito, no projeto de lei de Josh Brecheen podemos ler que a “reflexão crítica” nas escolas refere-se a “teorias científicas que incluem, entre outras, a evolução, a origem da vida, o aquecimento global e a clonagem humana.”
Sem dúvida que não é uma grande surpresa para os climatólogos que a “versão escolar” das suas investigações seja objeto de ataques por parte dos ultras republicanos. Tem certa lógica que o negacionismo científico, que floresce cada vez mais abertamente nas fileiras da direita cristã, o empreenda com âmbitos distintos da evolução. O fenómeno ganha amplitude, como se viu com as manifestações contrárias á vacinação [para prevenir o VPH ou Virus do Papiloma Humano] da ex candidata republicana Michelle Bachmann há alguns meses, ou através dos ataques incessantes contra os climatólogos desde o chamado “Climategate” de 2009. O último ataque até agora é o lançado por outro candidato, Rick Santorum, que declarou, em começos de fevereiro, que o aquecimento global é “uma piada”. Convidado para um colóquio sobre a energia, Santorum, feroz partidário das energias fósseis, explicou o seu ponto de vista com estas palavras: “Sendo criaturas de Deus, estamos na Terra para exercer o nosso domínio sobre ela, para utilizá-la e administrá-la com sabedoria, mas em nosso proveito, não no da Terra.”
O ex senador da Pensilvânia afirmou depois que os trabalhos sobre as alterações climáticas são uma “paródia absoluta da investigação científica, impulsionada por quem, na minha opinião, nela viram uma ocasião para criar o pânico e para o governo a possibilidade de intervir nas nossas vidas, inclusivamente de as controlar. (...) Pela minha parte, nunca acreditei nessa piada. A ciência diz-nos que há cem fatores que influem no clima e sugerir que um fator menor, no qual a parte do homem não passa de um fator menor (referindo-se às emissões humanas de gases com efeito de estufa; NDR), é o ingrediente determinante que provoca todo o mecanismo de aquecimento e resfriamento climáticos é manifestamente absurdo.”
O passo do criacionismo para um negacionismo mais amplo da ciência, agregando entre outros os climato-cépticos (e os seus lóbis), reflete duas coisas: em primeiro lugar, uma desconfiança crescente para com o mundo científico, cujos avanços comportam uma mudança radical da visão do mundo tradicional da direita cristã norte-americana; em segundo lugar, com estes projetos de lei sobre a educação estão a socavar os fundamentos do ensino público, seja obrigando-o a integrar uma visão religiosa do mundo, em geral, e das questões científicas, em particular, seja para o desvirtuar em favor da escola privada. Isto é o que explica a jornalista norte-americana Katherine Stewart (autora de um livro sobre a batalha levada a cabo pela direita fundamentalista para controlar a escola pública) num artigo publicado, em 12 de fevereiro, no The Guardian, onde escreve, em particular: “Os novos negacionistas da ciência parecem dizer que se não se pode silenciar a ciência, então há que silenciar as escolas.”
* Pierre Barthelemy - jornalista científico do “Le Monde”.
Publicado em: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article25549
Tradução: António José André, para o Esquerda.net.
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