Nossos povos são excluídos por um racismo histórico que faz parte
do senso comum desta sociedade que nos deve as raízes de sua formação.
O
Estado brasileiro não mede esforços para mostrar ao mundo um Brasil que
não existe. Na defesa do sistema do grande capital, camuflam índices
desenvolvimentistas que não revelam as desigualdades internas, os
problemas estruturais, muito menos, o estado de genocídio ao qual os
povos indígenas estão submetidos.
Juntos somos a segunda maior
população indígena do país. Representamos mais de 80% da diversidade
étnica e cultural do Estado de Mato Grosso do Sul. Entretanto, nossos
povos são excluídos desta sociedade por um racismo histórico e que faz
parte do senso comum desta sociedade que nos deve as raízes de sua
formação.
Após a guerra do Paraguai fomos sendo confinados em
pequenas reservas integracionistas e com isso todo o nosso território
foi invadido por não índios e hoje possuímos a menor situação de terras e
territórios demarcados do país.
O Estado brasileiro é perverso,
pois conhece a nossas necessidades territoriais, sabe que em tudo
dependemos destes territórios, que neles encontramos o sentido de nossa
existência e o futuro das crianças que nascerão amanhã. No entanto, o
Estado que deveria nos proteger e constitucionalmente demarcar nossas
terras acabou por entregá-las aos fazendeiros/grileiros que hoje se
passam por “bons” proprietários, mas continuam a ameaçar e a assassinar
nossas lideranças, nos fazendo de escravos, derrubando as matas, matando
os animais e poluindo os rios.
Na sua falta de decisão política
de garantir nossos direitos, o Estado brasileiro nos submete à pior
realidade de violência contras os povos indígenas da América. Nos
últimos anos, 60% dos assassinatos de indígenas no Brasil ocorreram
contra nossos povos devido à realidade de confinamento e ao processo de
luta pela reconquista de nossas terras. Mato Grosso do Sul amarga o
maior índice de lideranças indígenas assassinadas na luta pela terra nos
últimos 30 anos. O desespero de nosso povo é tamanho que a cada nove
dias um indígena se suicida em Mato Grosso do Sul.
Não
aceitaremos mais que a opção desenvolvimentista histórica do Estado
brasileiro e de Mato Grosso do Sul com seus governos truculentos e
mentirosos continuem a promover a espoliação de nossas terras e o
genocídio de nossas famílias.
ESTAMOS EM GUERRA!
Não por decisão nossa, mas porque os poderosos a impuseram já há muito tempo.
Por
isso, nós Povos indígenas Kaiowá, Terena, Guarani, Ofaié, Kadiweu,
Kinikinau e Guató, reunidos no Acampamento Terra Livre/Cúpula dos Povos,
vimos através deste documento não apenas denunciar aos povos e nações
do mundo, organizações e comissões nacionais e internacionais de
direitos humanos o genocídio praticado pelo Estado brasileiro contra
nossos povos, mas exigir:
Do Poder executivo, na pessoa da Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff:
-
a imediata publicação, pela Funai, dos Relatórios Circunstanciados de
Identificação dos Tekohas (terras tradicionais) Kaiowá e Guarani,
produzidos pelos 6 Grupos de Trabalho no Cone Sul;
- o imediato
avanço nos processos administrativos de demarcação das terras indígenas
Taunai Ipegue, Lalima, Nioaque, Buriti, Pilad de Rebuá, Potrero Guasu,
Sombrerito, Taquara, Água Limpa, Aldeinha, Guyraroka, Jatayvari, Kokuei e
Cachoeirinha;
- que a Polícia Federal prenda os assassinos de
nossas lideranças mortas na luta pela terra, principalmente os
representantes políticos, policiais e ruralistas envolvidos nos
assassinatos;
- que a Funai e a Sesai deem todo o atendimento
necessário aos acampamentos indígenas localizados à beira de estradas,
sitiados em fazendas ou refugiados dentro de áreas urbanas ou aldeias e
não use argumentos inconstitucionais de que “trata-se de área em
litígio”;
- que, no uso de sua atribuição constitucional realize,
com a máxima urgência, através da Força Nacional, a desintrusão dos não
índios das nossas terras já declaradas dos povos Terena, Kaiowá e
Guarani, Kadiweu e Ofaié. Caso haja processo judicial que nossos povos
aguardem a decisão dentro dos territórios, e os não índios fora;
- que seja constituído o GT para identificar as terras do povo Kinikinau;
-
que nenhuma outra PCH (Pequena Central Hidrelétrica) seja construída na
região do Pantanal e/ou Cone Sul do Estado. Nossos rios estão morrendo e
não há mais peixes para nossos povos;
- que se regularize e homologue a Terra Indígena dos Ofaié e promova, através da Força Nacional, a desintrusão dos não índios;
- que se faça a recuperação ambiental e da fauna dos nossos territórios tradicionais destruídos e envenenados pelo agronegócio;
-
que nossas lideranças e comunidades sejam protegidas pela Força
Nacional especializada, uma vez que o Programa de Proteção dos
Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) da Secretaria de Direitos
Humanos – SDH, não desenvolve nenhuma ação efetiva junto às nossas 3
lideranças e comunidades inclusas mantendo-as em situação de risco;
- que haja igual atendimento por parte da Funai e da Sesai às comunidades e aldeias localizadas nas cidades;
-
queremos também repudiar a forma como vêm sendo implantados os
territórios etnoeducacionais que em nada respeitam a diversidade de
nossos sistemas educacionais próprios, e que criminalizam e desrespeitam
nossos professores;
- que a assessoria da Funai no Congresso
Nacional seja melhor qualificada no monitoramento ao andamento das casas
e nos informes sistemáticos aos nossos povos;
- a promoção de ações afirmativas para a permanência dos acadêmicos indígenas em Mato Grosso do Sul;
Do Poder Judiciário, na pessoa do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Sr. Ayres Britto:
-
que os processos envolvendo a posse de nossas terras tradicionais no
Mato Grosso do Sul tenham prioridade nos seus julgamentos, pois a
morosidade de até 30 anos nestes casos está custando a vida de nossas
lideranças, crianças e jovens;
- que recomende ao CNJ ações de
combate à morosidade judiciária em outras instâncias e a violação de
nossos direitos por parte de magistrados parciais e que tratam destes
como algo secundário.
- que se julgue, com a máxima urgência, as
ações judiciais envolvendo as Terras Indígenas dos Kadiweu, Nhanderu
Marangatu, Cachoeirinha e Arroyo Korá;
Do Poder Legislativo, na pessoa dos Presidentes do Senado e Câmara Federal, Sr. José Sarney e Sr. Marco Maia:
-
que os Projetos de Lei e PECs que violam nossos direitos
constitucionais sejam imediatamente arquivados, como é o caso do PL
1610/96, da PEC 215/00 e PC 38/99;
- que todos os grandes
projetos que incidam sobre nossas terras respeitem a Constituição
Federal e sejam executados somente após consulta prévia, livre,
informada e com poder de veto, além de aprovação do Congresso Nacional;
-
que a bancada indigenista e a comissão de direitos humanos do Congresso
Nacional continuem fazendo diligências em nossas comunidades.
Tudo
o que temos hoje conquistamos através do sangue de nossas lideranças e
da pressão internacional sobre o Estado brasileiro, por isso queremos
conclamar os povos do mundo a promover sanções contra o Brasil para que
este, ao menos, cumpra suas obrigações constitucionais em relação aos
nossos direitos humanos e territoriais.
Na recente UPR (Revisão
Periódica Universal) vários países recomendaram ao Brasil respeito aos
Povos indígenas e demarcação de suas terras, por isso, queremos pedir a
estes, que todo financiamento, empréstimo ou qualquer tipo de apoio
financeiro ao Brasil, que incida sobre nossas terras, seja bloqueado até
que o governo as regularize pela força.
Apesar de toda violência
e morte a que estão submetidas nossas comunidades, confinadas ou
acampadas à beira das estradas, testemunhamos a certeza de que com a
força de Ñandejara, partilharemos nossos projetos de Bem Viver, em paz,
com dignidade, autonomia e liberdade.
Caciques e lideranças indígenas dos povos
Kaiowá, Guarani, Terena, Kadiweu, Kinikinau, Ofaié e Guató
Conselho do Aty Guasu
Conselho de luta pela terra dos povos do Pantanal
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