terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pela primeira vez, região Sudeste lidera o ranking do trabalho escravo


Por Ricardo Brandt
Norte e Nordeste tiveram queda no número de trabalhadores resgatados no ano, Sul também registrou aumento.

O número de pessoas flagradas no campo trabalhando em condições análogas à escravidão cresceu nas regiões Sudeste e Sul, as mais ricas e desenvolvidas do País, contrariando uma tendência nacional de queda. De janeiro a setembro deste ano, foram resgatadas 743 vítimas em propriedades localizadas no Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A quantia é quase 40% maior se comparada ao total de libertados na região nos anos de 2008 (536) e 2007 (557). Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego.
O crescimento coloca o Sudeste em uma condição inédita de liderança em relação as demais regiões do País. Estados do Norte e Nordeste, onde historicamente os registros são superiores, tiveram queda. No País 2.568 pessoas foram libertadas entre janeiro e setembro, em 101 operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Em igual período do ano passado foram 3.669 libertados, em 107 ações.
O artigo 149 do Código Penal é claro ao definir como condições de trabalho análogas à escravidão aquelas em que a vítima for submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, seja sujeitando-a a condições degradantes, seja restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.
"O Norte e o Nordeste sempre lideraram os casos de resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, mas não se pode afirmar que o problema seja uma exclusividade dessas regiões. Os dados mostram que no Sul e no Sudeste o problema também existe. Nessas regiões há uma cultura de se negar que a escravidão contemporânea exista", afirma Sebastião Vieira Caixeta, coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho.
Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que mais encaminha denúncias para as equipes de fiscalização, os números de libertados no Sudeste e no Sul do País mostram que o desenvolvimento econômico não acaba com a exploração da mão de obra escrava. "Observamos que onde o agronegócio vai de vento em popa o trabalho escravo avança", diz Xavier Plassat, coordenador da entidade.
No caso da região Sudeste, o aumento do número de libertados decorre da descoberta de 361 pessoas exploradas em plantações de cana-de-açúcar no Rio de Janeiro e de 284 em Minas Gerais. Em São Paulo, onde as ocorrências crescem nas plantações de laranja, foi realizada apenas uma operação com o resgate de 17 vítimas.
"O trabalho escravo não é um problema só das regiões pobres", afirma Luiz Antonio Machado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo ele, apesar dos casos registrados, o Brasil é considerado "um exemplo no combate a esse tipo de exploração".

DÍVIDA
A forma mais usual no Brasil é a escravidão por dívida. Nela, o agricultor é recrutado para trabalhar numa plantação distante de sua área de origem durante a época da colheita. O recrutador oferece um adiantamento em dinheiro e o agricultor concorda em pagar sua dívida trabalhando. Já na lavoura, o trabalhador tem de comprar comida e outros bens no armazém da fazenda, todos com preços inflacionados. Ele endivida-se cada vez mais, e um círculo vicioso de escravidão começa.
O governo brasileiro só em 1995 reconheceu o problema e passou a combater esse tipo de exploração com a criação dos Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. Os grupos (atualmente há 9 no País) são compostos por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores, delegados e agentes da Polícia Federal. Desde então, 35 mil pessoas foram localizadas no campo em condições análogas à escravidão.

PLANOS E AÇÕES
Foi a partir de 2003, porém, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva redigiu o primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que a atuação no campo evolui, segundo as entidades. Para se ter uma noção, um ano antes do plano foram resgatados 2.285 pessoas. No ano seguinte, esse número saltou para 5.233 - número que só perde para o registrado em 2007 quando 5.999 trabalhadores escravos foram localizados.
Em setembro do ano passado o governo lançou um novo plano. O documento, elaborado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, conta com 66 ações para prevenir e punir esse crime. Nele, há ações previstas de reinserção dos trabalhadores resgatados e repressão econômica aos exploradores, pontos que deixaram a desejar na execução do plano anterior, segundo os representantes da OIT e da CPT.
Entre as ações de repressão econômica, estão a proibição de acesso a créditos aos relacionados no cadastro de empregadores que usam mão de obra escrava, tanto de instituições financeiras públicas (como já vem acontecendo), mas também de privadas, e a proibição de participar de licitações públicas.
A impunidade é apontada pela OIT como um dos principais obstáculos na luta contra as formas modernas de escravidão. O relatório da organização cita o artigo 149 do Código Penal brasileiro, que prevê penas de prisão de 2 a 8 anos de prisão, mas argumenta que os responsáveis pelos crimes raramente são detidos.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo (26.10.2009)

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