Escrito por Sâmia Gabriela Teixeira * |
A
limpeza étnica sistemática de 1948 na Palestina, segundo Ilan Pappé,
foi o principal acontecimento “constitutivo de sua história moderna”.
Com o início da prática de limpeza de Israel, milhares de palestinos,
expulsos ou aterrorizados, se refugiaram no Líbano em busca de abrigo e
segurança. Segundo Pappé, tal limpeza foi praticamente eliminada da
memória e consciência coletiva global, tornando, portanto, o direito à
memória uma das ferramentas mais importantes para a resistência e luta
do povo palestino.
Quando em
1982 Israel invadiu o Líbano em busca da OLP (Organização pela
Libertação da Palestina), na época presidida por Iasser Arafat, o estado
sionista encontrou então a situação perfeita para ocupar o país e
aliar-se a um grupo fascista rumo ao poder. Bashir Gemayel, então
presidente eleito do Líbano e carismático líder cristão no país,
defendia uma política alinhada à dos Estados Unidos. Em entrevista
concedida nos anos 80, ao ser questionado se era ou não aliado de
Israel, Bashir explica que sua relação com o estado sionista não é
permanente, e que, politicamente, alia-se a quem lhe for conveniente
“tomando o máximo de vantagens e benefícios para o balanço de poder e o
equilíbrio de poderes no Líbano”. Seu assassinato foi então o estopim
para que um massacre de inocentes, sobretudo de palestinos refugiados,
acontecesse com a ajuda prática de Israel.
Mas
os planos de tal crime de guerra foram arquitetados durante encontros
realizados no dia 15 de setembro, com o então Ministro da Defesa de
Israel, Ariel Sharon, e líderes de uma mílicia libanesa falangista
cristã ligada ao governo de Bashir, Elie Hobeika, Fadie Frem e Zahi
Bustani. Nesse encontro, Sharon autorizava as tropas israelenses,
responsáveis pelo cerco aos campos libaneses, a permitirem a entrada dos
falangistas.
O
historiador árabe Fawwaz Traboulsi descreve em seu livro História
Moderna do Líbano os interesses firmados antes da morte do presidente
Bashir, que planeja colocar em prática uma “solução radical” para
equilibrar demograficamente o Líbano, “provocando um exôdo geral da
população palestina” que, segundo ele, constituía “um povo em excesso”
na região. Junto a responsabilidade destinada a Ariel Sharon e ao
governo cristão libanês, o estado norte-americano também teve a sua
participação ao retirar todas as suas forças de paz, responsáveis pela
supervisão da saída da OLP, e ao evadir os destacamentos militares da
região e pressionando, indiretamente, a retirada de forças francesas e
italianas do local.
Na
prática, os ataques aos campos de Sabra e Chatila podem ser definidos
como um massacre de Deir Yassin revisitado, com as mesmas
características crueis e de limpeza étnica executadas durante e a partir
da Nakba palestina. O massacre deixou cerca de 4.000 pessoas entre
mulheres, crianças e idosos mortas. Muitas delas, decapitadas, mutiladas
ou desfiguradas.
O
jornalista Odd Karsten Tveit, um dos primeiros a entrar nos campos de
refugiados após o massacre, descreveu em relato para a TV Al Jazeera
cenas de horror. Em um primeiro momento, visitou um hospital e encontrou
um jovem garoto ferido nas pernas e no quadril, e ele gritava “mataram
minha mãe e meu pai”. Depois, um grupo de palestinos, “usando kuffyas”,
mostrou o que até então se tratava apenas de rumores de um massacre.
A
cena real de uma matança: corpos e corpos empilhados por estreitas
vielas, e multidões aos prantos, buscando por sobreviventes ente os
escombros. Tantos mortos, inocentes, esquecidos pela Síria e Jordânia,
abandonados, no meio do jogo político sujo de Israel com os Estados
Unidos. Apoiados por Washington, os soldados israelenses cometeram as
mais diversas atrocidades. O massacre acabou com diversos vilarejos
libaneses e muitos acampamentos de refugiados palestinos. Um soldado
israelense, que atuou no massacre, Ari Folman, em seu documentário
relembra o genocídio no Líbano, as execuções sumárias e a noite em
Beirute com o céu iluminado por bombas de fósforo branco e outras de
fragmentação. Quando amanheceu, viu pelas ruas mães e esposas de
palestinos mortos, que choravam sobre os escombros e ruas encharcadas
por sangue. O então primeiro ministro de Israel, Menachem Begin, já
possuía um extenso currículo de matanças executadas contra palestinos.
Ele era o líder sionista da Stern Gang, grupo terrorista responsável
pela chacina em Deir Yasin.
Reflexos do massacre no Brasil
A
representação da OLP em território brasileiro instalou-se no ano de
1979 e, em 1982, com o massacre dos palestinos no Líbano, realizou, com
diversas organizações estudantis, sindicatos e partidos políticos,
grandes passeatas em protesto ao genocídio dos palestinos em São Paulo.
Mohamed Al Kadri descreve que as manifestações contaram com dez mil
pessoas pedindo o fim dos massacres e a Palestina Livre.
Elie
Hobeika, um dos responsáveis junto com Ariel Sharon pelos massacres de
Sabra e Chatila, em 1985 assumiu o posto de chefe da milícia cristã, e
pouco tempo depois alinhou o grupo aos interesses da Síria. Em janeiro
de 2002, Hobeika morreu em um atentado a bomba, e sua morte apontou
responsáveis como a Síria e, principalmente, Israel. Isso pois pretendia
depor em Bruxelas em um processo de vítimas do massacre. Ele seria uma
importante testemunha com relatos que prejudicariam o governo
israelense.
No
mesmo ano, meses depois, o empresário libanês Mikhael Youssef Nassar e
sua esposa foram assassinados em um posto de gasolina da avenida
Juscelino Kubtischek, no Itaim Bibi, em São Paulo. Foram mortos com
tiros de uma pistola com silenciador e munição brasileira. O libanês era
conselheiro de Hobeika e, depois dele, seria a segunda testemunha mais
perigosa a depor contra os organizadores e executores do massacre de
Sabra e Chatila. Além disso, era filho do comandante do famigerado
Exército do Sul do Líbano, força aliada de Israel durante a guerra
civil. Sobre ele ainda recai a suspeita de tráfico de armas e negócios
ilícitos com áreas em vias de desapropriação para rodoanel. O motivo de
seu assassinato nunca foi esclarecido pelas autoridades brasileiras mas
há grandes possibilidades que seus executores sejam os mesmos de Elie
Hobeika. Tal fato reforçou e, de certa maneira, confirmou a culpa de
Israel pela morte de milhares de civis palestinos e libaneses.
O massacre 30 anos depois
Apesar
de tal evento ser configurado como uma violação grave diante de um
Tribunal Penal Internacional, nenhuma investigação ou condenação foram
diretamente feitas contra o governo do Líbano. E mesmo com a acusação
formal por meio de inquérito contra Ariel Sharon, o ministro da defesa
não foi preso nem deixou o governo, somando este fato trágico da
história da Palestina ocupada a tantos outros ignorados por quaisquer
organizações ou nações da comunidade internacional.
O
genocídio contra o povo palestino e as violações dos direitos humanos e
das leis internacionais continuam fazendo parte da política assassina
de Israel. Segundo a ANURP – Agência das Nações Unidas para Refugiados
Palestinos, mais de 500 mil palestinos buscaram refúgio no Líbano e não
são considerados pelo governo libanês como moradores permanentes. Vivem
isolados em guetos, como cidadãos de segunda classe. Somente em 2010,
por exemplo, tiveram o direito ao emprego formal e, ainda assim, sem
poder ocupar qualquer cargo.
Um
analista sênior da ONG humanitária Human Rights Watch, Nadim Houry
declarou que “os palestinos que vivem no Líbano têm as piores condições
de vida de todo o Oriente Médio”, sem direitos civis e acesso a serviços
públicos como saúde e educação. Fica claro que, além de genocídios
planejados e executados por Israel, Estados Unidos e aliados, os
palestinos sofrem todos os dias com o apartheid promovido dentro da
Palestina ocupada e nos campos de refúgio espalhados pelo mundo. Sabra e
Chatila é perpetuada e velada, então, sob ações de exclusão étnica,
omissão e abandono dos palestinos.
* Texto publicado originalmente no Boletim Al Thawra Fonte: http://www.litci.org/ |
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Sabra e Chatila, um massacre a ser sempre lembrado
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