Herdeiros do Pampa pobre¹?
O Pampa, comparado aos outros cinco Biomas Brasileiros – Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, Cerrado e Caatinga -, tem por característica geral e peculiar, ser predominantemente composto por campos e, historicamente, lugar da atividade pecuária. Possui aproximadamente 3.000 espécies de plantas, 500 espécies de aves e 100 espécies de mamíferos terrestres [2]. Embora só represente 2,07% da superfície do país e esteja limitado somente ao Rio Grande do Sul, é um bom exemplo da simbiose de uma atividade econômica, preservação e conservação ambientais.
Além disso, o Pampa é um Bioma transfronteiriço que também ocorre no Uruguai e Argentina e, está intrinsecamente ligado à construção das identidades nacionais destes países e culturais do Rio Grande do Sul, nas figuras, hoje idealizadas, dos gauchos, do gaúcho e de seu modo de vida. A relação meio ambiente/paisagem, a atividade econômica/pecuária e a cultura/identidade regional é bastante clara.
Neste Bioma, que foi o segundo Bioma mais destruído até 2009, a supressão da vegetação nativa (“taxa de desmatamento”) [3] já atingiu 63,97% da sua área (CSR/IBAMA, 2010). Esta supressão se dá principalmente pela conversão dos campos nas monoculturas de soja, arroz e eucaliptos, além da substituição das gramíneas nativas por espécies exóticas, muitas vezes, invasoras, como, por exemplo, é o caso do Capim Annoni (Eragrostis plana). Também contribuem e agravam a degradação do Bioma o manejo e o emprego de técnicas inadequadas.
Por falar em áreas degradadas e pecuária, recentemente no texto “Em vez de desmatar mais, usar melhor o que já foi desmatado” [4], o professor Ladislau Dowbor, utilizando informações do Censo Agropecuário do IBGE (2006), apresenta uma análise onde destaca a pecuária como a grande responsável pela subutilização de áreas já desmatadas/degradadas, o incremento da atividade na Região Amazônica e, o seu deslocamento das Regiões Sul / Sudeste para o Centro-Oeste / Norte, ou seja, para os Biomas Cerrado e Amazônico.
E qual a relação entre o Pampa e o artigo do Professor Dowbor? Ora, a associação linear entre pecuária e devastação ambiental, importante como generalização, não pode ser associada à realidade do Pampa. Como em toda regra há exceção. Neste Bioma, que conta com mais de 450 espécies de gramíneas nativas, a atividade pecuária, conduzida dentro de certos princípios e técnicas, é um ótimo exemplo da relação positiva entre preservação/conservação ambiental, atividade econômica e cultura.
A análise do professor talvez busque demonstrar, mais uma vez, o despropósito e a irresponsabilidade daqueles que aprovaram o Projeto de Lei nº 1.876 de 1999, o “Código Florestal do B”, vetado parcialmente pela Presidente da República, cujos vetos agora estão sob a análise do congresso nacional [5]. Todos sabemos que as razões que levaram à redação e à aprovação deste código do B não tem nenhuma base científica e qualquer compromisso com o País, sendo inúmeras as manifestações de cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) quanto a isso.
Mas afinal, “… que Pampa é essa que eu recebo agora … ”? [6] Sem dúvida a explicação é complexa e exige uma análise longa e multidisciplinar que está aquém do objetivo deste texto. O que está claro é nossa incapacidade de entender e superar adequadamente a situação. Buscando contribuir com esta compreensão, é que destacamos algo que, a primeira vista, é bastante contraditório. Por um lado, as notícias e análises sobre a Região do Pampa, oscilam, entre a descrição de cenários de desolação e depressão econômica vinculadas a propostas salvadoras, quase sempre superficiais, imediatistas e, por outro, nas elegias e epopeias cantadas nos inúmeros festivais e centros tradicionalistas, com referência a um passado glorioso, já mitológico.
De longa data, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolvem pesquisas, com resultados positivos confirmados, que indicam que apenas com o manejo adequado dos campos é possível triplicar a produtividade pecuária na região, praticamente a um custo zero, isto é, sem a necessidade de grandes investimentos e financiamentos e, lógico, endividamento. Também é de amplo conhecimento que a carne bovina tornou-se uma commoditie com crescente demanda e, portanto, valorização. Além disso, temos o potencial de agregação de valor pela adequação da produção ao respeito ao meio ambiente e a práticas ecologicamente corretas.
Se todas estas condições são favoráveis, disponíveis e baratas, por quê não produzimos mais carne? Por quê o Pampa tem assistido ao abandono sistemático da atividade pecuária em troca de monoculturas duvidosas com todos os seus problemas – reconcentração fundiária em empresas transnacionais, usos abusivo de agrotóxicos, destruição das matas ciliares, assoreamento dos rios e por aí afora?
É claro que podemos intuir algumas das razões que, certamente, são parte da explicação: a Região, outrora celeiro de líderes gaúchos e nacionais, hoje, é um deserto de lideranças; carência de políticas para pecuária, em especial, para a pecuária familiar; despreparo dos produtores; falta de valor agregado na cadeia produtiva, comercializando, quase sempre, os produtos in natura; baixa autoestima da população, em contradição à glorificação do gaúcho, cantada pelos tradicionalistas, cuja identidade é estreitamente vinculada ao Pampa e à pecuária. Ninguém faz versos e canções para sua colheitadeira mecanizada ou para seu aplicador de agrotóxicos!
É num esforço de superar esta realidade que iniciativas como os Projetos Incentivos para la Conservación de los Pastizales Naturales en el Cono Sur (ARG, BR, UY), Producción Responsable (UY) e o RS Biodiversidade (BR), só para citar alguns, buscam chamar a atenção de produtores, da população em geral e de nossas lideranças.
As oportunidades estão postas, carentes de decisão política. Nossas míopes lideranças seguem agarrando-se em modelos insustentáveis e ultrapassados. Diferente do que herdamos, um Pampa ainda rico em biodiversidade e com grande potencial a ser explorado, caminhamos, a passos largos, para deixar às futuras gerações “… heranças feitas de promessas rotas, campos desertos que não geram pão, onde a ganância anda de rédea soltas …” tal qual cantavam os Engenheiros do Hawaii nos anos 90, na música “Herdeiro da Pampa pobre ”, de autoria do Gaúcho da Fronteira.
Fernando Falcão, Arquiteto
[1] Referência ao título da música de autoria de Vaine Darte (Gaúcho da Fronteira) “Herdeiro da Pampa pobre”, gravada pelos Engenheiros do Havaí.
[2] http://www.mma.gov.br/biomas/pampa
[3] Expressão, no mínimo inadequada, utilizada oficialmente também para se referir à supressão de vegetação nativa em biomas não florestais.
[4] http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20168
[5] Propositalmente em minúsculas.
[3] Expressão, no mínimo inadequada, utilizada oficialmente também para se referir à supressão de vegetação nativa em biomas não florestais.
[4] http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20168
[5] Propositalmente em minúsculas.
[6] Trecho da música Herdeiro da Pampa pobre, de Vaine Darte (Gaúcho da Fronteira).
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