sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ou tentamos a revolução mais uma vez ou não haverá humanidade no futuro


“Ou tentamos a revolução mais uma vez ou
não haverá humanidade no futuro”
Por Laécio Ricardo
Na contramão dos intelectuais de índole neoliberal, que se apressam em decretar o fim do socialismo num mundo regido pelo capital, o filósofo Marildo Menegat reacende a utopia marxista.
E proclama: “ou tentamos a revolução mais uma vez ou não haverá humanidade no futuro”
Doutor em Filosofia e professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marildo Menegat é um crítico arguto do capitalismo e suas contradições. Discorre sobre o tema com acurada paixão e palavras fortes, mas não perde o equilíbrio e a lucidez peculiares aos intelectuais sóbrios.Em sua avaliação, o capitalismo é um projeto com validade vencida, marcado pelo acirramento de graves polaridades e que clama por substituição imediata.
Menegat vislumbra na esquerda uma chance de renovação e assegura que o socialismo ainda representa a melhor solução para os dilemas do mundo contemporâneo.
Em suas críticas, não poupa o PT por oferecer uma alternativa de governo desvinculada dos verdadeiros ideais socialistas.Na última semana, Menegat esteve em Fortaleza, participando do Ciclo de Debates promovido pelo Núcleo de Documentação Cultural, vinculado ao Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em entrevista ao Caderno 3, o filósofo reacende a utopia marxista e fala sobre os desafios da esquerda para o novo século.
Caderno 3 — Gostaria de começar pelo tema de sua palestra. Quais os desafios da esquerda no século XXI? Há espaços para uma práxis revolucionária e em que termos?
Marildo Menegat — A característica do nosso tempo é uma homogeneização do mundo. Tudo é mercadoria e tudo está a serviço da acumulação de capital. O capitalismo produz problemas que não podem ser resolvidos nos seus marcos: a devastação da natureza, o crescimento mundial da pobreza, o desemprego, a infinita e monótona infelicidade existencial destes tempos.
Não há saídas, exceto para fora do sistema. Essa percepção começa a se consolidar em contigentes cada vez maiores, de Bagdá a Londres, de Berlim a Nova Orleans, de Porto Príncipe ao Rio de Janeiro. A verdade é que desta vez teremos que encarar o capital sem desvios nem ilusões.
Ou tentamos a revolução mais uma vez ou não haverá humanidade no futuro.
Caderno 3— O Brasil vive um momento singular: um partido conectado com os ideais da esquerda passa a ser acusado de corrupção e de práticas típicas da velha direita. A crise do governo Lula não pode minguar as chances da esquerda no Brasil? Não pode arrefecer a confiança nos partidos e ideologias de esquerda?
Marildo Menegat — O que faliu não foi a esquerda mas uma determinada concepção desta. O que define a esquerda é a lucidez de ver no capitalismo um tipo de sociedade que deve ser superada por estar aquém das imensas capacidades de criação humana. O PT é um produto de uma época em que se imaginou que era possível acumular forças para transformar esta sociedade por meio de seus próprios mecanismos políticos. Esta concepção exigia também um programa “sério” de governo, que apontasse para uma crescente tensão das forças sociais, que seria resolvida num incremento popular do consumo e numa distribuição de riquezas “dentro da ordem”. Esta estratégia subestimou a capacidade de cooptação do sistema e, quando se deu conta de que estava capturada, tornou este fato numa virtude. Foi neste momento que o petismo foi pego com “a mão no cofre”. Para continuar este projeto, estas práticas escusas eram fundamentais. Não existe governo de esquerda nestas condições políticas. O PT se converteu à ordem de corpo e alma.
Caderno 3— No caso do PT, a herança patrimonial brasileira foi mais forte do que a coerência ideológica do partido? No fim, o PT sucumbiu à trágica sina política brasileira?
Marildo Menegat — O mais triste dessa história é que o PT morreu sem ao menos tentar realizar confrontos e reformas estruturais. Nesse sentido acabou dois palmos abaixo do velho PTB de Jango e Brizola. Estes ao menos sabiam, na conjuntura de 1964, que não se fazem omeletes sem quebrar ovos...
Caderno 3— Como revitalizar a utopia das esquerdas neste contexto de forte ceticismo?
Marildo Menegat — A utopia é pessimismo transformado em força vital. Na atualidade nada nos garante um mundo melhor. Porém este mundo é insuportável. Como sair deste dilema? Tentando criar um outro mundo. Mesmo que falhemos - e isso será um desastre! -, há sempre maior grandeza e beleza naqueles que se expõem inteiros e arriscam, do que nos conformistas.
Caderno 3— O senhor publicou um livro intitulado “Depois do fim do mundo: a crise da crise da Modernidade e a Barbárie”. De que forma o senhor recorre ao conceito de “barbárie” para pensar e refletir sobre as sociedades contemporâneas ocidentais?Marildo Menegat — Eu elaboro um conceito, procuro lhe dar capacidade de guardar no seu interior uma chave compreensiva sobre o nosso tempo. Escrevi sobre este conceito em Marx, mostrando como, apesar dele não ver esta como a principal possibilidade do desenvolvimento histórico do seu tempo, há na sua obra uma determinada teoria da barbárie. O meu livro é uma continuidade deste trabalho. Nele eu recupero o pensamento de Theodor Adorno e da Escola de Frankfurt. Mostro que a barbárie é o determinismo da sociedade burguesa. Faço isso como uma crítica da pós-modernidade.
Caderno 3— O acirramento de polaridades como “países desenvolvidos x países pobres”, “concentração de renda x pauperização”, “globalização x desemprego”... ilustraria um sintoma de barbárie? A Modernidade, a racionalidade científica e suas promessas de desenvolvimento/progresso foram falácias - em vez de emancipar o homem, o aprisionaram ainda mais?
Marildo Menegat — O capitalismo não tem mais nada a oferecer a humanidade. É um tipo de sociedade cujo prazo de validade já se esgotou. A dinâmica pobres x ricos está dentro de todas as sociedades atuais. A pobreza dos EUA é tão constrangedora e desumana quanto a brasileira ou argentina. Quanto ao papel da ciência, esta é uma questão muito complexa. Veja, quando Copérnico e Galileu implodiram com o geocentrismo, este conhecimento representou uma libertação dos horizontes obscuros impostos pela teologia católica. Descartes, Bacon e outros pensavam que a ciência não apenas nos emanciparia da estupidez da superstição como também contribuiria para tornar a vida melhor e mais fácil. Hoje a ciência disputa com as religiões quem é mais obscurantista. Não há racionalidade alguma, tampouco graça, em se clonar um ser humano num mundo em que ainda não resolvemos o problema da fome. A ciência hoje é um ramo da produção, logo, está submetida ao fetichismo do capital, emprestando-lhe uma sombra muito própria. No futuro, se a humanidade ainda existir, terá que desconstruir esta armadilha que se chamou técnica, para reconstruí-la para os fins da felicidade de todos.
Caderno 3— Este caldeirão de tensões sociais explicaria, por exemplo, a agudização dos índices de violência e criminalidade nos países periféricos?
Marildo Menegat — A violência é global. Os EUA encarceram 2 milhões de indivíduos. Este estado de coisas explica porque a normalidade burguesa se assemelha cada vez mais a uma imensa anomalia. A criminalização das classes subalternas sempre existiu no capitalismo. A novidade são os aparatos de exceção da intolerância total - ou tolerância zero, se vocês preferirem! - que em outros tempos seria corretamente classificada de proto-fascismo. Em torno da repressão à criminalidade, a sociedade se prepara para os modelos futuros de totalitarismo político, que já estarão legitimados, à espera de um aventureiro qualquer para realizá-los. Entre o final dos anos 1980 e 2003, morreram no Brasil de causas externas -ou seja, violentas - cerca de 600 mil pessoas. A maioria são jovens negros de 15 a 25 anos. Portanto, matar jovens negros sob o pretexto de estarem roubando ou participando do comércio ilícito de drogas, dando-lhes feições perigosas, é perpetrar um genocídio em plena democracia. Isso é algo novo na história, mas convenhamos, nada original.
Caderno 3— Por falar em violência, qual a sua posição sobre o “referendo do desarmamento”? Soluções do tipo “tolerância zero com os presos” e “polícia armada até os dentes”, comuns na cartilha de políticos conservadores, surtem algum efeito?Marildo Menegat — Sim, surtem efeito. Fazem com que a sociedade viva sempre pior e por deliberação dela mesma. Não é este um crime perfeito? Quanto às armas, deveríamos extinguir a industria armamentista de todos os países. Quem sabe fazer poemas e fazer uso da linguagem não precisa de armas de fogo. Estas são o recurso de seres muito limitados ou de quem sabe que a sua riqueza somente pode ser mantida com este aparato.
Texto Original Publicado em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=285025

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