terça-feira, 13 de novembro de 2012

Pobres são consequência dos ricos. Você sabe. Mas não comenta...









Por Leonardo Sakamoto*
O que é roubo? Tirar algo de alguém sem o seu consentimento?
Se assim for, há práticas que hoje são consideradas legais que estão dentro dessa definição.
Podemos não colocar uma arma na cara de uma pessoa e levar a sua carteira para estar roubando. Afinal, existem formas mais delicadas para arrancar dinheiro da sociedade sem que ela possa reagir a isso.

Ouvi uma miríade de prefeitos eleitos dizer que vai reduzir o fosso entre os pobres e ricos criando “cidades para todos” – da mesma forma que governadores e a presidente disseram a mesma coisa quando foram (re)eleitos em 2010. Mas quando analisamos os programas de governo, não encontramos nenhuma mudança estrutural. Só perfumaria.

A desigualdade social pode até diminuir dependendo do ponto de vista. Mas o fosso continua lá, intransponível para a maioria.

Com a justificativa de que “estamos levando desenvolvimento ao país”, nós, os mais ricos, ganhamos rios de dinheiro. A elite deve muito mais ao governo Lula e Dilma do que os mais pobres, apesar da gratidão do segundo grupo ser maior.

Subsídios, isenções fiscais, financiamentos e demais benefícios a que o setor empresarial e os mais ricos têm acesso mantém a ordem das coisas. Ao povão, se não tiverem brioches, que comam pão com ovo (nada contra o pão com ovo, que gosto demais, mas pelo menos seria bom dinheiro para o bacon, né?).

 O fato é que sonegar milhões dá foto em coluna social. Já Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador. Perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. 

São dois, mas poderia ter dado muitos outros exemplos de um país que julga com celeridade casos de reintegração de posse contra sem-terra e sem-teto e que proíbe rapidamente manifestações populares, mas é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao poder público. Implacável com pequenos, preguiçosos com os grandes.

Considerando que a renda de capital é estratosfericamente maior que a renda do trabalho e os recursos usados para o pagamento de juros são bem maiores que os usados em programas sociais (em todos os governos, de FHC a Dilma), fico extremamente incomodado quando ouço pessoas reclamando que “dar dinheiro aos pobres os torna vagabundos”.

 E o dinheiro que vai às classes mais abastadas, que investem em fundos baseados na dívida pública federal? Já perguntei aqui se “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” e quase fui esfolado.

Porque usar essa frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser um “sacripanta de um comunista safado”. E eu nem sou comunista. Sou palmeirente de segunda divisão.

Cansei (se tem gente que pode usar esse termo ridículo, também posso) de ter que financiar com meus impostos o crescimento de empresas, enquanto elas alcançam ganhos enormes que permanecem na mão de poucos investidores. 

Lucros são privatizados. Prejuízos, socializados. Montadoras de automóveis que o digam… E ainda por cima tenho que ouvir de empresários que o governo deveria abrir mais o cofre para investir em infraestrutura e não exigir contrapartidas trabalhistas, sociais e ambientais. Enquanto isso, demitem.

Fico pensando qual a chance de ser realmente rico no Brasil sem ter se beneficiado direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, do trabalho de terceiros ou dos cofres públicos e, portanto, do conjunto dos trabalhadores (que é quem gera valor de verdade).

Como eu disse, isso é mais elegante que apontar uma pistola, mas tem consequências mais nefastas. Quantos sofrem a fome, doenças e violência decorrentes da existência desse sistema?

Está na moda dizer que basta de dividir o Brasil entre ricos e pobres, como se isso fosse feito preleção de time de escola – “você, gordinho e perna-de-pau, fica no time C e, nós, ficamos no time A” (#infanciafeelings). Um discurso que tende a ser vazio por continuarmos querendo domar os mais pobres, garantindo uma frágil pax brasiliana e não universalizando o acesso à dignidade que uns poucos desfrutam. Pois sabemos que, no atual modelo de desenvolvimento, é impossível ir além de passar manteiga nas migalhas antes de entregá-las à xepa.

Defendemos que haja espaço no Brasil para ricos e pobres e não atuamos nas causas que levam à existência de ricos e pobres. Até porque, em grande parte das vezes, o que se vê são os pobres como consequência lógica dos ricos.

Tudo isso não é novidade há dois séculos. Mas como não dormi direito, hoje estou sem paciência para ouvir certas coisas.

Enfim, gostamos da sensação de mudança. Desde que, para o nosso estilo de vida, tudo permaneça como está.

(*) Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

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