É noite ainda, mas na casa de Rosa Maria da Rosa todos se 
movimentam como se já fosse dia. Com a cara amassada de sono, esfregando
 os olhos e tossindo, o pequeno Abraão resmunga que está muito cansado. A
 mãe diz que é preciso ir, e o ajuda a colocar o casaco pesado. Depois, é
 a vez de pôr uma segunda calça sobre a primeira. Faz muito frio e nem é
 inverno – estamos na metade de maio. Daqui a algumas semanas será pior.
O menino quase dorme em pé enquanto escova os dentes e reclama da 
água gelada. Rosa tenta animá-lo. Encolhido e de chinelos, ele senta na 
beira do fogão à lenha, segue tossindo, boceja, espirra, bufa. Seu corpo
 de criança de 6 anos pede pra voltar pra cama.
Gabriela, a irmã mais velha, de 11 anos, vai se arrumando quase 
calada e sorri a cada vez que Abraão se queixa. É ela quem abraça Marta,
 a bebê de 3 meses, traz pro colo e beija. E com a boca roxa do gelo 
anuncia: – já são cinco e dezesseis!
Um cão insistente chora lá fora. Marta quer o peito agora, mas já não
 dá tempo. Enrolada no cobertor, ela vai para dentro do carrinho de 
bebê. A mãe fecha o cadeado na porta, Gabriela sem um casaco treme. Tudo
 é escuro no pampa gaúcho quando os quatro mergulham nas estradas de 
chão do Assentamento Caiboaté, município de São Gabriel, Fronteira-Oeste
 do Rio Grande do Sul.
São sete quilômetros de terra e geada até o cruzamento onde passa o 
ônibus escolar. O carrinho da bebê vai trepidando sobre as pedras 
enquanto Rosa dança desviando das maiores. O menino se esforça para 
acompanhar o passo. Quando fica para trás, corre. “Tem horas que me dá 
vontade até de chorar na estrada também, quando o Abraão chora. Porque 
ele é pequeno, dói as pernas. E a gente sabe que tem que forçar a ir”, 
desabafa a mãe. É difícil aceitar que os filhos sofram assim, já que a 
lei assegura o transporte escolar para que não caminhem tanto. “A única 
coisa que dizem é que não podem fazer nada. A Prefeitura (de São 
Gabriel) fala que dentro do assentamento é o Incra (Instituto Nacional 
de Colonização e Reforma Agrária) que tem que resolver. O Incra diz que 
não tem dinheiro. Disseram para nós que depois que arrumassem as 
estradas o ônibus ia entrar pra pegar as crianças. Depois disseram que 
não podiam por causa da chuva. Fazem o contrário do que dizem. Às vezes 
dá até uma revolta na gente.”
Assim começa o jogo de empurra-empurra. A Prefeitura, responsável 
pelo transporte escolar, acusa o Incra de não melhorar as péssimas 
condições das estradas internas dos assentamentos, afirmando que os 
ônibus da sua frota não têm condições de trafegar. O prefeito Rossano 
Gonçalves (PDT) recorre a números para explicar o problema: “Temos 15 
ônibus próprios e 14 terceirizados para o transporte de cerca de mil 
jovens do meio rural, percorrendo um total de 3,5 mil km diários”. Não 
há um que passe perto da casa de Abraão. “Para isso precisaria de 
veículos tracionados, que nós não possuímos”, afirma Gonçalves. O Incra 
informa que no planejamento dos assentamentos não há verba para resolver
 o problema do transporte escolar interno provisoriamente, e que a 
construção das estradas sofreu atraso, cortes orçamentários e problemas 
de execução.
No entanto, o que se passa com a família de Rosa é regra nos oito 
assentamentos do município. Algumas crianças caminham até 10 km para 
chegar ao ônibus escolar. A negligência se repete há três anos e meio, 
desde que as 125 crianças assentadas em idade escolar  chegaram aos 
lotes do assentamento Conquista do Caiboaté.. Muitas famílias estão se 
separando dos filhos, deixando-os na casa de parentes ou amigos para que
 fiquem mais perto da estrada. Algumas não colocam os filhos na escola 
porque não conseguem levá-los até lá. O Conselho Tutelar pressiona as 
famílias para que ninguém falte às aulas, mas não se envolve com a 
solução do problema. E quando um assentado resolveu levar seus filhos de
 carroça, foi advertido pelo Conselho de que seria responsabilizado por 
qualquer acidente no trajeto.
Na tentativa de amenizar o sacrifício, as aulas acontecem apenas três
 vezes por semana. As Secretarias Estadual e Municipal de Educação 
tentaram estabelecer uma carga horária ampliada para atingir as 800 
horas previstas no ano letivo, mas a falta de estrutura nas escolas não 
permitiu que as crianças usassem os dois turnos. Não havia espaço. 
Depois de um ano de insistência das escolas, a 18ª Regional do Conselho 
Estadual de Educação, responsável pelos alunos de São Gabriel, autorizou
 o descumprimento da carga horária mínima. Hoje, os alunos têm um 
déficit educacional de quase a metade do mínimo previsto em lei. “Fazer o
 quê? Eles têm que aprender, para terem um futuro melhor do que nós 
temos hoje”, diz Rosa.
Jacques Alfonsin, um Procurador do Estado aposentado e assessor 
jurídico de movimentos populares, entre os quais o Movimento dos 
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), diz que a situação só chegou a 
este ponto porque o próprio Conselho Superior do Ministério Público 
Estadual, em conjunto com a Secretária de Educação do governo Yeda 
Crusius (2007-2010), acabou com as escolas itinerantes dos sem terra, 
proibindo-as de funcionar nos locais onde a rede de ensino não está 
estruturada: “Para eles, era preciso acabar também com a possibilidade 
de essas crianças serem influenciadas por uma pregação ‘subversiva’, de 
‘esquerda’, capaz de desviar suas mentes inocentes da devoção à lei, à 
ordem, à segurança, à liberdade, palavras costumeiramente pronunciadas 
de boca cheia por quem nunca teve a própria vazia”. Sobre a dificuldade 
dos estudantes, diz o advogado Alfonsin: “Se alguém pretendesse conhecer
 mais de perto a dura realidade das crianças assentadas em São Gabriel, 
constataria que muito bicho está sendo bem melhor tratado do que elas. 
Touros e cavalos de latifundiários, sem dúvida.”
Trabalhando noutras terras
Normalmente, o agricultor assentado chega ao seu lote sem capital. 
Foram anos de acampamento em que, se tinha alguma posse, foi preciso 
vender tudo para se manter durante o período de luta pela terra. E a 
terra necessita de tempo para dar retorno econômico ao agricultor. Mas 
sem equipamentos e recursos é quase impossível. Como não se consegue 
viver do próprio lote nos primeiros anos, a principal alternativa que 
resta aos assentados é buscar trabalho fora dos seus lotes.
Enquanto Rosa madruga com seus filhos para levá-los à escola em São 
Gabriel, seu companheiro Lori acorda a 560 quilômetros dali, em Vacaria,
 do outro lado do Estado. Ele tira o sustento da família da colheita da 
maçã, uma atividade altamente prejudicial à saúde por conta do uso 
extensivo de venenos aplicados nas árvores, inclusive na hora de colher 
as frutas do pé. São 60 dias direto dentro dos pomares, tendo para 
descansar apenas os alojamentos compartilhados. Rosa defende o trabalho 
do marido: “A maioria do pessoal aqui, se não sai pra trabalhar passa 
fome. O nosso plantio perdemos tudo. Plantamos com o recurso do meu 
marido no trabalho de Vacaria. Se não fosse ele, nós já tínhamos 
desistido. Quem está aqui ainda é por coragem mesmo ou porque não tem 
pra onde ir. O Incra nem sequer vem aqui”.
É também da colheita da maçã que Eleara Padilha traz para a família o
 dinheiro que lhes falta. Sem tradição na agricultura, a família está se
 adaptando à vida rural do jeito que pode. Mesmo depois de abandonar a 
periferia de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, e passar 
pelos acampamentos de lona preta, a família aprendeu muito pouco sobre 
como manejar um lote agrícola. No assentamento, um lugar à beira da 
estrada RS-630 lhes proporcionou montar uma pequena oficina onde Dejair 
Machado (o Doca), companheiro de Eleara, constrói carroças, faz soldas, 
remenda pneus e conserta tudo o que aparecer: “Tenho essa renda do dia a
 dia, que nos ajuda a sobreviver, mas não é o suficiente. Só de luz, tem
 mês que pagamos R$ 100. E temos quatro filhos. Se fosse só para comer, 
minha renda daria, mas precisamos de roupa, calçados… Chegamos num 
dezembro, e já em janeiro a Eleara foi pra Vacaria para podermos comprar
 os materiais dos meninos, o nosso fogão e outras coisas para a casa, 
pois não tínhamos nada.”
Emerson Ricardo Coelho (conhecido como Faísca) conseguiu trabalho 
mais perto, na carvoaria vizinha ao assentamento Itaguaçu, onde 
trabalha– e respira a fumaça intoxicante – como diarista para ganhar uns
 trocados. Mas faz isso apenas esporadicamente. Entre os assentados, há 
muita concorrência por uma vaga nos fornos, mas a atividade não pode ser
 efetiva, porque é vetado que se assine carteira ou se trabalhe fora da 
sua terra por um período superior a 90 dias. Se isso acontece, o 
assentado perde o lote, que é colocado pelo Incra à disposição de outra 
família interessada, através de edital. “Minha família não quis vir, 
estão vendo o sofrimento que estou passando. Eu ligo e eles me conseguem
 alguma coisa de dinheiro. Não adianta, tá horrível mesmo. Eu só queria 
que o Incra nos enxergasse”, diz o agricultor. “Me sinto como se tivesse
 sido atirado aqui há quatro anos”. Ele diz que nunca recebeu um centavo
 de recurso público para estruturar uma produção.
Assim, muitos assentados muitas acabam indo trabalhar em grandes 
propriedades e outros negócios. Mas, para o Incra, não há contradição 
com a ideia essencial de reforma agrária – dar autonomia para as 
famílias. Diz o superintendente regional do Incra, Roberto Ramos: 
“Obviamente que a gente não vê isso com bons olhos, não recomenda. Mas 
se a realidade é esta, ninguém vai ficar passando fome à espera. Se as 
coisas estão atrasadas, estão demorando, tem que dar o seu jeito.”
Prometeram R$ 60 milhões, entregaram R$ 7
“Ao assentar aproximadamente 580 famílias [pelos dados do Incra foram
 mais de 700] numa das regiões mais pobres do Estado e dominada por 
latifúndios improdutivos, tinha-se a intenção de colocar ‘uma estaca no 
coração do latifúndio!’ O que presenciamos hoje é o descaso que 
fundamenta os argumentos dos latifundiários e seus defensores, que 
acusam os assentamentos de ‘favelas rurais’”, dizia um manifesto feito 
por assentados da região que ocuparam, em abril deste ano, a principal 
praça de São Gabriel para protestar contra o abandono.
Crianças que acordam de madrugada e caminham quilômetros para chegar 
ao ponto do ônibus, estradas precárias ou ainda no papel, falta de água 
potável e energia elétrica, lotes não demarcados por anos, famílias 
ainda morando em barracos de lona porque não receberam dinheiro para 
construir suas casas, atraso no repasse das verbas para a produção de 
alimentos. A lista de problemas é extensa. A esperança vai sendo minada,
 dia após dia, mês após mês, ano após ano. Em alguns assentamentos a 
desistência foi de 70% das famílias assentadas, que sem condições de 
permanência nos lotes voltaram para a periferia das cidades.
As famílias que permanecem esperam até hoje pelas promessas feitas em dezembro de 2008
 pelos então presidente do Incra, Rolf Rackbart, e o Ministro de 
Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Na cerimônia de transferência
 da posse, Cassel afirmou aos recém-assentados que haveria R$ 60 milhões
 de reais em investimentos num prazo de até três anos (completados em 
dezembro de 2011), o que transformaria a economia local. “Esta é uma 
região que precisa produzir mais, que precisa produzir mais alimentos. E
 sempre que a reforma agrária chega numa região, traz consigo 
desenvolvimento, acelera a economia, e é isso que a gente quer ter aqui 
em muito pouco tempo. Quero voltar aqui daqui um ano ou dois e ver isso 
aqui produzindo mais. Aqui era um grande latifúndio que faliu. Do ponto 
de vista econômico, prejudica o país. O que a gente quer é nessa área 
que está abandonada botar gente. Aqui, mais de trezentas famílias vão 
produzir, as pessoas vão ter trabalho, renda e toda a sociedade vai 
ganhar com mais produção de alimentos”, saudava Cassel na época. 
Mas até agora foram aplicados apenas 7 milhões de reais. O prefeito 
de São Gabriel, Rossano Gonçalves, conhecido por estar politicamente no 
terreno oposto ao MST, critica o governo federal: “Por não terem a 
infraestrutura necessária, os assentados não conseguiram agregar nada 
economicamente ao município. Essas terras que foram desapropriadas eram 
produtivas para arroz, soja, trigo e pecuária. É natural que os 
assentamentos em construção e buscando emancipação tivessem 
dificuldades. Mas falta até para culturas de subsistência. Há muito 
pouca horta, criação de porcos e galinhas. Os assentados estão 
limitadíssimos”.
Se a reforma agrária agoniza, não está morta. Nacionalmente, mesmo 
com os parcos investimentos do governo para a distribuição de terras e 
concessão de créditos aos assentados (houve um contingenciamento de mais
 de 70% do orçamento do órgão este ano), o Incra já distribuiu, desde 
1985, uma área entre 10 a 15% do território produtivo do país, e é 
responsável por políticas que atendem um milhão de famílias. Destas, 
pelo menos 300 mil foram assentadas como resultado de ações organizadas 
pelo MST.
No Rio Grande do Sul, o superintendente do Incra/RS, Roberto Ramos 
sinaliza que, agora, os investimentos devem migrar da obtenção de novas 
áreas para melhorar os assentamentos que já existem. Ramos estima que já
 no final deste ano não haja mais famílias sob barracos de lona no 
Estado. Essa também é a expectativa do MST e a promessa do governador 
Tarso Genro – ele prometeu e acabar com os conflitos agrários no Estado 
até o final de seu mandato, assentando todas as famílias que ainda estão
 em beiras de estrada, que não chegam a mil.
A política do abandono
Ramos reconhece que o tempo ideal para construir a infraestrutura de 
um assentamento é de dois anos. Mas estima que os assentamentos de São 
Gabriel terão toda a infraestrutura depois de cinco ou seis anos. Ainda 
assim comemora, dizendo que na maioria dos casos é muito mais demorado: 
“Isso não é um demérito para a reforma agrária, é a dificuldade do nosso
 meio rural. Tem bolsões de miséria de agricultores familiares em varias
 regiões, ainda com dificuldade de saneamento, com falta de água, de luz
 elétrica.” No caso dos assentamentos, ele diz que a culpa é da 
burocracia. A primeira coisa a se fazer são as estradas, e todo o resto 
depende delas estarem prontas. Mas para que sejam feitas é preciso 
realizar antes o estudo da área com seus impactos ambientais e 
desenvolver o projeto de construção, depois vem a licitação, e ainda 
pode esbarrar na falta de recursos, o que aconteceu em 2011, por conta 
da mudança de governo.
O dirigente do MST Cedenir de Oliveira conta que, no Estado, há 
assentamentos com 20 anos que ainda não têm estradas e água encanada. Em
 São Gabriel, ao longo dos anos a pouca mão de obra usadas nas grandes 
propriedades esvaziou o campo, e toda a rede de serviços foi fechada ou 
precarizada – foi o que levou, por exemplo, à ausência de escolas.
Marcelo Trevisan, o coordenador do Instituto que há poucos meses é o 
responsável pelas demandas da região, diz que “do nosso ponto de vista, 
São Gabriel não é e não pode ser vista como símbolo de fracasso”: “A 
visão de acerto ou erro não está diretamente ligada à aplicação de mais 
ou menos recursos, mas sim a um cronograma de trabalho sério que está 
sendo feito, não só pelo Incra/RS, mas pelas famílias e os parceiros que
 temos”, diz ele, enquanto vai enumerando as equipes disponibilizadas 
pelo órgão estatal: duas equipes trabalhando estradas, uma equipe 
trabalhando os bueiros das estradas, duas equipes de demarcação, uma 
equipe de parcelamento, uma equipe rediscutindo e readequando o 
assentamento Madre Terra, outra trabalhando o parcelamento e demarcação 
do assentamento Cristo Rei (último a ser criado), funcionários das 
concessionárias de energia fazendo adequações nos assentamentos e 
equipes de assistência técnica circulando.
Visão completamente diferente tem Sérgio Pinto, presidente da 
Associação dos Servidores do Incra/RS e líder da greve iniciada em 
julho. “A reestruturação do Instituto é importante para atender estes 
assentamentos que estão aí praticamente no abandono, porque não tem 
servidor, não tem orçamento, e o corte de custeio impacta diretamente no
 atendimento. São Gabriel escancara tudo isso, as famílias estão mal 
assistidas”.
Em 2008, o ano das promessas, o Incra/RS criou um escritório que iria
 centralizar todas as ações para a região. “Hoje nós só temos um 
supervisor neste escritório, que atende a 700 famílias. Ele está 
sobrecarregado, é uma infinidade de problemas e os recursos não têm 
chegado porque o orçamento foi reduzido. E isso é uma regra geral”, 
garante Pinto.
Os servidores do Incra, em greve desde o início de julho, denunciam 
que entre 1985 e 2011 o órgão teve o número de servidores reduzido de 9 
mil para 5,7 mil, enquanto sua atuação foi acrescida em 32,7 vezes – 
saltando de 61 municípios para mais de 2 mil, com um aumento de 124 
vezes no número de projetos de assentamentos.
Até o superintendente regional, Roberto Ramos, faz coro à mobilização
 dos servidores: “O que queremos da reforma agrária? Se eu opto por não 
mais assentar famílias é porque o meu projeto de desenvolvimento não 
precisa de mais gente no meio rural. Então qual é a outra forma de 
inclusão? Não podemos admitir que se pare com a reforma agrária para dar
 Bolsa Família. Esta é a resposta que o governo ainda deve para os 
servidores do Incra e para sociedade como um todo: qual o espaço do 
Incra e da reforma agrária neste governo?”, desabafa.
Os assentados, claro, apoiam as reivindicações dos funcionários: “Não
 tem como viabilizar a reforma agrária se não viabilizar um órgão 
governamental que dê conta de assumir a responsabilidade. No momento que
 a gente se mobiliza e o governo diz ‘certo, vamos atender a pauta de 
vocês’, mas as condições são estas, e na prática não revigora o Incra, o
 governo simplesmente está dizendo que as coisas vão andar no ritmo 
deles e não no ritmo da nossa necessidade”,  aponta Isaias Darlan, um 
dos coordenadores do assentamento Madre Terra, informando que, no papel,
 os planos de desenvolvimento preveem que cada assentamento receberia 
verba para habitações, estradas, transporte escolar e três parcelas de 
fomento liberadas até o final de um ano.
Ramos garante que sozinho o Incra não tem condições de fazer tudo. 
“Ou outras instituições, órgãos públicos e ministérios se aliam para 
contribuir com a melhoria da qualidade (de vida) das famílias 
assentadas, ou acontece também o que está acontecendo lá. O Incra não 
tem instrumentos, não tem gente e nem recurso pra fazer num curto espaço
 de tempo tudo o que é necessário”.
Trevisan, o coordenador do Instituto na região, completa: “É o Incra 
que tem que resolver o problema das escolas? Quem é responsável por 
colocar a escola e o transporte escolar são as secretarias municipais e 
estaduais de educação. É interessante, eu estive esses dias no 
assentamento Itaguaçu. Antes, diziam (a Prefeitura) que não podiam 
entrar dentro do assentamento, não tinha condições do transporte escolar
 entrar em nenhuma parte. Todo mundo tinha que ir até o inicio do 
assentamento pra pegar o ônibus. Após uma audiência pública convocada 
pelo Ministério Público Estadual (MPE/RS) estão fazendo o trajeto 
interno. Se pode hoje, então por que não podia há dois meses atrás?”, 
deixa no ar a questão.
O chamamento do MPE/RS a que Trevisan se refere ocorreu depois que 
representantes da Procuradoria Geral do Estado, da Procuradoria da 
República, de Secretarias do Estado, do município de São Gabriel, da 
Promotoria de Justiça local, representantes do Incra, MST, ONGs e o 
deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS) – ele também um assentado – 
realizaram uma visita de inspeção no dia 4 de junho.
Com o diagnóstico da situação de emergência e afronta aos direitos 
fundamentais, o procurador geral do Estado, Eduardo de Lima Veiga, 
conduziu três audiências em Porto Alegre, entre 25 de junho e 30 de 
julho. “Foram reuniões em que se poderia sair com todos os problemas 
resolvidos. Estavam ali quem tem o dinheiro, quem pode operacionalizar, 
quem libera para abrir mão de licitação, nós que poderíamos nos 
organizar para ajudar”, diz Cedenir, o dirigente estadual do MST, que 
estava presente no encontro.
Lisiane Vilagrande, a promotora de Justiça de São Gabriel para 
Infância e Juventude pensa que o problema é anterior: “Me parece 
evidente a afronta aos direitos fundamentais, do ponto de vista da 
dignidade da pessoa humana. A questão é: como se permite a colocação 
dessas pessoas num local sem a mínima estrutura? Eu critico a decisão de
 se autorizar isso. Me parece que não se poderia permitir a presença de 
pessoas num projeto de assentamento e, sim, num assentamento. Essas 
pessoas deveriam ter vindo para cá já com água, luz, com acesso ao 
crédito, coisa que muitos estão obtendo só agora, três anos depois, e de
 forma insuficiente”.
As reuniões, até agora, conseguiram apenas informar um órgão ao outro
 o que este poderia estar fazendo. O Ministério Público Estadual fez uma
 recomendação de emergencialidade ao governador do Estado e ao Tribunal 
de Contas para que a Secretaria de Educação do Estado pudesse 
imediatamente construir escolas dentro dos assentamentos. Mas pra isso 
dependeria do INCRA terminar a abertura das estradas e fornecer o 
transporte interno aos alunos, já que a Prefeitura diz que não pode 
buscar as crianças dentro das áreas porque não tem os veículos adequados
 aos terrenos. E o INCRA saiu da última audiência apenas afirmando que 
vai avaliar a possibilidade de usar recursos de contratos de transporte 
que já existem, para oferecer às crianças. “Se alguma obra da Copa do 
Mundo ficar com alguma dificuldade de operação, você tenha a certeza que
 aquele mesmo grupo ali reunido resolve o problema”, diz Cedenir.
  * Jornalistas independentes e fundadores da Cooperativa Catarse –
 Coletivo de Comunicação.  Esta reportagem foi realizada através do 
Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.  Outras reportagens 
financiadas pelo concurso – com o apoio da Fundação Ford – serão 
publicadas durante este mês.