terça-feira, 1 de maio de 2012

O 1º DE MAIO


Por Rudolf Rocker

O primeiro raio de sol do dia de maio surge sobre os túmulos silenciosos de Waldheim e descobre lentamente o modesto monumento dos cinco anarquistas que sucumbiram em novembro de 1887 nas mãos do carrasco. É do túmulo comum dos cinco militantes que surge a idéia universal do Primeiro de Maio.
O terrível assassinato de Chicago foi o epílogo sinistro desse grande movimento que se produziu em 1o de maio de 1886 em todos os centros industriais dos Estados Unidos a fim de obter para o proletariado americano, com a arma da greve geral, a jornada de oito horas. Esses cinco anarquistas, cujos restos repousam sobre o verde gramado de Waldheim, foram os porta-vozes mais valorosos e mais audaciosos na grande luta entre o capital e o trabalho, e tiveram de pagar com suas vidas a fidelidade a seus irmãos de combate. Inspirado pelo espírito dos cinco enforcados, o Congresso Internacional de Paris, em 1889, concebeu a resolução que proclamava o 1o de maio dia feriado do proletariado universal e nunca uma resolução encontrou eco tão poderoso e entusiasta no seio do grande povo dos deserdados. Viu-se na realização prática dessa resolução um símbolo da emancipação vindoura.
Nem o ódio cego dos exploradores, nem as miseráveis tentativas dos políticos socialistas foram capazes de mudar o sentido profundo dessa manifestação característica ou de fazê-la degenerar. Como um intenso clarão, a idéia viveu no imenso coração do povo trabalhador de todos os países e não pôde ser extirpada, mesmo durante os tempos de dura reação. Isso porque se tratava de uma idéia surgida das profundezas e que deveria manter solidamente no espírito das massas uma esperança lutando por  uma expressão viva e apelando à vigorosa consciência dos oprimidos como um novo pensamento. A idéia ressurgiu do mais profundo: não é de cima que florescerá nosso bem-estar, é de baixo que deve vir a força que romperá nossas correntes e dará asas à nossa aspiração.
O 1o de Maio é para nós um símbolo, um símbolo da liberação social pelo meio da ação direta que encontra sua forma mais acabada na greve geral. Todos aqueles que sofrem a servidão e que a preocupação cotidiana da existência marca com seu selo, o enorme exército de todos aqueles que extirpam o tesouro os tesouros da terra, trabalham nos altos fornos ou dirigem a charrua pelos campos, todos esses milhões de seres que devem satisfazer o capital, em inumeráveis fábricas e oficinas, por um tributo de sangue, os trabalhadores manuais e intelectuais de todos os continentes, todos serão parte dessa imensa e invencível associação do seio da qual brotará um novo futuro assim que o conhecimento de sua desoladora existência ancorar fortemente na consciência de cada um de seus membros. Sobre seus ombros, repousa um mundo inteiro; ela sustenta o destino de toda a sociedade em suas mãos e sem sua força criadora, toda vida humana está condenada à morte.
A venda de seu trabalho e de seu espírito é a causa oculta de sua servidão e de sua dependência: a recusa de efetuar esse trabalho para os monopolistas deve, por conseqüência, transformar-se em instrumento de sua emancipação. O dia em que essa evidência iluminar o espírito dos oprimidos, esse dia anunciará o grande crepúsculo dos deuses da sociedade capitalista.
O 1o de Maio dever ser para nós um ensinamento que leve à consciência dos trabalhadores e dos oprimidos a enorme energia que está em suas mãos. Essa força deita raízes na economia, em nossa atividade como produtores. A sociedade nasce todo dia dessa força e recebe a todo momento as possibilidades de sua própria existência. Nisso, o membro de um partido não conta, mas sim o mineiro, o ferroviário, o ferreiro, o camponês, o homem que produz os valores sociais e cuja energia criadora mantém o mundo em movimento. A alavanca de nossa força está aí; nesse fogo deve ser forjada a arma que ferirá mortalmente o bezerro de ouro.
Não falamos aqui da conquista do poder, mas da conquista da fábrica, dos campos, da mina. Pois todo poder político não foi outra coisa senão violência organizada que impõe às grandes massas do povo a dependência econômica em relação às minorias privilegiadas. A opressão política e a exploração econômica vão juntas, completam-se e uma não pode existir sem o apoio da outra. É absurdo crer que futuras instituições governamentais constituirão um dia uma exceção.
O importante não é a etiqueta exterior, mas a essência de uma instituição; e a pior forma das tiranias foi sempre aquela exercida em nome do povo ou de uma classe. Por conseqüência, toda autêntica luta contra o monopólio da posse é ao mesmo tempo uma luta contra o poder que o protege, e, assim como o objetivo do proletariado militante no terreno econômico é a abolição e a supressão do monopólio privado sob todas as suas formas, seu objetivo político deve ser também a supressão de toda instituição do poder. Aquele que utiliza uma dessas formas para aniquilar a outra não compreendeu a verdadeira significação do socialismo, e é sempre a aplicação do mesmo princípio de autoridade que foi até aqui a pedra angular de todas as tiranias.
O 1o de Maio deve ser um símbolo da solidariedade internacional, de uma solidariedade não limitada à competência do Estado nacional que corresponde sempre aos interesses das minorias privilegiadas do país. Entre os milhões de assalariados que suportam o jugo da escravidão, existe uma unidade de interesses, qualquer que seja a língua que eles falem e a bandeira sob a qual nasceram.
Mas entre os exploradores e os explorados de um mesmo país, existe uma guerra ininterrupta que não pode ser solucionada por qualquer princípio de autoridade e que adquire suas raízes nos interesses contraditórios das diversas classes.
Todo nacionalismo é um disfarce ideológico dos verdadeiros fatos: ele pode, num dado momento, arrastar as grandes massas para seus representantes mentirosos, mas ele nunca foi capaz de abolir desse mundo a brutal realidade das coisas.
As mesmas classes que, na época da Guerra Mundial, tentaram elevar o patriotismo do povo até a exaltação, enviam hoje os produtos do trabalho do proletariado alemão àquele que foi em outros tempos “o inimigo estrangeiro”, enquanto falta às grandes massas o mais necessário em seu próprio país. Os interesses nacionais das classes dominantes são colocados em balança quando eles são idênticos aos interesses de sua carteira e que eles produzem a porcentagem necessária. Se milhões de pobres diabos deixaram suas vidas ou seus membros nessa loucura das grandes matanças dos povos, nunca foi porque eles queriam pagar tal ou qual dívida da honra nacional, mas porque seus cérebros foram mantidos nas trevas dos preconceitos artificialmente criados. Essa sangrenta tragédia se repetirá, a menos que os operários tomem conhecimento das verdadeiras maquinações da guerra e das pantalonadas nacionalistas. A luta infatigável contra o militarismo, não as vulgaridades pacifistas, é-nos, portanto, necessária.
Enquanto os trabalhadores tiverem dispostos a produzir os instrumentos de morte violenta e do massacre das massas, a “sede de sangue” dos povos não desaparecerá; para os escravos que forjam eles próprios suas cadeias, a liberação nunca chegará. Assim, o 1o de Maio é para nós uma poderosa manifestação contra todo militarismo e contra a imensa fraude nacionalista por trás dos quais ocultam-se os interesses brutais das classes possuidoras.
É preciso criar um novo futuro sobre as bases do socialismo libertário, sob o sopro ardente do qual as concepções moribundas dos tempos passados e as instituições carcomidas do presente desaparecerão no abismo do que foi, para abrir a era da verdadeira liberdade, da autêntica igualdade e do amor humano.
Celebramos o 1o de Maio nesse sentido, como o símbolo de um futuro próximo que germinará no seio do povo revolucionário para redimir o mundo da maldição das dominações de classes e da escravidão do salariado.
1o de maio de 1936.

* Tradução: Plínio A. Coêlho.
Fonte:  http://editoraimaginario.webstorelw.com.br/

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