Leandro Narloch - O "guia correto" do Idiota Burguês Neoliberal do Brasil
Leandro Narloch - O "guia correto" do Idiota Burguês Neoliberal do Brasil
por Cláudio R. Duarte 
A Direita liberal -- 
protofascista desde as suas mais profundas raízes -- vem renascendo com 
vigor no mundo todo nas últimas décadas, principalmente após a derrocada
 do socialismo de caserna no Leste e do triunfo da ideologia neoliberal.
 
Como é de se esperar em tempos sombrios e regressivos como estes, o livro do jornalista Leandro Narloch - Guia politicamente incorreto da história do Brasil (1) - tem todos os ingredientes para se tornar, como já se tornou, um best-seller desse pensamento. Com
 a força de outros intelectuais da direita orgânica (Reinaldo de 
Azevedo, Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Pondé), ele vem 
gerando muitos discípulos, encorajando-os a mostrar a sua face incivil, 
apolítica, individualista, competitiva. 
Nada de novo no front se contarmos o liberalismo como a 
forma mais natural e mais pura da consciência coisificada e da 
política  realista-pragmática do sujeito burguês moderno, aprisionado ao caráter fetichista
 das relações sociais mercantilizadas. O que é novo no neoliberalismo, 
talvez, é a sua fé cretina na selvageria do mercado como a única alternativa de vida possível.  
O neoliberalismo é assim o pensamento e a prática que afirmam secamente a concorrência capitalista, reduplicando de modo cínico a
 ideologia materializada pelas relações sociais do sistema produtor de 
mercadorias. Aos trocadores de mercadorias, como mostrou Marx, o valor é
 uma propriedade natural das coisas, assim como o mercado é um sistema 
que serve aos homens de maneira totalmente justa, 
conforme o que cada um exige  e tem a oferecer ao mercado. O neoliberal 
radicaliza a fé nessa justiça mercantil, praticamente excluindo o bom 
mocismo, a aura de civilidade, o social ou politicamente correto. 
Em outras palavras, para o neoliberal não pode haver injustiça no mercado, o injusto é sempre um justo resultado
 das ações de cada um: o resultado do empenho diferencial e naturalmente
 desigual de cada competidor no mercado. Eis o que o converte em um neodarwinista social radical (ou potencialmente radical).
 A injustiça social aparece apenas quando o Estado ou a 
política intervém no mercado ou este é regulamentado por 
normas universais ou por algum tipo de relação social totalizante 
exterior ao mercado, que passa a impedir os negócios particulares e o 
impulso empreendedor e possessivo supostamente natural dos homens. A 
injustiça é o que interfere no livre-arbítrio - ou antes, no capricho 
dos proprietários -- ou no capricho dos jornalistas que podem também 
rearticular e remendar os fatos históricos para contar, como fofocas da 
vida privada, as suas próprias versões caprichosas de processos 
históricos. A verdade do processo não conta, o que conta é a versão 
apimentada ou polêmica de mercado, já sem o pau chutado da barraca 
da objetividade. Tudo seria uma questão de ponto de vista relativo.
No livro de Narloch, os homens são e serão o que sempre foram na 
sociedade burguesa: acumuladores de dinheiro e poder, se bem que 
sempre com alguns laivos de um tênue espírito de cidadania ou 
nacionalismo -- tudo isso sem muita angústia ou drama, afinal, o 
que pode haver de incorreto em tudo isso? O que haveria de 
errado com os bons colonizadores portugueses ou com os valentes 
bandeirantes paulistas, que ajudaram a formar a grande terra brasilis,
 a civilizar os índios (estes sim, derrubadores de floresta), ou ainda 
com a Inglaterra, a maior interessada no fim do tráfico negreiro por 
motivos humanitários!? O que pode haver de errado com a "ditabranda" de 
64, segundo a versão da Folha (ou de Marco Antônio Villa, o historiador 
predileto da Revista Veja), um regime forte que recrudesceu 
somente a partir da luta armada, e que teria feito crescer  repartir a 
renda nacional na época do milagre brasileiro?!  Assim, nada há de 
errado, conclui o livro: "Viva o Brasil capitalista" (p. 336). 
Seu pressuposto cego é que as relações sociais fundamentais só podem 
existir de fato como relações entre as coisas no mercado, como relações 
de compra e venda entre proprietários, isto é, por meio da troca entre 
pessoas privadas, entre mônadas funcionais que dispendem e fazem 
circular trabalho humano homogêneo, igual, abstrato. Assim, para o 
jornalista, o tráfico negreiro era nada mais que uma espécie de barbárie
 civilizada, uma troca no fundo justa entre potentados europeus e reinos
 africanos, que preservavam interesses particulares iguais -- como se a 
gênese do processo de acumulação capitalista tivesse realmente mais a 
ver com a sede de luxo dos reis africanos do que com o sistema 
capitalista de plantations, ou seja, como se a África fosse um parceiro comercial não subordinado à Europa, ao berço do Capital. 
O livro funciona assim como guia cego de mistificação para leitores há 
muito cegados da revista Veja. Eles estão como sempre sedentos pela 
justiça da troca de equivalentes em trabalho. À consciência fetichista 
segue-se o discurso apologético de que tudo se deu no final das contas 
de maneira racional e progressista desde a colonização -- a não ser por 
distúrbios da lógica da equivalência, como no caso do Acre, p.ex., que 
paga muito menos impostos do que recebe em troca da Federação. Ou dos 
guerrilheiros insurrectos contra a Ditadura, que apenas sangram os 
cofres públicos, sendo os verdadeiros heróis os militares, que 
defenderam a nação contra o espectro do comunismo, tido como sinônimo 
puro e simples de mais uma Ditadura estalinista ou maoísta (claro que 
distorcendo o processo real em curso, meramente reformista, legitimando 
assim a contrarrevolução preventiva e silenciando todo a ação 
imperialista estadunidense no caso). Narloch, como os liberais desde 
Adam Smith, recalca e esquece, assim, que o que se ergue a partir de 
suas honoráveis relações coisificadas só pode ser um processo social 
autonomizado, alheio ao controle de todos -- essa a verdadeira ditadura 
totalitária, que ganha a vida própria de um deus-fetiche da acumulação 
-- reforçado politicamente pelo golpe de 1964 -- um processo objetivo 
que os neoliberais simplesmente adoram e transfiguram 
fantasiosamente como a "mão invisível"... não da escravidão e do 
infortúnio coletivos, mas da busca da justiça e da democracia...
Para o neoliberalismo, tudo isso tem seu ponto de partida nos atos 
livres do indivíduo como proprietário burguês. Eis então um modo 
relativamente simples de equacionar os processos sociais opacos 
e hipercomplexos: as estruturas são redutíveis a ações individuais, a 
atos voluntários, a interesses particulares - ou, na versão de Narloch, a
 feitos individuais bem-sucedidos ou malogrados (a guerra do Paraguai 
como culpa de um tirano, p. ex., ou as bandeiras como empreendimentos 
heroicos de gente chã e pedestre -- dois massacres históricos aliás 
praticamente "inexistentes", segundo sua visão alternativa dos fatos 
etc.). Como dizia Margareth Thatcher, a sociedade é uma ficção, o que 
existe são indivíduos isolados e seus comportamentos singulares - que 
podem ser interpretados ao bel-prazer do historiador. 
Da mesma maneira, o fracasso é sempre individual, ou seja, ele é 
culpa dos próprios indivíduos que não deram duro o bastante para 
afirmar a sua liberdade -- nunca é o resultado de um mecanismo social 
cego, alienado, monstruoso, que corre por trás das costas dos envolvidos
 e que no capitalismo gera necessariamente banhos de sangue. O 
pensamento fetichista simplesmente afirma a naturalidade desse estado de
 coisas coisificado e fetichizado, a eternidade do curso do mundo 
leibziniano, como o melhor dos mundos possíveis. O que se afirma é, como
 viu Chico de Oliveira, uma "subjetividade antipública" e uma ideologia 
da "impossibilidade do dissenso"(2) -- aqui, sob as vestes esfarrapadas 
do jovem rebelde que aparentemente destrói o consenso, pois que apenas o
 faz destruindo a universalidade e a objetividade da história e da luta 
pelos direitos sociais.
A hegemonia cultural 
da esquerda, segundo Roberto Schwarz operante em determinado momento dos
 anos 60, foi há muito abalada (3). Com livros como os de Narloch a 
direita vai consolidando o seu "sonho de apartheid total" (4).
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Notas:
(1) NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. 2.ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Leya, 2011.
(2) OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do antivalor. (A economia política da hegemonia imperfeita). Petrópolis: Vozes, 1998, pp. 220-1.
(3) Cf. SCHWARZ, Roberto. "Cultura e política - 1964-1969" (n:__. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.(4) OLIVEIRA, op. cit., p. 203.
Notas:
(1) NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. 2.ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Leya, 2011.
(2) OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do antivalor. (A economia política da hegemonia imperfeita). Petrópolis: Vozes, 1998, pp. 220-1.
(3) Cf. SCHWARZ, Roberto. "Cultura e política - 1964-1969" (n:__. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.(4) OLIVEIRA, op. cit., p. 203.
Fonte: http://militante-imaginario.blogspot.com.br  
 
 
