|     Um mundo convulsionado        Este  ano, a situação mundial pareceu “se acelerar” pela combinação entre os  sintomas evidentes da continuidade da crise econômica internacional  aberta em 2007, um avanço nos processos da luta de classes  (especialmente no mundo árabe e na Europa) e a crise política na  condução do imperialismo norte-americano.             Ao  analisar a situação mundial, é evidente que 2011 não está sendo um ano  “tranquilo”. Pelo contrário, fatos muito importantes ocorrem em tal  velocidade (as revoluções no mundo árabe, por exemplo) quando já surgem  outros, como as crises de pagamento de vários países e as lutas de  resistência na Europa. E, sem solução de continuidade, a crise entre  democratas e republicanos nos EUA, colocando este país à beira do default e provocando um grande “ataque de nervos” em todo o sistema financeiro mundial, que já estava bastante “sensibilizado”.       Nenhum  desses eventos é fruto da “casualidade”. Tampouco o fato de que ocorram  de forma simultânea. Pelo contrário, eles (e sua combinação) são o  resultado das profundas contradições econômicas e políticas acumuladas  pelo capitalismo imperialista nas últimas décadas, exacerbadas pela  crise econômica internacional e pela luta de classes.       Configura-se,  assim, o que chamamos de “situação revolucionária mundial”, cujos  aspectos centrais apresentaremos de forma resumida neste artigo.       Um debate prévio       É  necessário retomar previamente alguns aspectos de um debate que vem  desde a década de 1990: qual foi o saldo, para a situação mundial, da  queda da URSS e da restauração do capitalismo nos chamados países do  “socialismo real”?       Em  primeiro lugar, assinalamos que, para a LIT-QI, a restauração do  capitalismo ocorreu antes da derrubada dos regimes stalinistas em muitos  desses países. Por exemplo, na ex-URSS, o capitalismo foi restaurado a  partir de 1986, sob a direção de Mikhail Gorbachev e do Partido  Comunista, e o regime stalinista só caiu em 1990.       Ou  seja, foi a burocracia stalinista que restaurou o capitalismo e não as  mobilizações de massas contra esses regimes, que ocorreram anos após a  restauração. Inclusive, em vários países (China, Coreia do Norte, Cuba),  o capitalismo foi restaurado, também pelos PCs como na ex-URSS, sem que  esses regimes caíssem. Essa sequência temporal vai contra a tese do  “triunfo histórico do capitalismo” (defendida por seus propagandistas) e  da “derrota histórica das massas” da qual levariam décadas para se  recompor, caracterizada por grande parte da esquerda.       Para  a LIT-QI, pelo contrário, a restauração foi uma derrota importante, mas  não foi uma derrota histórica da classe: poucos anos depois, as massas  derrubaram e derrotaram os regimes ditatoriais dos partidos comunistas  que haviam conduzido a restauração.       A perda da referência socialista       De  modo muito resumido, esses processos tiveram, entre outras, duas  consequências altamente contraditórias. A primeira foi que a restauração  eliminou as referências da realidade para as perspectivas da tomada do  poder pelos trabalhadores e a construção do socialismo. Ainda que essas  referências estivessem profundamente deformadas e deterioradas, elas  existiam. Ao deixarem de existir, desaparece também, na consciência das  massas, a perspectiva da tomada do poder e do socialismo para os  processos da luta de classes.       Por  outro lado, a burguesia aproveitou para lançar uma forte contraofensiva  ideológica sobre a “derrota do socialismo”, o “triunfo do capitalismo” e  o fim da época da luta de classes e das revoluções.       Hoje,  essas afirmações chocam-se duramente com a realidade em dois aspectos  centrais. Em primeiro lugar, a crise econômica e suas violentas  consequências para a classe trabalhadora mostram o verdadeiro e feio  rosto do capitalismo e sua impossibilidade não mais de melhorar, mas de  manter os níveis de vida da população. Em segundo lugar, a revolução  árabe volta a colocar no centro a mobilização e as revoluções de massas  como motor das transformações históricas.           A queda do aparato stalinista mundial
       A  segunda consequência dos referidos processos foi a queda do aparato  mundial do stalinismo. Para nós, este sim foi um resultado de  importância histórica, superior e predominante em sua influência sobre  as consequências mais conjunturais da restauração capitalista.       O  aparato stalinista mundial foi o responsável pelas principais derrotas  do movimento operário internacional, desde a década de 1920, ou levou  suas vitórias revolucionárias para o campo da conciliação de classes.  Assim, permitiu a sobrevivência do capitalismo imperialista.       O  aparato stalinista era a principal trava para o avanço da revolução  socialista mundial. É impossível entender a fluidez e a dinâmica dos  processos atuais, como a revolução árabe, sem considerar o fato de que  já não existe esse aparato mundial para barrá-la da forma como o fez com  muitas outras revoluções no passado.       É  verdade que existem aparatos velhos ou novos que podem frear ou desviar  revoluções: correntes stalinistas nacionais, o chavismo, o  fundamentalismo islâmico radicalizado, o neorreformismo etc. Mas eles  são bem mais frágeis nessa tarefa do que era esse poderoso aparato  mundial.        Por  isso, dizemos que sua queda foi um salto de qualidade que aprofunda a  possibilidade de surgimento e desenvolvimento de novos processos  revolucionários e oferece condições muito melhores para a superação da  crise de direção revolucionária, tarefa central para a qual a LIT-QI  volta seus esforços.       A crise econômica e suas raízes       Em agosto de 2007, com o estouro da bolha especulativa no mercado imobiliário e de hipotecas dos EUA, iniciou-se uma crise econômica internacional.  Apesar de ter começado no sistema financeiro e tê-lo golpeado com muita  força, desde o início caracterizamos que não se tratava de uma simples  “crise financeira”, mas que era o resultado das profundas contradições  estruturais acumuladas pelo sistema capitalista imperialista nas últimas  décadas. Ao mesmo tempo, caracterizamos que não se tratava simplesmente  de uma “crise cíclica”, das que se produzem a cada 6 ou 8 anos, como as  analisadas por Marx em O Capital, mas de uma crise de  profundidade, impacto e duração muito maiores. Nisto coincidimos com  analistas burgueses como Roubini, Stiglitz ou Krugman, que a  qualificavam como a principal crise do capitalismo imperialista desde  1929.       Para que a atual crise tivesse tal magnitude, vários fatores se combinaram:   a)      O  processo que Marx chamou de “tendência à queda da taxa de lucro” (o  embrião de todas as crises econômicas do capitalismo) foi profundamente  agravado pela “hipertrofia do sistema financeiro mundial”. Isto é, o  crescimento do setor especulativo a limites quase absurdos, como reflexo  das tendências mais profundas do capitalismo imperialista de ser cada  vez menos produtivo e cada vez mais especulativo e parasitário.   b)      A  divisão internacional do trabalho iniciada na década de 1990 baseava-se  centralmente no funcionamento atrelado e articulado “das duas  locomotivas” associadas, com os EUA como potência hegemônica e a China  como auxiliar dependente. Durante alguns anos, o aumento do setor  financeiro foi, junto com a expansão da demanda que gerou, um dos  motores do crescimento dos anos anteriores. Agora, por um lado, diminui a  demanda dos países imperialistas (principal mercado para as exportações  chinesas); por outro, devido a inúmeros fatores, começa a haver um  declínio das fabulosas taxas de lucro que as empresas obtêm na China e  este país começa a ter uma importante capacidade ociosa (superprodução).   c)      A  crise econômica estoura com toda sua magnitude e se vê potencializada  após o fracasso do projeto Bush (o “século americano”: um domínio  bonapartista indiscutível do mundo) devido a sua derrota no Iraque. A  derrota desse projeto deixa uma correlação de forças mundial  desfavorável para o imperialismo e abre-se uma crise política que atiça  fogo em uma situação econômica que já era explosiva.       Dois momentos da crise       O  primeiro momento da crise aprofunda-se em agosto de 2008 com a quebra  do banco Lehman Brothers, o que demonstrou a fragilidade do sistema  bancário-financeiro norte-americano e internacional, que esteve à beira  de sua bancarrota global.       A  crise expressou-se com muita força em toda a economia e houve dois  trimestres (o último de 2008 e o primeiro de 2009) com as piores quedas  do PIB e da produção industrial de todos os países imperialistas em  décadas (equivalentes ao primeiro impacto da crise de 1929).       Naquele  momento, os governos dos países imperialistas e outros (como Brasil,  China e Rússia) começaram a lançar os megapacotes de ajuda aos bancos e  mercados financeiros, totalizando 24 trilhões de dólares (40% do PIB  mundial anual). Da mesma forma como antes haviam sido grandes  impulsionadores da especulação financeira, esses governos atuavam agora  como “companhias de seguro” do sistema financeiro, muitos deles,  inclusive, ao custo de se superendividarem, mostrando claramente o  caráter atual desses Estados. Com essa política, a burguesia  imperialista freou o processo de queima de capitais fictícios e  especulativos que seria uma consequência natural da crise, tentando  postergar, mas ao mesmo tempo aprofundando, as contradições que a tinham  gerado. Era necessário queimar muito capital para poder recompor a taxa  de lucro, mas o imperialismo faz o oposto (gera mais capital).       De  modo mais conjuntural, essa política teve dois êxitos. Por um lado,  evitou a quebra do sistema financeiro mundial. Por outro, barrou a  dinâmica de “plano inclinado” e a de que a recessão se transformasse em  depressão. Abriu-se um período de frágil recuperação, cujo pico se deu  no primeiro trimestre de 2009, especialmente nos EUA, Alemanha e Japão.  Definimo-lo como “frágil” porque se baseou precisamente nesses pacotes e  não em um aumento sustentado do investimento burguês. A burguesia não  investiu por considerar, primeiro, que a taxa de lucro ainda não tinha  se recuperado de modo satisfatório e, depois, porque não viu a  “estabilidade política” garantida.       No  caso da China, uma política de incentivos fiscais e crédito fácil  permitiu-lhe recuperar altas taxas de crescimento e assim atuar como uma  espécie de “motor secundário” que também move seus principais  provedores de matérias primas e alimentos, como Brasil, Argentina ou  Peru. Por tratar-se de uma economia basicamente exportadora de produtos  industriais, a continuidade da crise econômica internacional, por um  lado, e as profundas contradições que está acumulando em seu interior,  por outro, colocam a questão de até quando poderá continuar cumprindo  esse papel. É um tema que analisamos em um artigo específico desta  edição do Correio Internacional.       Duas crises que se retroalimentam       As  contradições não resolvidas e agravadas começaram a se manifestar com  clareza no final de 2009. Por um lado, estourou a crise fiscal (de  ingressos e pagamentos do Estado) de vários países europeus, como  Portugal, Irlanda e Grécia (os PIGs), ante a impossibilidade de pagar  suas dívidas. Houve também uma crise do euro em sua totalidade e sua  própria subsistência como “moeda europeia” ficou em risco. Em outro  artigo específico, analisa-se com maior profundidade esta “crise da  dívida” e a situação do euro e da União Europeia.       Ao  mesmo tempo, a resistência dos trabalhadores e da juventude aos planos  de ajuste de seus governos na Grécia, França, Espanha, Reino Unido,  Itália e Portugal mostrou que a crise econômica tinha uma clara dimensão  política e que um aspecto central de sua dinâmica passou a ser definido  no terreno da luta de classes.       Essa  retroalimentação, que nos EUA se manifesta, por enquanto, como uma  crise “nas alturas”, na Europa tem, além disso, a luta de classes como  elemento central.       Devido  à crise e ao superendividamento, os governos imperialistas europeus  devem atacar cada vez mais frontalmente e sem mediações as condições de  vida e os direitos dos trabalhadores, desfrutadas durante décadas  (obtidas após a Segunda Guerra Mundial), e assim descarregar sobre seus  ombros o custo da crise, especialmente nos países mais frágeis.       Mas  os trabalhadores europeus, com sua maior tradição sindical e política,  resistem. No caso grego, a resistência vem há mais de dois anos, com  várias greves gerais às quais se somou agora a ocupação de praças, ao  estilo egípcio ou espanhol. A Grécia está na vanguarda, mas a  resistência começa a estender-se por todo o continente, com a luta dos  trabalhadores e da juventude francesa contra Sarkozy, em 2010; as  mobilizações da “geração à rasca” portuguesa; os indignados espanhóis; a  poderosa greve geral de servidores públicos e professores, e a explosão  nos bairros da Inglaterra…       Essa  luta produz desgaste e crise nos governos que aplicam os planos, sejam  de direita ou de “esquerda”. E, na medida em que a luta se mantém, são  os próprios regimes que começam a evidenciar crises, ao se esgotarem as  mediações políticas que tentam desviá-la e freá-la. Na Grécia, o governo  do social-democrata PASOK desgasta-se aceleradamente, sem que a direita  (Nova Democracia) se recupere de sua derrota eleitoral de 2009. Um  desgaste dos regimes que também começa a expressar-se nas mobilizações  de Portugal e da Espanha. Os regimes democrático-burgueses, sólidos por  muitas décadas, começam a mostrar suas fissuras.       Isto  se torna mais evidente nos países mais frágeis aos quais, em troca da  “ajuda” financeira, são impostas medidas e condições de controle  similares às que os países latino-americanos sofreram nas décadas de  1980 e 1990.       É  evidente que há diferenças: a Grécia não é igual à Alemanha, onde o  proletariado mais poderoso da Europa ainda não entrou em cena a fundo.  Mas o governo de Merkel também está sofrendo as consequências da crise  europeia com a queda de seu prestígio político. A dinâmica mostra que  teremos mais Grécias e não mais Alemanhas.       As  burguesias dos países europeus devem aplicar os piores planos de ajuste  e os mais duros ataques a seus trabalhadores e povos, não em um  contexto de tranquilidade, mas de forte resistência e de crescente crise  política, que os deixam em um “atoleiro”, mesmo que consigam votar  esses pacotes nos parlamentos, alimentando de novo a crise econômica  continental e internacional.       Um aprofundamento da crise nos EUA       Por  outro lado, a frágil recuperação dos EUA mostrou suas dificuldades em  se manter, e começou a transformar-se, segundo palavras do economista  Nouriel Roubini, primeiro em um “crescimento anêmico”, e depois, em  2011, começou a desacelerar mais claramente, entrando em uma dinâmica  cada vez mais recessiva.       Após  sua derrota nas eleições legislativas de 2010, Obama realizou uma  última jogada: a emissão de 600 bilhões de dólares para comprar títulos  do Tesouro e, assim, desvalorizar o dólar para aumentar as exportações e  diminuir as importações. Mas a deficitária balança comercial dos EUA  não melhorou. Piorou. A política de Obama havia fracassado.       Nesse  contexto, abre-se o debate sobre a ampliação da dívida pública  norte-americana (contraída por meio dos títulos do Tesouro), que havia  chegado a seu limite legal e necessitava autorização legislativa. O  economista Paul Krugman (um dos ideólogos da fase anterior de Obama)  vinha defendendo que o estímulo dos megapacotes tinha sido “curto” e que  era necessário outro. Mas agora sua proposta estava completamente  isolada.       Os  republicanos (utilizando o Tea Party como aríete) exigiam que, para  ampliar o limite da dívida, cada novo dólar emitido tivesse como  contrapartida um dólar cortado no orçamento federal, mantendo a isenção  de impostos para as empresas e os ricos. Obama aceitava os cortes, mas,  com os olhos voltados para sua reeleição, pedia o fim de algumas  isenções de impostos e que lhe dessem alguma margem orçamentária para  fazer alguma concessão.       A  lei aprovada significa que a proposta republicana triunfou em toda sua  linha e isso significa uma mudança da política do imperialismo  norte-americano diante da crise. Abandona-se a política anterior de  Obama (a linha Krugman) de expandir sem limites a base monetária e  passa-se a uma política bem mais restritiva: nos próximos dois anos, o  governo federal deverá cortar despesas na ordem de 900 bilhões de  dólares. Algo que certamente terá efeitos recessivos nos EUA e no mundo.       Os  setores mais afetados serão a saúde e a educação públicas, e o auxílio  aos desempregados e aos sem teto, em um ataque feroz aos setores  populares. Os trabalhadores e as massas dos EUA reagirão, como o setor  da educação da Califórnia e os servidores públicos de Wisconsin fizeram?  Da resposta dos trabalhadores dependerá se haverá ou não um ascenso das  massas e o seu ritmo. Se este ascenso ocorrer, os EUA se aproximarão da  Europa no terreno da luta de classes.       O impacto no mundo       A queda de braço parlamentar entre o governo Obama e os republicanos colocou os EUA à beira do default. Isso agravou extremamente as tensões e a instabilidade do sistema financeiro internacional já bastante “sensibilizado”.       Passado o perigo de default,  as tensões não se dissiparam: pela primeira vez na história, uma  agência de classificação de risco de crédito rebaixou a categoria da  dívida norte-americana, as bolsas de todo o mundo tiveram dois “dias  negros” (mesmo que tenham se recuperado um pouco posteriormente, o saldo  foi muito negativo), as cotações de dois dos principais bancos  franceses despencaram, suspeitos de estarem em pé sobre “investimentos  podres”… Clara mostra do “nervosismo” da burguesia imperialista e de sua  falta de confiança, o que aumenta a possibilidade de uma recessão.       Aqui  temos um exemplo evidente de como a crise econômica e política se  alimentam entre si. Problemas econômicos estruturais, como o déficit  fiscal e a trava da recuperação, provocam uma duríssima queda de braço  que acaba em uma profunda crise política, com Obama extremamente  debilitado e o regime político muito desgastado. Uma crise política que  agrava os problemas econômicos internos e aumenta os da economia  internacional.       Sobre a hegemonia dos EUA       A  profunda crise econômica e política vivida pelos EUA, a derrota do  projeto Bush, o crescimento econômico da China e, por enquanto, a maior  resistência deste país à crise econômica são alguns dos fatores que  contribuem para fortalecer a tese de que estamos assistindo ao fim do  período da indiscutível hegemonia norte-americana e ao início de uma  nova correlação de forças entre as potências no mundo.       Acreditamos  que essa tese está profundamente equivocada. A hegemonia de uma  determinada potência imperialista está baseada em relações materiais que  lhe permitem exercer esse predomínio nos terrenos econômico, político e  militar. Hoje, o capitalismo imperialista vive, em sua totalidade, uma  profunda crise nos três terrenos e essa crise evidentemente afeta os  EUA. Mas, no contexto dessa decadência, não surgem polos alternativos  que possam disputar realmente essa hegemonia.       Nem Europa nem China       No  terreno econômico, o imperialismo norte-americano continua dominando o  sistema financeiro mundial (centro da atual economia). A profunda crise  da “experiência do euro” mostra as grandes limitações da Europa para  postular-se como “polo alternativo”.       No  terreno da produção industrial, há uma perda relativa para a China. Mas  não podemos esquecer que as empresas norte-americanas (e também as  japonesas e europeias) são as donas e grandes exportadoras dessa  produção. A China não cumpre um papel independente na economia mundial,  mas, sim, subordinado aos EUA, devido a uma política consciente do  principal imperialismo de elevar a taxa média mundial de lucro. Este  papel de dependência em relação aos países imperialistas, que se aplica  aos demais países emergentes, faz com que a China não possa ser uma  potência imperialista alternativa aos EUA.       É  verdade que a crise econômica gerou choques e atritos entre as  potências imperialistas quanto às políticas a serem aplicadas diante da  crise. É possível, inclusive, que esses choques e atritos se aprofundem.  Mas essas contradições dão-se no âmbito de uma subordinação global aos  EUA.       No terreno político-militar       No  terreno militar, a superioridade dos EUA continua sendo inquestionável,  mesmo que a derrota do projeto Bush e sua “agressividade unilateral”  tenha levado o imperialismo norte-americano a mudar de tática.       Hoje,  o peso principal é colocado na política de reação democrática e na  tentativa de conseguir, via “acordos” e “diálogo”, recuperar na mesa de  negociações o que foi conquistado pela luta e a resistência das massas.  Este foi o objetivo central de Obama: reverter esta crise com uma  política de “diálogo” e “hegemonia por consenso”, que se expressou na  criação do G-20 e em um novo papel para as submetrópoles. Mas isso não  significa abandonar ou excluir a ação militar, como vimos no Haiti ou no  Oriente Médio (Líbia).       Nenhuma  das outras potências questiona a hegemonia político-militar  norte-americana e continuam aceitando o papel secundário que lhes foi  atribuído após a Segunda Guerra Mundial. Ainda que, devido à “síndrome  do Iraque”, haja uma tendência a intervenções militares conjuntas (que  incluem aliados semicoloniais), como foi o caso do Haiti e da Líbia. É  uma política que serve à atual situação dos EUA e que pode se repetir e  se ampliar caso a situação revolucionária mundial e o ascenso de massas  continue e se aprofunde.       A revolução árabe       Este  ano começou com um processo impactante: a onda revolucionária no mundo  árabe. Devido à sua extensão, sua profundidade e a região em que se  desenvolve, consideramos tratar-se do processo atual mais importante da  luta de classes em nível mundial.       Coerente com sua importância, dedicamos a esse tema os artigos principais das duas edições anteriores do Correio Internacional,  nos quais analisamos suas raízes mais estruturais, seu caráter de  classe e seu conteúdo objetivamente socialista, as profundas  contradições em seu desenvolvimento e nossa proposta programática para  esse processo revolucionário. Neste número, dedicamos um artigo  específico à situação da Líbia, onde a luta armada está derrubando a  ditadura de Kadafi após uma intensa guerra civil.       Queremos apresentar, de modo sintético, alguns aspectos e sua influência na situação econômica e política mundial:       •        A  revolução árabe ocorre em uma região estratégica que concentra 60% das  reservas mundiais de petróleo e abastece grande parte das necessidades  mundiais. Caso prolongue-se, desenvolva-se e estenda-se, afetará o preço  do barril e agravará a dinâmica recessiva.   •        Já  tendo atingido um país chave (Egito), ameaça os dois aliados mais  estratégicos do imperialismo na região: Arábia Saudita e,  principalmente, Israel. O operativo de controle imperialista da região  encontra-se profundamente ameaçado.   •        O  processo estende-se e entra com muita força na Palestina (com as  mobilizações do dia da Nakba, que “furaram” as fronteiras do Estado  sionista) e na Síria (onde, devido à violenta resposta do regime dos  Assad e apesar dos mais de dois mil mortos e feridos, os protestos se  radicalizam cada vez mais e podem tomar a forma de uma guerra civil,  mais ainda após a derrota de Kadafi na Líbia).   •        Como  assinalamos, os processos da Tunísia e especialmente do Egito voltaram a  pôr no centro da situação mundial as grandes mobilizações e revoluções  de massas como fator possível de transformações históricas. A luta dos  povos árabes deixa de ser vista como algo de “fanáticos islâmicos” ou de  “aparatos terroristas” para ser uma referência muito atrativa para os  trabalhadores e a juventude do mundo.   •        Isso  gerou um “efeito de emulação” com claro impacto nas lutas europeias  contra os ataques dos governos, como vimos na Grécia e, com absoluta  clareza, nos “indignados espanhóis”. Impactou inclusive os EUA, pelo  menos no debate na vanguarda.   •        Teve  e tem a juventude (não só a estudantil, mas também a trabalhadora e  desempregada) cumprindo um papel de vanguarda e utilizando os novos  meios de comunicação social como uma ferramenta de organização para a  luta. Algo que também se reflete nas lutas europeias e de outros países  (por exemplo, no Chile) não só pelo “efeito de emulação”, mas também  porque compartilham os mesmos problemas estruturais.   •        As  revoluções, principalmente o surgimento de uma nova vanguarda juvenil,  sem o peso das derrotas do passado e sem um futuro no horizonte sob o  capitalismo, atropelam as velhas organizações, sejam nacionalistas  burguesas laicas ou islâmicas, provocam-lhes crises e assim abrem um  contexto mais favorável para a superação da crise de direção  revolucionária na região. Possivelmente, o ritmo com que as massas  árabes fazem a experiência com essas velhas direções seja mais lento que  o dessa nova vanguarda.   •        O  processo revolucionário árabe enfrenta uma ação contrarrevolucionária  do imperialismo, de Israel e das burguesias nacionais árabes, que tentam  desviar, frear e derrotar os processos nacionais e o processo  revolucionário árabe como um todo. É uma política contrarrevolucionária  que combina a ação militar e a repressão, e onde isso já não pode evitar  a queda dos ditadores, tenta aproveitar a crise de direção  revolucionária e as ilusões das massas na democracia burguesa.       As perspectivas       A  combinação dos diferentes elementos que analisamos aponta a  possibilidade crescente de uma nova recessão, no contexto de uma fase  mais longa de declínio da economia internacional. É claro que esta  perspectiva mais geral mudaria se a burguesia conseguisse uma derrota  histórica dos trabalhadores, uma enorme queda de seu nível de vida, um  aumento significativo da exploração e da taxa de lucro e, com isso, as  condições para uma nova fase de grandes investimentos. Mas, por  enquanto, não é essa a perspectiva que vemos como a mais provável.       O  inevitável é que, sem alternativas de concessões nem de conciliação, a  burguesia redobrará a ferocidade de seus ataques ao nível de vida,  salários, empregos e condições de trabalho. E que, devido ao fato de não  haver derrotas históricas ou profundas, os trabalhadores e os povos  continuarão respondendo com lutas de resistência, como na Europa, e  revoluções, como no mundo árabe.       A  conjugação de todos esses elementos (continuidade da crise econômica  internacional, aumento dos ataques da burguesia, resposta de luta dos  trabalhadores, crises políticas) leva ao aprofundamento do que chamamos  de “situação revolucionária mundial”. Vemos pela frente, então, um longo  processo de anos de crise e confrontos, com uma crescente polarização  política e social.       É  evidente que não se trata de ter uma visão facilista. Na medida em que a  crise de direção revolucionária subsista e que esta ausência impeça que  as lutas das massas avancem para revoluções operárias e socialistas que  derrotem o capitalismo em cada país e depois no mundo, a burguesia  sobreviverá e irá encontrando saídas conjunturais. Mas essas saídas são  cada vez mais precárias e frágeis e, na medida em que não consiga uma  derrota histórica dos trabalhadores, acabam aprofundando a situação  revolucionária. Basta ver, por exemplo, a gravidade muito maior da  situação atual comparada com a crise de 2001.       As direções atuais são mais frágeis que as anteriores       Se o tema da direção das massas é uma das chaves da dinâmica da situação, analisemos o que está ocorrendo nesse campo.       Assinalamos  que, depois da queda do aparato stalinista mundial, surgiram novos  aparatos sindicais e políticos (ou os velhos foram reciclados), como os  aparatos stalinistas e as burocracias sindicais nacionais, as  organizações neorreformistas etc. Novas correntes burguesas também  ganharam peso, como o chavismo e o fundamentalismo islâmico  radicalizado. Algumas inclusive se organizaram como correntes  internacionais.       Essas  correntes são bem mais frágeis e têm muito menos peso do que tinha o  stalinismo no movimento operário e de massas. Mas conseguiram atuar com  relativa eficiência para frear, controlar e desviar as lutas e processos  revolucionários e continuam sendo obstáculos significativos para a  superação da crise de direção revolucionária.       Mas,  na medida em que há cada vez menos margem para a conciliação de classes  e para o reformismo e os processos da luta de classes se aprofundam,  essas correntes mostram-se cada vez mais frágeis para contê-los, ao  mesmo tempo em que, devido ao seu papel traidor nesses processos,  mostram claros sintomas de crise.       A reorganização       A  crise econômica e suas consequências (os duros ataques dos governos e  das empresas aos trabalhadores) e as traições das burocracias sindicais  aceleram a experiência das massas e aprofundam o desgaste dessas  direções. Aí estão como exemplos o profundo desgaste de organizações  sindicais, como a UGT e a CCOO na Espanha (que firmaram um pacto com o  governo entregando inúmeros direitos dos trabalhadores) ou, em menor  medida, o TUC inglês.       Isso  liberta forças para o surgimento de polos alternativos de direção,  mesmo que este processo ainda seja muito incipiente e lento. Na Espanha,  temos o exemplo da Cobas e das diferentes coordenações impulsionadas por ela e na França, com todas suas limitações, Solidaries.  Em países com menor ascenso, surgiram experiências ainda minoritárias,  mas com verdadeiro peso, como a CSP-Conlutas no Brasil e a CCT no  Paraguai. Em um processo mais atomizado, porém muito rico e estendido,  devemos mencionar, no Egito, o surgimento de numerosas comissões de  empresa e de novos sindicatos que substituem as estruturas sindicais do  velho regime.       No  campo popular e da juventude, vimos processos como o da “geração à  rasca” de Portugal e dos indignados espanhóis. Por um lado, a juventude  imprime a essas lutas suas características de explosividade e  radicalização, e sua ação por fora dos aparatos tradicionais. Mas, por  outro lado, suas expectativas na “democracia em geral” e a inexistência  de uma estratégia de tomada do poder pela classe trabalhadora marcam  limites que podem levar à sua rápida extinção (como em Portugal) ou ao  risco de serem canalizadas por organizações de difuso caráter  reformista, como a “Democracia Real Já”.       No  mundo árabe, houve várias expressões de reorganização política, como a  organização juvenil “6 de abril” (depois ampliada para a coordenação “25  de janeiro”) e também a coordenação de ativistas (majoritariamente  jovens) que organizou a jornada da Nakba.       Ao  mesmo tempo, assistimos a um forte desgaste do castro-chavismo (devido à  combinação entre o ajuste capitalista em Cuba, o apoio a ditadores como  Kadafi e Assad, e o papel de Chávez como “entregador” de dirigentes das  FARC) e ao início do declínio da influência do fundamentalismo islâmico  por causa de sua posição contrária à revolução árabe. Isso tem uma  grande importância pelo peso que o castro-chavismo havia alcançado na  América Latina e os islâmicos no mundo árabe.       Para  concluir, é importante destacar que, por enquanto, nesse processo de  reorganização incipiente desenvolve-se mais rápido o aspecto negativo  (desgaste e crise das velhas organizações) que o positivo (surgimento de  novas organizações e correntes).       A tarefa de construir a direção revolucionária       A  queda do aparato estalinista mundial permite um maior desenvolvimento  dos processos revolucionários. Ao mesmo tempo, a contradição de que  ainda não foi superada na consciência a falta de uma referência  estratégica para a tomada do poder e a revolução socialista se expressa  no fato de que, por enquanto, os processos não geraram o surgimento de  correntes centristas progressivas de massas. Ou seja, rupturas das  grandes organizações que girem à esquerda, aproximando-se do programa  revolucionário, sobre as quais os revolucionários possam ter uma  política para ganhá-las plenamente para esse programa. Se a situação  continuar se desenvolvendo, é claro que isso pode mudar no futuro, mas  por enquanto não é assim.       Isso  não significa que a realidade não apresente a uma organização  revolucionária nacional e internacional a possibilidade de crescer,  ganhar peso e dar um salto. Pelo contrário, é necessário aproveitar as  numerosas oportunidades e desafios que essa realidade coloca no terreno  da luta e da reorganização sindical e política.       É  necessário intervir nesses processos com uma estratégia clara, a tomada  do poder pelos trabalhadores para iniciar a construção do socialismo,  com táticas adequadas a cada realidade concreta e consequência e decisão  para aplicá-las. Em uma situação assim, um polo revolucionário, ainda  que seja pequeno, pode ter um papel decisivo nos processos em que está  inserido se tiver uma linha correta.       Nesse  sentido, estamos vivendo um momento histórico em que a LIT-QI e suas  organizações nacionais podem dar saltos de qualidade e construir sólidos  partidos de vanguarda em diversos países. É, ao mesmo tempo, uma grande  responsabilidade e um grande desafio.       A  história já provou que sem partido revolucionário os processos  revolucionários podem avançar até certo ponto, mas inevitavelmente irão  retroceder. Hoje, quando a possibilidade e a existência de revoluções  estão de novo presentes, essa conclusão continua mais válida que nunca. Fonte:http://www.litci.org/  |