sexta-feira, 27 de maio de 2011

Oito propostas urgentes para uma outra Europa.

Cartoon de Stiki.





















por Eric Toussaint [*]


1. Realisar uma auditoria da dívida pública, a fim de anular a parte ilegítima.
2. Parar os planos de austeridade. São injustos e aprofundam a crise.
3. 3. Estabelecer uma verdadeira justiça fiscal europeia e uma redistribuição justa da riqueza. Proibir as transacções com paraísos fiscais e legais. Lutar contra a fraude fiscal maciça das grandes empresas e dos mais ricos.
4. Refrear os mercados financeiros, principalmente através da criação de um cadastro de titulares de valores mobiliários, da proibição de vendas a descoberto e da especulação numa série de domínios. Criar uma agência pública europeia de notação.
5. Transferência, sob controlo dos cidadãos, dos bancos para o sector público.
6. Socializar as numerosas empresas e serviços privatizados desde 1980.
7. Reduzir drasticamente o tempo de trabalho para criar empregos, aumentando salários e pensões.
8. Repensar democraticamente outra União Europeia com base na solidariedade.

A crise abalou a União Europeia até aos seus alicerces. Para vários países, o laço da dívida fechou-se sobre eles e estão presos pelo pescoço pelos mercados financeiros. Com a cumplicidade activa dos governos em presença, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, as instituições financeiras por detrás da crise enriquecem, especulando sobre dívidas dos Estados. Os empregadores usam a situação para lançar uma ofensiva brutal contra uma série de direitos sociais e económicos da maioria da população.

A redução do défice público deve fazer-se, não para reduzir os gastos sociais públicos, mas para obter maiores receitas fiscais, lutando contra a grande evasão fiscal e tributar mais o capital, as operações financeiras, os bens e rendimentos dos agregados familiares ricos. Para reduzir o défice, é necessária também uma redução drástica dos gastos de armamento e outras despesas socialmente inúteis e perigosas para o ambiente. Pelo contrário, é vital aumentar os gastos sociais, em especial para compensar os efeitos da depressão económica. Mas, além disso, é preciso considerar esta crise como uma oportunidade para romper com a lógica capitalista e para fazer uma mudança radical na sociedade. A nova lógica a criar deve romper com o produtivismo, integrar a questão ecológica, erradicar as diversas formas de opressão (racial, patriarcal, etc.) e promover o bem comum.

Para isso, devemos construir uma frente anti-crise, tanto a nível europeu como local, para reunir energias de forma a criar uma relação de forças favorável á prática de soluções radicais centradas na justiça social e climática. Em Agosto de 2010, o CADTM formulou oito propostas para a actual crise na Europa [1] . O elemento central é a necessidade de proceder á anulação da parte ilegítima da dívida pública. Para isso, o CADTM recomenda uma auditoria da dívida pública feita sob controle dos cidadãos. Esta auditoria deve, em certas circunstâncias, ser combinada com uma suspensão unilateral e soberana do reembolso do serviço da dívida. O objectivo da auditoria é conseguir um cancelamento/repúdio da parte ilegítima da dívida pública e reduzir drasticamente a dívida remanescente.

A redução radical da dívida pública é uma condição necessária mas não suficiente para tirar da crise os países da União Europeia. Deve ser complementada por uma série de medidas de grande alcance em vários domínios.

1.Realisar uma auditoria da dívida pública, a fim de anular a parte ilegítima.

Uma parte importante da dívida pública dos Estados da União Europeia é ilegítima porque resulta de uma política deliberada dos governos que decidiram privilegiar sistematicamente uma classe social, a classe capitalista, e com outras camadas favorecidas em detrimento do resto da sociedade. A descida dos impostos sobre os rendimentos altos das pessoas físicas, sobre o seu património, sobre os lucros das empresas privadas têm levado as autoridades a aumentar a dívida pública para preencher o buraco deixado por esta baixa. Têm também aumentado fortemente a carga fiscal sobre as famílias de baixo rendimento que constituem a maioria da população. A isso tem-se adicionado desde 2007-2008, o resgate de instituições financeiras privadas, responsáveis pela crise, que custou muito caro ás finanças públicas e fez explodir a dívida pública. A diminuição da receita provocada pela crise causada pelas instituições financeiras privadas teve de ser novamente preenchida por meio de empréstimos maciços. Este quadro geral fere claramente de ilegitimidade uma parte importante da dívida pública. A isso juntam-se, num certo número de países sujeitos á chantagem dos mercados financeiros, outras fontes evidentes de ilegitimidade. As novas dívidas efectuadas a partir de 2008 foram-no num contexto onde os banqueiros (e outras instituições financeiras privadas) utilizam o dinheiro fornecido a baixas taxas de juros pelos bancos centrais para especular e forçar os poderes públicos a aumentar as taxas que pagam. Além disso, em países como a Grécia, Hungria, Letónia, Roménia e Irlanda, a condições dos empréstimos do FMI constituem uma violação dos direitos sociais e económicos das populações. Para piorar a situação, estas condições favorecem mais uma vez os banqueiros e outras instituições financeiras. Por estas razões, eles também são marcados pela ilegitimidade. Finalmente, em alguns casos, a vontade das pessoas tem sido violada: por exemplo, enquanto em Fevereiro de 2011, os irlandeses votaram por larga maioria, contra os partidos que fizeram doações aos banqueiros e aceitaram as condições impostas pela Comissão Europeia e o FMI, o novo governo de coligação prossegue aproximadamente a mesma política dos seus predecessores. Mais genericamente, assiste-se em alguns países a uma marginalização do poder legislativo em favor de uma política de facto consumado imposta pelos executivos que fazem acordos à parte com a Comissão Europeia e do FMI. O poder executivo, em seguida, apresenta ao Parlamento este acordo em termos de pegar ou largar. Às vezes é até mesmo com debates sem votação sobre temas de importância primordial. A tendência dos executivos para transformar os legislativos num serviço de registos vem aumentando.

Neste contexto extremamente preocupante, sabendo que um punhado de estados, mais cedo ou mais tarde, enfrentará um verdadeiro risco de incumprimento por falta de liquidez e que o reembolso de uma dívida ilegítima é, por princípio, inaceitável, é conveniente um claro pronunciamento, pela anulação das dívidas ilegítimas. Anulação, cujos custos devem ser suportados pelos autores da crise, a saber a instituições financeiras privadas.

Para países como a Grécia, Irlanda, Portugal e países do Leste da Europa (e fora da UE, países como a Islândia), isto é, os países que são chantageados por especuladores, pelo FMI e outros organismos como a Comissão Europeia, devem recorrer a uma moratória unilateral sobre o pagamento da dívida. Esta proposta tornou-se popular nos países mais afectados pela crise. Em Dublin no final de Novembro de 2010, numa pesquisa de opinião conduzida por telefone entre 500 pessoas, 57% dos irlandeses estavam a favor de uma suspensão de pagamentos da dívida ( default, em Inglês), ao invés de uma ajuda de Emergência do FMI e de Bruxelas. "Default! Say the people” (Suspensão do pagamento! diz o povo), era título do Sunday Independent, o principal jornal da Ilha. Segundo o CADTM, uma tal moratória unilateral deve ser combinada com a realização de uma auditoria dos empréstimos públicos (com a participação do cidadão). A auditoria deverá permitir trazer ao governo e ao público as provas e argumentos necessários para o cancelamento ou o repúdio da dívida identificada como ilegítima. O direito internacional e o direito interno dos países proporciona uma base legal para essa decisão soberana unilateral de cancelamento/ repúdio.

Para os países que recorrem à suspensão do pagamento, com a sua experiência sobre a questão da dívida dos países em desenvolvimento, o CADTM adverte contra uma medida incompleta, como uma mera suspensão de pagamentos, que pode ser contra-producente. É preciso uma moratória sem adição de juros sobre os montantes da dívida em atraso.

Em outros países como França, Grã-Bretanha ou a Alemanha, não é necessariamente imperativo declarar uma moratória unilateral durante a realização da auditoria. Isso deve ser realizado no fim, também, para se determinar a extensão do cancelamento / repúdio ao qual se deve proceder. Em caso de deterioração da situação internacional, uma suspensão do pagamento pode tornar-se relevante, mesmo para os países que se pensavam ao abrigo da chantagem dos credores privados.

A participação dos cidadãos é um requisito essencial para assegurar a objectividade e transparência da auditoria. A comissão de auditoria deve ser composta principalmente por diversos órgãos do Estado relacionados, bem como por peritos de auditoria das finanças públicas, economistas, juristas, especialistas constitucionalistas, representantes de movimentos sociais... Tal permitiria identificar as diferentes responsabilidades no processo da dívida e exigir que os responsáveis, nacionais e internacionais prestem contas à justiça. Em caso de atitude hostil do governo em relação à auditoria, é necessário estabelecer uma comissão de auditoria cidadã sem a participação do governo.

Em qualquer caso, é legítimo que as instituições privadas e pessoas físicas de altos rendimentos, que detêm os títulos dessas dividas suportem o ónus do cancelamento da dívida soberana ilegítima, porque eles são em grande parte responsáveis pela crise, da qual, além disso, beneficiaram enormemente. O facto de que eles devem arcar com o peso da anulação não é mais que uma justa reposição da justiça social. É importante criar um registo de detentores de títulos para, de entre eles, compensar os cidadãos com rendimentos baixos e médios.

Se a auditoria demonstrar a existência de delitos relacionados com a dívida ilegítima, os autores deverão ser severamente condenados a pagar indemnizações e não devem escapar a penas de prisão, dependendo da gravidade de suas acções. Temos que pedir contas na Justiça às autoridades que tenham lançado empréstimos ilegítimos.

No que diz respeito às dívidas que não são feridas de ilegitimidade, convirá impor um esforço aos credores, em termos de redução dos valores, das taxas de juros e pelo alongamento do período de reembolso. Convirá realizar uma descriminação positiva em favor dos pequenos detentores de títulos da dívida que convirá reembolsar normalmente. Além disso, o montante do orçamento do Estado para o pagamento da dívida deverá ser limitado em função do estado da economia, a capacidade dos governos para pagar e a natureza não redutível dos gastos sociais. Temos de aprender com o que foi feito para a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. O Acordo de Londres de 1953 sobre a dívida alemã que consistia na redução de 62% no valor da dívida, estipulava que a relação entre o serviço da dívida e as receitas de exportação não devia exceder 5% [2] . Pode-se definir uma relação deste tipo: a soma atribuída à amortização da dívida não pode ultrapassar 5% da receita do Estado. É preciso também adoptar um quadro jurídico para impedir a repetição da crise que começou em 2007-2008: a interdição de socialização de dívidas privadas, a obrigação de realizar uma auditoria permanente da política da dívida pública com a participação dos cidadãos, a não prescrição dos crimes relacionados com o endividamento ilegítimo, a nulidade das dívidas ilegítimas...

2. Parar os planos de austeridade. São injustos e aprofundam a crise.

De acordo com as exigências do FMI, os governos europeus optaram por impor a sua rígida política de austeridade, com cortes nos gastos públicos: com os despedimentos da função pública, congelando salários dos funcionários, reduzindo o acesso a alguns serviços públicos essenciais e à protecção social, atrasando a idade de acesso à reforma. Em contrapartida, as empresas públicas reclamam – e obtêm – um aumento de tarifas, enquanto o custo do acesso à saúde e educação também é revisto para cima. O recurso à utilização de impostos indirectos particularmente injustos, especialmente o IVA, está crescendo. As empresas públicas no sector competitivo são maciçamente privatizadas. As políticas de austeridade implementadas são elevadas a um nível nunca visto desde a Segunda Guerra Mundial. Os efeitos da crise são assim ampliados pelo chamados remédios, que visam principalmente proteger os interesses dos donos do capital. Em suma, os banqueiros bebem, os povos brindam!

Mas as pessoas suportam cada vez menos a injustiça dessas reformas marcadas por uma regressão social de grande amplitude. Em termos relativos, são os trabalhadores, os desempregados e as famílias de baixo rendimento que são mais levados a contribuir para garantir que os Estados continuem a engordar os credores. E entre os mais afectados, as mulheres ocupam o primeiro lugar, porque a organização actual da economia e da sociedade patriarcal, lhes impõe os efeitos desastrosos da precariedade no trabalho, do trabalho parcial e mal pago. Directamente afectados pela deterioração dos serviços públicos sociais, elas pagam um alto preço. A luta para impor uma outra lógica é inseparável da luta pelo respeito absoluto dos direitos das mulheres.

3. Estabelecer uma verdadeira justiça fiscal europeia e uma redistribuição justa da riqueza. Proibir as transacções com paraísos fiscais e legais. Lutar contra a fraude fiscal maciça das grandes empresas e dos mais ricos.

Desde 1980, que têm vindo a baixar os impostos directos sobre os rendimentos mais altos e das grandes empresas. Assim, na União Europeia, de 2000 a 2008, as taxas mais elevadas de imposto de rendimento e imposto sobre as sociedades caíram 7 e 8,5 pontos. Essas centenas de milhões de euros em incentivos fiscais têm sido largamente orientadas para a especulação e a acumulação de riqueza por parte dos mais ricos.

É preciso combinar uma profunda reforma da tributação num sentido de justiça social (reduzir o rendimento e a riqueza dos mais ricos para aumentar a da maioria da população) com a sua harmonização a nível europeu para evitar o dumping fiscal [3] . O objectivo é aumentar as receitas, nomeadamente através do imposto progressivo sobre o rendimento das pessoas físicas mais ricas (a taxa marginal sobre a maior fatia de rendimento deve ser aumentada para 90% [4] , do imposto sobre o património a partir de uma certa quantia e do imposto sobre as sociedades. Este aumento da receita deve ser acompanhado por um rápido declínio no preço dos bens e serviços de primeira necessidade (alimentos básicos, água, electricidade, aquecimento, transportes públicos, material escolar...), nomeadamente pela redução drástica e direccionada do IVA sobre esses bens e serviços essenciais. Trata-se também de adoptar uma política fiscal que promova a protecção do ambiente tributando de maneira dissuasiva as indústrias poluentes.

A UE deve adoptar um imposto sobre transacções financeiras, nomeadamente sobre os mercados de câmbio, para aumentar as receitas públicas.

Os G20, apesar de suas declarações de intenções, recusaram atacar eficazmente os paraísos judiciários e fiscais. Uma medida simples para lutar contra os paraísos fiscais (que fazem perder cada ano, nos países do Norte, mas também os do Sul, recursos vitais para o desenvolvimento das populações) consiste em o Parlamento proibir a todos os indivíduos e todas as empresas presentes no seu território realizar transacções, quaisquer que sejam, passando através de paraísos fiscais, sob pena de multa de valor equivalente. Além disso, é preciso erradicar esses buracos negros das finanças, o tráfico criminoso, a corrupção e o crime de colarinho branco.

A fraude fiscal priva a comunidade de meios consideráveis e joga contra o emprego. Devem ser atribuídos recursos públicos consequentes para financiar serviços de finanças para lutar eficazmente contra esta fraude. Os resultados devem ser tornados públicos e os culpados fortemente punidos.

4. Refrear os mercados financeiros, principalmente através da criação de um cadastro de titulares de valores mobiliários, da proibição de vendas a descoberto e da especulação numa série de domínios. Criar uma agência pública europeia de notação.

A especulação à escala mundial representa várias vezes a riqueza produzida no planeta. A montagem sofisticada da mecânica financeira torna-a totalmente incontrolável. As engrenagens que ela suscita desestruturam a economia real. A opacidade das operações financeiras é a regra. Para tributar os credores na fonte eles devem ser identificados. A ditadura dos mercados financeiros deve cessar. A especulação deve ser proibida em vários domínios. Deve ser interdita a especulação em títulos da dívida pública, sobre as moedas, sobre os alimentos [5] . As vendas a descoberto também devem ser totalmente proibidas [6] e os Credit Default Swaps devem ser estritamente regulamentados. É preciso fechar os mercados de derivativos que são de verdadeiros buracos negros, escapando a toda a regulamentação e supervisão.

O sector das agências de classificação (rating) também deve ser estritamente reformado e enquadrado. Longe de serem instrumento de avaliação científica objectiva, elas são estruturalmente partes interessadas da globalização neoliberal e têm provocado repetidamente catástrofes sociais. Com efeito, a degradação da pontuação do país implica uma subida da taxa de juro sobre os empréstimos concedidos. Como resultado, a situação económica deteriora-se ainda mais. O comportamento de rebanho dos especuladores multiplica as dificuldades que vão pesar ainda mais fortemente sobre as pessoas. A forte submissão das agências de notação financeira norte-americanas faz destas agências de notação um actor chave a nível internacional, cuja responsabilidade na iniciação e evolução da crise não é suficientemente destacada pela média. A estabilidade económica dos países europeus foi colocada nas mãos das agências de classificação, sem garantias, sem meios de controle sérios por parte dos poderes públicos. A criação de uma agência pública de notação é essencial para romper esse impasse.

5. Transferência, sob controlo dos cidadãos, dos bancos para o sector público.

Depois de décadas de abusos financeiros e privatizações, é hora de colocar o sector bancário no domínio público. Os Estados devem recuperar a sua capacidade de controle e direcção da actividade económica e financeira. Eles devem também ter instrumentos de investimento e de financiamento da despesa pública, minimizando os empréstimos de instituições privadas e / ou estrangeiras. É preciso expropriar, sem indemnizações, os bancos para os transferir para o sector público sob o controle dos cidadãos.

Em alguns casos, a expropriação dos bancos privados pode representar um custo para o estado por causa das dívidas que acumularam. O custo em causa deve ser recuperado a partir do património dos grandes accionistas. Na verdade, as empresas privadas que são accionistas de bancos e que os levaram ao abismo enquanto faziam lucros suculentos, detêm uma porção dos seus activos em outros sectores da economia. É preciso fazer uma punção geral sobre a riqueza dos accionistas. Trata-se de evitar ao máximo socializar as perdas. O exemplo irlandês é emblemático de como é inaceitável a forma como nacionalização do Irish Allied Bank foi efectuada. Temos de aprender com eles.

6. Socializar as numerosas empresas e serviços privatizados desde 1980.

Uma característica dos últimos 30 anos tem sido a privatização de muitas empresas e serviços públicos. De bancos ao sector industrial, passando pelos correios, às telecomunicações, energia e transporte, os governos têm entregue grande parte da economia aos privados, perdendo de passagem qualquer possibilidade o controle da economia. Esses bens públicos, devidos ao trabalho colectivo, devem voltar para o domínio público. Isto irá criar novas empresas e serviços públicos para se adaptar às necessidades da população, para responder, em particular, ao problema das alterações climáticas, por exemplo com a criação de um serviço público de isolamento das habitações.

7. Reduzir drasticamente o tempo de trabalho para criar empregos, aumentando salários e pensões.

Distribuir de outra forma a riqueza é a melhor resposta para a crise. A quota da riqueza gerada destinada aos assalariados caiu significativamente ao longo de várias décadas, enquanto os credores e as empresas têm aumentado os seus lucros para os consagrar á especulação. Aumentando os salários não só se permite às pessoas viverem com dignidade, mas também se reforçam os meios utilizados para financiar a protecção social e os regimes de pensões.

Ao reduzir o tempo de trabalho sem redução de salários e criando empregos, melhora-se a qualidade de vida dos trabalhadores, dá-se emprego aqueles que o procuram. A redução radical do tempo de trabalho também oferece a oportunidade de praticar um ritmo de vida diferente, uma maneira diferente de viver em sociedade longe do consumismo. O tempo poupado para a recreação deve permitir uma maior participação do povo na vida política, reforçar a solidariedade, actividades voluntárias e criatividade cultural.

8. Repensar democraticamente outra União Europeia com base na solidariedade.

Muitas disposições dos tratados que regem a União Europeia, a Zona Euro e o BCE devem ser revogadas. Por exemplo, excluir as secções 63 e 125 do Tratado de Lisboa que proíbe qualquer controle sobre os movimentos de capitais e toda a ajuda a um Estado em dificuldades. É também necessário abandonar o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Além disso, é preciso substituir os tratados actuais por novos, no âmbito de um processo constituinte democrático genuíno para chegar a um pacto de solidariedade dos povos para o emprego e a ecologia.

Deve-se rever completamente a política monetária assim como o estatuto e a prática do Banco Central Europeu. A incapacidade do poder político para impor ao BCE a criação de dinheiro é um obstáculo muito pesado. Com a criação deste BCE por cima dos governos e portanto dos povos, a UE fez uma escolha desastrosa, aquela que submete o humano à finança e não o contrário.

Desde que muitos dos movimentos sociais denunciaram os artigos demasiado rígidos e profundamente inadequados, o BCE foi obrigado a mudar a mira no auge da crise, alterando de emergência o papel que lhe foi atribuído. Infelizmente, concordou em fazê-lo pelas razões erradas: não de modo a que os interesses das pessoas fossem tidos em conta, mas para que os dos credores fossem protegidos. Isto é bem a prova de que as cartas devem ser baralhadas e redistribuídas: o BCE deve ser capaz de financiar directamente os Estados em causa para atingir os objectivos sociais e ambientais que integram perfeitamente a necessidades básicas das populações.

Hoje, actividades económicas muito diferentes, tais como o investimento na construção de um hospital ou um projecto especulativo, são financiados de forma semelhante. O poder político deve, pelo menos, reflectir sobre a imposição de custos muito diferentes entre si: as taxas baixas devem ser reservadas para os investimentos socialmente justos e ambientalmente sustentáveis, e taxas muito elevadas, mesmo proibitivas quando a situação o pedir, para operações de tipo especulativo, que também é desejável interditar pura e simplesmente em certos domínios (ver acima).

Uma Europa baseada na solidariedade e cooperação deve permitir virar as costas à competição e à concorrência, que puxam "para baixo". A lógica neoliberal levou à crise e revelou o fracasso. Ela empurrou para baixo os indicadores sociais: menos bem-estar, menos empregos, menos serviços públicos. Os poucos que têm lucrado com esta crise tem-no feito por atropelamento dos direitos da maioria. Os culpados ganham, as vítimas pagam! Essa lógica, que subjaz a todos os textos fundadores do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE na liderança, deve ser posta em causa: ela não é mais sustentável. Uma outra Europa baseada na cooperação entre os Estados e na solidariedade entre os povos, deve tornar-se prioridade. Para isso, a política orçamental e fiscal deve não ser uniforme, porque as economias europeias têm grandes diferenças, mas coordenada, para que finalmente surja uma solução "para cima". Políticas abrangentes a nível europeu, incluindo investimento público maciço para a criação de empregos públicos em áreas essenciais (dos serviços comunitários às energias renováveis, da luta contra as alterações climáticas [NR] aos sectores sociais básicos) deve-se impor.

Esta outra Europa democratizada deve, para o CADTM, trabalhar para impor princípios não negociáveis: o reforço da justiça social e fiscal, escolhas voltadas para elevar o nível e a qualidade de vida dos seus habitantes, desarmamento e redução radical das despesas militares (incluindo a retirada das tropas europeias do Afeganistão e saída da NATO), as opções de energia sustentável, sem recorrer à energia nuclear, a rejeição dos organismos geneticamente modificados (OGM). Deve também, resolutamente, pôr termo à sua política de fortaleza sitiada contra os candidatos à imigração, para se tornar um parceiro igual de uma justa e verdadeira solidariedade para com os povos do Sul do planeta.

04/Abril/2011
Notas
[1] http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Tract_CADTM_Europe_DEF_27aout2010.pdf Retomamos aqui estas oito propostas actualizando-as e desenvolvendo-as.
[2] Ver Eric Toussaint, Banco Mundial: o Golpe de Estado permanente CADTM-Syllepse-Cetim, 2006, Capítulo 4.
[3] Pensemos na Irlanda que pratica uma taxa de apenas 12,5% sobre os lucros corporativos.
[4] Note-se que a taxa de 90% foi imposta aos ricos da presidência de Franklin Roosevelt nos Estados Unidos na década de 1930.
[5] Ver Damien Millet e Eric Toussaint, A Crise, que crise?, Aden-CADTM-Cetim, 2010, capítulo.
[6] As vendas a descoberto permitem especular sobre a queda de um título vendendo a prazo esse título mesmo sem o ter. As autoridades alemãs proibiram a venda a descoberto ao passo que as autoridades francesas e de outros países se opõem a esta medida.
[NR] Falso problema, como se denuncia aqui .

[*] Eric Toussaint, doutor em Ciência Política da Universidade de Liège e Paris VIII, presidente da CADTM Belga, membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial e da Comissão presidencial de auditoria da dívida (CAIC) do Equador, membro do Conselho Científico da ATTAC França, autor dos livros: Um olhar no espelho retrovisor. A ideologia neoliberal das origens até hoje (Cherry, 2010), O Banco do Sul e a nova crise internacional (CADTM-Syllepse, 2008), Banco Mundial: o golpe de Estado permanente (CADTM-Syllepse-Cetim, 2006 ), Finança contra o povo (CADTM-Syllepse-Cetim, 2004). Co-autor com Damien Millet de livros: Crise, que crise? (Aden-CADTM-Cetim, 2010), 60 perguntas 60 respostas sobre a dívida, o FMI e o Banco Mundial (CADTM-Syllepse, 2008) e O tsunami de dívida (CADTM-Syllepse, 2005). Próximo livro a ser publicado em Junho de 2011: Vida ou Dívida, Aden-CADTM, 2011 (obra coletiva coordenada por Damien Millet e Eric Toussaint).

O original encontra-se em http://www.cadtm.org/Huit-propositions-urgentes-pour . Tradução de Guilherme Coelho.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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