domingo, 17 de janeiro de 2010

Transições entre sistemas económicos

por Rick Wolff [*]
A transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, sobretudo a partir dos séculos XVII a XIX, assumiu múltiplas formas. Ela também foi desigual, acontecendo de diferentes modos a diferentes taxas em diferentes lugares. Marx estudou várias dimensões da transição porque elas muitas apresentavam lições válidas para a transição diferente em que estava interessado: a saída do capitalismo para o socialismo e o comunismo. Tal lição precisa agora ser reformulada. Os impulsos transicionais para além do capitalismo também assumirão formas múltiplas; já estão a assumir. Em certos casos o feudalismo entrou em colapso quando os servos fugiam da exploração nas propriedades dos seus senhores para tornarem-se foras-da-lei na floresta (estilo Robin dos Bosques) ou moradores em cidades, artesãos por conta própria, mercadores ou assalariados (todas elas relações não feudais).


Por vezes, quando senhores feudais afundavam em dívidas que não podiam pagar, as suas propriedades dissolviam-se. Outras vezes os custos e efeitos sociais da guerra entre senhores feudais destruíram-nas. Em outros casos os senhores libertaram os seus servos em troca de pagamentos (fees): os czares russos, eles próprios produto do feudalismo, aboliram-no por decreto do governo em 1863. Algumas vezes, como em França em 1789, impulsos transicionais existentes há muito dentro do feudalismo culminaram numa Revolução unificada da maior parte dos serviços e ex-servos. Nas transições atingidas pela revolução, diversos impulsos fundiram-se em movimentos que já não focavam este ou aquele senhor, mas contra todo o sistema feudal. As forças individuais dos impulsos que os constituíam e o movimento unificado que consumaram foram em conjunto capazes de abolir o feudalismo.


A transição do capitalismo para o socialismo ou comunismo provavelmente também assumirá múltiplas formas e apresentará múltiplas dimensões. Crises globais do capitalismo como sistema – tal como a actual – revelam os seus pontos mais fracos, tais como "programas de recuperação" financiados pelo estado que favorecem negócios enormes em detrimento de todos. O criticismo pode amadurecer rapidamente, indo de políticas e instituições específicas para o sistema económico capitalista. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sindicato United Steelworkers Union (USW) acordou em Outubro último colaborar com a organização Mondragon da Espanha promover e desenvolver cooperativas de trabalhadores como um meio de gerar empregos. A alta do desemprego provocada pela crise ao longo de 2009 sem dúvida ajudou a levar a USW àquela colaboração.


Cooperativas de trabalhadores são muitas vezes organizadas de uma maneira não capitalista. Ou seja, os próprios trabalhadores apropriam-se e distribuem os excedentes (ou lucros) produzidos pelo seu trabalho. Eles tornam-se, colectivamente, o seu próprio conselho de administração. Nenhumas outras pessoas além daqueles trabalhadores actuam como administradores; a organização capitalista da produção portanto desaparece. Numa outra iniciativa de transição para além do capitalismo, estudantes e funcionários de uma escola na Califórnia combatem a crise severa provocada pelos cortes na educação. A partir do ataque de tais políticas como respostas inadequadas a uma crise capitalista, o seu activismo evolui para o questionamento da desejabilidade de um sistema económico que tão regularmente mergulhas as sociedades em crises.


A população dos EUA observa os salvamentos de capitalistas financiados pelo governo Bush e Obama, juntamente com os seus fracassos em ajudar os milhões que perderam empregos e casas; a observação evolui rumo a questões acerca de um sistema que funciona de tal maneira. O compromisso de Obama para mais milhares de milhões em guerras infindáveis desvia recursos da resolução de outros problemas, internos e externos. Movimentos e partidos políticos explicitamente anti-capitalistas emergem e crescem na Europa; eles tomam o poder em grande parte da América Latina. Naturalmente, na transição europeia do feudalismo para o capitalismo, o que as pessoas pensavam que estavam a fazer e o que elas realmente fizeram não eram a mesma coisa. Os revolucionários franceses acreditavam sobretudo que estavam a instituir a "liberdade, igualdade e fraternidade! contra a tirania absolutista. A percepção de Marx e outros veio posteriormente e através deles entendemos que 1789 assinalou uma transição entre diferentes sistemas económicos (juntamente com a sua outras consequências sociais).


Hoje beneficiamos do facto de termos consciência das transições entre sistemas económicos. Podemos compreender como o capitalismo também, tal como o feudalismo, pode provocar uma transição para além de si próprio. Podemos perguntar se movimentos contemporâneos pela mudança social centrados na política (democracia, igualdade, liberdade, etc) podem estar a mascarar ou obscurecer impulsos para a transição do sistema económico capitalista para o socialista ou comunista. Podemos considerar se e como desenvolvimentos díspares que minam, questionam e desafiam o capitalismo ao longo das últimas décadas – e especialmente neste novo milénio – podem ser unificados num movimento social suficientemente forte para irromper numa transição.


Esta consciência de transições entre sistemas económicos retorna-nos àquele notável prenúncio de eventos futuros, o acordo USW-Mondragon. Ele representa uma tentativa rumo à coordenação, combinação e então unificação de dois movimentos sociais até recentemente desconectados. Por um lado, as lutas tradicionais do movimento laboral sobre a dimensão dos salários e benefícios, sobre aspectos do processo laboral, sobre os termos da exploração do trabalho pelo capital. Os sindicatos podem desafiar a quantidade de excedentes disponíveis para o capital apropriar e distribuir a fim de assegurar a sua reprodução. Por outro lado, a existência e história da Mondragon inclui organizações não capitalista de produção onde trabalhadores funcionam em ambos os lados da negociação salarial e não trabalhadores estão excluídos em princípio de ocupar uma posição de capitalista/patrão.


Tal realidade desafia o capitalismo ao apresentar trabalhadores e consumidores uma organização alternativa de produção que tem tido êxito e crescido ao longo do último meio século. Muitos limites e obstáculos erguem-se entre este primeiro acordo experimental de colaboração entre um sindicato, uma organização de produção não capitalista e uma transição para além do capitalismo. Muitas outras mudanças e movimentos sociais a avançarem serão necessários para reunir a massa crítica exigida para irromper numa transição genuína. Não há inevitabilidades aqui: nada garante que isto acontecerá. Contudo, uma força a mover-se na direcção da transição está auto-consciente e tem sensibilidade quanto ao seu potencial em todos os tipos de mudanças actuais.


O aprofundamento das contradições e crises do capitalismo traz a questão da transição entre sistema económicos às mentes das pessoas e cada vez mais às agendas pela mudança social. O acordo USW-Mondragon mostra que há impulsos significativos para unificar movimentos em torno de agendas que explicitamente incluam organizações não capitalistas de produção. Ele representa um sinal politicamente esperançoso para o Novo Ano.


[*] Professor de Economia na Universidade de MassachusettsAmherst.


Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).

O seu novo livro acerca da crise actual é Capitalism Hits the Fan


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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