domingo, 30 de janeiro de 2011

Governo de Dilma anuncia ataques à previdência social; vamos preparar a luta contra estas medidas

Apenas alguns dias após a imprensa divulgar o que seria uma decisão da presidenta Dilma Roussef - de não fazer uma reforma da previdência - o próprio governo tratou de vir à público dizer o que pretende fazer nessa área (Folha de São Paulo, 21/01). E não são boas as medidas anunciadas.

O governo vai apresentar, como parte de uma reforma Tributária que pretende fazer, um conjunto de propostas visando “desonerar a folha de salários” das empresas. Eufemismos à parte, as propostas vão da diminuição da alíquota paga pelas empresas sobre a folha de salários para financiamento da previdência social para algo em torno de 14% (hoje esta alíquota é de 20%). Além disso, o governo pretende simplesmente eliminar o “salário educação”, que hoje as empresas pagam (2,5% sobre a folha de salários). Trata-se de um crime contra a previdência social pública e contra a educação pública em nosso país.

O argumento é o mesmo de sempre, “isso ajudaria a aumentar o emprego formal no país”. A fábula que pretendem vender ao povo é a seguinte: ao pagar menos impostos ao Estado, os empresários vão contratar mais trabalhadores com carteira assinada. Algumas autoridades chegam a falar que, no futuro, isso até aumentaria a arrecadação da previdência, porque cresceria muito o número de trabalhadores com carteira assinada.

No entanto, muito diferente deste conto de fadas, todos nós sabemos, e as autoridades do governo também sabem, que os empresários vão usar estes recursos que deixarão de recolher para o Estado simplesmente para aumentar os seus lucros. Não se trata de uma opinião, é uma constatação. A desoneração da folha de salários e outras modalidades de “simplificação” e “diminuição dos custos” da contratação de trabalhadores já foi aplicada em muitos países (México, Espanha, etc). Em todos eles o desemprego cresceu. Desafiamos o governo a apresentar algum estudo com um mínimo de seriedade, em um país que seja, onde este tipo de política tenha aumentado o emprego.

Na verdade este tipo de medida serve apenas para aumentar o lucro das empresas. E é esta a razão pela qual o grande empresariado pressiona tanto o Brasil a adotá-las. E estamos falando de empresas cujos lucros cresceram mais de 400% nos últimos anos, entre outras razões, também porque o custo do trabalho (salários, direitos trabalhistas e benefícios sociais, previdência inclusive) é muito baixo em nosso país.

Por outro lado, estas medidas anunciadas tratam justamente de diminuir os recursos voltados para a garantia de políticas sociais e para diminuir a pobreza (previdência e educação). O contraste com as promessas eleitorais da candidata Dilma é inevitável.

Se o governo quer, a sério, aumentar o número de empregos com carteira assinada, sugerimos duas medidas: Em primeiro lugar deve fazer concurso e contratar mais Auditores Fiscais do Trabalho assegurando fiscalização em todas as empresas. Atacando a fraude trabalhista, amplamente praticada no país pelas empresas, sem dúvida aumentaria o número de empregos formais, entre outros benefícios para o Brasil e para os trabalhadores. E em segundo lugar poderia determinar a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, gerando mais postos de trabalho e melhorando a qualidade de vida dos trabalhadores.

Somos contra estas medidas. Não há compensação possível

A mesma matéria publicada na imprensa que divulga as propostas do governo, informa também que haveria “resistência” de Centrais Sindicais que estariam exigindo “compensações” para concordar com as medidas. O jornal não informa quais seriam estas centrais sindicais, mas não é difícil imaginar quais seriam.
A CSP-Conlutas não aceita as medidas anunciadas pelo governo, nem concorda com esta lógica de pedir compensações. O que o Brasil e os trabalhadores precisam é de fortalecimento da previdência social pública e da educação pública. E nada disso existe sem aumentar os recursos envolvidos no financiamento destas políticas sociais. Aumentar, não diminuir, como pretendem estas medidas que o governo pretende aprovar.

As centrais sindicais não têm o direito de agir com esta ligeireza. Precisam apontar as contradições do governo e chamar a que os trabalhadores se preparem para a mobilização, para pressionar o governo e o Congresso Nacional para defender a previdência social pública.

Não faz muito tempo o presidente Lula vetou a medida aprovada no Congresso Nacional que acabava com o Fator Previdenciário. A alegação do governo, da qual Dilma Roussef fazia parte, era a de que a previdência social não tinha recursos para bancar aquela medida. Alegavam que o fim do Fator Previdenciário aumentaria os gastos da previdência social em cerca de 10 bilhões de reais por ano.

Pois bem, agora o governo Dilma propõe essa medida que vai diminuir a arrecadação da previdência social. Se tomarmos apenas a redução da alíquota que seria aplicada na primeira fase da implantação dessa medida (de 20 para 18%), a previdência social perderia 9,2 bilhões por ano. Quando aplicada toda a redução, a previdência perderia mais de 27 bilhões de reais por ano. Ora, se o governo acha que é possível a previdência abrir mão destes valores, porque então não pode acabar o Fator Previdenciário? Usar recursos da previdência para melhorar a vida dos trabalhadores, para aumentar os valores dos benefícios não pode, mas usar estes recursos para aumentar o lucro das empresas pode?

Todos nós sabemos o que vai acontecer, se estas medidas forem aprovadas. Aumentará o sucateamento da previdência social, mais medidas serão tomadas para dificultar o acesso dos trabalhadores à aposentadoria, para diminuir o valor dos benefícios, para dificultar ainda mais aos trabalhadores acesso aos benefícios da previdência social de forma geral (para além das medidas que já foram adotadas, como a alta programada, etc). E tudo isso é inaceitável.

O que trabalhadores e aposentados querem da previdência social é o aumento das aposentadorias, recompondo o mesmo valor em salários mínimos de quando foram concedidas; acabar com o Fator Previdenciário; e revogar todas as medidas adotadas para dificultar o acesso dos trabalhadores aos benefícios da previdência social, como a Alta Programada e um longo “etcetera”.

Salário mínimo e Servidores Públicos na berlinda

E não é só a previdência que preocupa neste momento. Enojado, o povo brasileiro está assistindo ao debate sobre o reajuste do salário mínimo que é feito pelo governo e Congresso Nacional, em contraste com o aumento recebido pelos salários dos parlamentares e autoridades do executivo. Os mesmos parlamentares que deram aos seus próprios salários um aumento de 63% no apagar das luzes do ano passado querem agora aprovar um reajuste para o salário mínimo beirando 6%. Quem ganhava 16 mil reais por mês recebe um aumento de 10 mil reais no salário. Quem ganhava 510 reais receberá 35 reais de aumento.

A presidenta da república e ministros aceitaram de bom grado o aumento de 132% que o Congresso Nacional aprovou para seus salários. Agora, do alto da sua arrogância, dizem que não se pode aceitar um aumento maior para o salário mínimo. Dizem que o país não tem recursos para isso. Para aumentar o salário da presidenta e dos ministros, de cerca de 12 mil reais para quase 27 mil reais por mês, aí sim, o país tem recursos. Beira o cinismo.

O Brasil vai gastar, com o aumento dos salários dos deputados, dos ministros e da presidenta da república, mais de 800 milhões de reais por ano. Uma soma superior aos cerca de 760 milhões de reais que o mesmo governo anunciou que o país vai investir para a prevenção de desastres como o que matou cerca de mil pessoas só na região serrana do estado do Rio. Diz muito sobre a natureza destas autoridades.
É esta mesma lógica na utilização dos recursos públicos que leva o governo a investir contra os servidores públicos, descumprindo acordos feitos, tentando aprovar no Congresso Nacional medidas como a que congela seus salários por 10 anos, que autoriza a demissão de servidores públicos, e que restringe seu direito de greve. O mesmo governo que defende e quer aprovar estas medidas, argumentando necessidade de cortar gastos, já anunciou que pretende separar do orçamento o correspondente a 3% do PIB (mais de 100 bilhões de reais), para pagar juros aos banqueiros.

Ou seja, para melhorar o salário mínimo, valorizar o servidor público melhorando assim a qualidade do serviço prestado à população, para nada disso há dinheiro. Mas para repassar aos banqueiros, aí aparece mais de 100 bilhões de reais...
O que o Brasil precisa é de acabar com este “superávit primário” (dinheiro que vai para os banqueiros) e melhorar o valor do salário mínimo e investir na melhoria dos serviços públicos e na valorização dos servidores.

Direitos trabalhistas ameaçados

Por outro lado, aparece agora o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um dos mais importantes da CUT, dizendo que prepara uma proposta de Projeto de Lei para mudar a legislação trabalhista, de forma a que venha prevalecer o que for negociado pelos sindicatos sobre o que está estabelecido na lei como direitos dos trabalhadores. Retoma-se assim a discussão aberta pelo governo FHC, que em seu segundo mandato tentou aprovar uma mudança no artigo 618 da CLT, assegurando a prevalência do negociado sobre o legislado.

Naquele momento conseguimos derrotar esta idéia. Ela volta agora, defendida por um dos principais sindicatos da CUT, expressão clara da mudança do papel que assume estes sindicatos que perderam sua independência frente ao governo e aos empresários.

Os defensores da idéia argumentam que ao ter mais liberdade para negociar, os sindicatos estarão mais livres para buscar vantagens para os trabalhadores nos acordos com as empresas. O argumento é tão singelo quanto sem fundamento. A legislação trabalhista e as regras atuais do sistema de negociação e contratação coletiva não impedem e nunca impediram o sindicato de negociar vantagens para os trabalhadores para além daquilo que está na lei. As restrições que existem (muito poucas restrições, é bom que se diga) são para impedir que se negociem acordos que rebaixem ou eliminem direitos que estão garantidos em lei. Não são opiniões, são fatos, basta ler a lei.

Dizer que a proposta só será implantada em um primeiro momento, nos sindicatos que sejam mais fortes, ou onde houver organização de base não resolve. Vivemos em um país onde não há proteção contra a demissão imotivada. O patrão pode demitir quantos trabalhadores e na hora que quiser, sem dar satisfação a ninguém. Isso dá a ele um enorme poder de pressão sobre os trabalhadores. Muitos sindicatos já viveram em determinadas circunstâncias a situação complicada de ter de enfrentar a pressão de um grupo de trabalhadores de uma determinada empresa em favor de um acordo rebaixando seus direitos, ou o seu próprio salário.

Porque ocorre isso? Porque a empresa ameaça demitir a todos, ou uma parte dos empregados, e com a chantagem leva os trabalhadores a aceitar suas imposições. Os direitos que são protegidos em lei contra qualquer rebaixamento via negociação coletiva (insisto, são poucos, muito menos do que deveria), estão nesta condição justamente para protegê-los dessa chantagem dos patrões. E esta proteção tem sido de enorme valia para os trabalhadores, principalmente em momentos de crise econômica, pois são nestes momentos que vem o desespero dos patrões para “reduzir custos”, leia-se eliminar direitos.

Não é razoável acreditar que os experientes dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC desconheçam estes fatos. O que quer dizer que pretendem mesmo é criar condições para que possam ser negociados acordos que estejam por baixo daquilo que é definido em lei. É sabido que o procedimento preferido pelos empresários e governos do mundo todo, quando se trata de implantar a flexibilização, diminuição ou eliminação de direitos dos trabalhadores, é fazê-lo de forma negociada com as representações dos trabalhadores. É o que os técnicos da OIT chamam de “flexibilização autônoma”, ou seja, com a participação dos próprios trabalhadores (através de seus sindicatos). Diminui a resistência dos trabalhadores contra as medidas flexibilizadoras, e evitam o desgaste que os políticos teriam se tivessem de aprovar o fim deste ou daquele direito dos trabalhadores no congresso nacional, por exemplo. A isto se presta a proposta que o Sindicato do ABC está preparando.

Todas as questões colocadas acima, relacionadas à defesa da aposentadoria e da previdência social publica; defesa da valorização do salário mínimo, dos serviços e servidores públicos; defesa dos direitos trabalhistas, remetem ao desafio fundamental posto para os trabalhadores neste momento: preparar a luta para enfrentar estas medidas que se anunciam. É a tarefa principal a ser assumida pelas entidades e organizações que se reúnem neste dia 27 de janeiro em Brasília.
São Paulo, 21 de janeiro de 2011

Zé Maria, metalúrgico, integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Caso Cutrale: trabalhadores sem-terras são inocentados e processo é arquivado


por Juliana Sada

Em janeiro deste ano, a Justiça decidiu pela libertação dos trabalhadores sem-terra acusados de praticar crimes durante a ocupação de uma fazenda pertencente à empresa Cutrale, produtora de suco de laranja. Além disso, o processo foi arquivado pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

De acordo com o desembargador Luis Pantaleão, em seu relatório, não havia indícios que ligassem os acusados aos crimes alegados. Além disso, o desembargador citou problemas no processo. A prisão preventiva foi decretada antes do recebimento da denúncia e ainda com a investigação em curso, para o desembargador não havia indícios de que os acusados trariam algum empecilho ao processo. O encarceramento foi baseado também na suposta “imoralidade” dos trabalhadores, acusação que não sustenta a prisão preventiva.

Já o processo foi trancado por inépcia da denúncia, ou seja, por não possuir os requisitos legais para instauração de um processo.

A ocupação
Em setembro de 2009, cerca de 250 famílias ocuparam uma fazenda pertencente à Cutrale, para denunciar a grilagem de terras pela empresa. De acordo com o MST, a área ocupada pertence à União e a Cutrale estaria se apropriando ilegalmente da terra. A ocupação durou doze dias, entre 28 de setembro e nove de outubro, e terminou por ordem judicial.

O episódio teve intensa repercussão na mídia, sobretudo por conta da derrubada de pés de laranja da fazenda pelos manifestantes, como forma de protesto.

por Juliana Sada

Em janeiro deste ano, a Justiça decidiu pela libertação dos trabalhadores sem-terra acusados de praticar crimes durante a ocupação de uma fazenda pertencente à empresa Cutrale, produtora de suco de laranja. Além disso, o processo foi arquivado pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

De acordo com o desembargador Luis Pantaleão, em seu relatório, não havia indícios que ligassem os acusados aos crimes alegados. Além disso, o desembargador citou problemas no processo. A prisão preventiva foi decretada antes do recebimento da denúncia e ainda com a investigação em curso, para o desembargador não havia indícios de que os acusados trariam algum empecilho ao processo. O encarceramento foi baseado também na suposta “imoralidade” dos trabalhadores, acusação que não sustenta a prisão preventiva.

Já o processo foi trancado por inépcia da denúncia, ou seja, por não possuir os requisitos legais para instauração de um processo.

A ocupação

Em setembro de 2009, cerca de 250 famílias ocuparam uma fazenda pertencente à Cutrale, para denunciar a grilagem de terras pela empresa. De acordo com o MST, a área ocupada pertence à União e a Cutrale estaria se apropriando ilegalmente da terra. A ocupação durou doze dias, entre 28 de setembro e nove de outubro, e terminou por ordem judicial.

O episódio teve intensa repercussão na mídia, sobretudo por conta da derrubada de pés de laranja da fazenda pelos manifestantes, como forma de protesto.

Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br

Fortuna: Zé Cutrale e os laranjas na mídia

Império dos laranjas
A grilagem do Zé Cutrale e o silêncio cúmplice da mídia prostituída
Cutrale segundo a Goebbels: "Tadinha, tão inocente..." (sic)

Não se sabe bem porquê, mas pode-se imaginar o que move a imprensa nativa no país, ou em qualquer lugar do mundo: patrocínio (ou a recusa de patrocínio).

Porém, ao meter mais adentro a faca do raciocínio acha-se um miolo gaiato, fino, e até profundo que explica, por exemplo, matéria publicada na duvidosa revista (in)Veja, ed. 1802 de mai/2003, na qual explodia na capa "invejável" matéria em que esmiuçava o gérmen da fortuna de Zé Cutrale, abaixo transcrita, na íntegra, para degustação dos amigos navegantes e, quiçá, para que os sabujos da imprensa de esgoto - nela ancorados - recuperem-se de suas amnésias:

"O campeão mundial do suco de laranja"
O brasileiro José Luís Cutrale e sua família detêm 30% do mercado global de suco de laranja, quase a mesma participação da Opep no negócio de petróleo

Apenas em dois momentos específicos da história, no ciclo do açúcar e no do café, o Brasil controlou amplamente o comércio global de um produto agrícola como acontece agora com o mercado mundial de laranja.
De acordo com os números mais recentes, 70% do suco consumido no mundo é plantado ou industrializado por brasileiros. E esse mercado notável tem um rei. É José Luís Cutrale, detentor de uma marca fabulosa. Comandando um negócio que foi fundado por seu avô no começo do século passado e ampliado várias vezes por seu pai, José Luís administra a Sucocítrico Cutrale, empresa responsável pela venda de um de cada três copos de suco de laranja comercializados no exterior. Os dados do setor ignoram o volume da fruta vendida in natura, o chamado suco natural, inexpressivo em termos globais. Analisados os ramos de atividade com alguma expressão na pauta de exportações nacional, em nenhum outro setor da economia se encontram empresários brasileiros operando nesse patamar. Sua marca individual aproxima-se da participação coletiva dos países da Opep no mercado de petróleo, que é de 40%.

Cutrale vende suco concentrado para mais de vinte países, entre os quais os Estados Unidos, todos os da Europa e a China. Seus clientes são grandes companhias do padrão da Parmalat, da Nestlé e da Coca-Cola, dona de uma das marcas de suco de laranja mais populares nos Estados Unidos.
  • O principal segredo do negócio consiste em adquirir fruta a um preço baixo – preço de banana, brincam os fornecedores –, esmagá-la pelo menor custo possível e vender o suco a um valor elevado.
Observado por seus números, o mercado global de laranja pode não parecer tão impressionante. Movimenta "apenas" 9 bilhões de reais por ano, contra mais de 90 bilhões de reais da soja. Acontece que o setor gera uma lucratividade elevada, no momento em torno de 15% do faturamento para os melhores produtores. Para efeito de comparação, o Grupo Pão de Açúcar apresentou um lucro líquido equivalente a 2,5% do faturamento.
Em anos anteriores, a taxa de retorno da Sucocítrico Cutrale já ultrapassou a casa dos 70% - algo impensado em qualquer economia de mercado, com exceção da China. Seria a China a sede da Cutrale?.

A informação foi confirmada a (in)VEJA por três pessoas: um ex-executivo do grupo Cutrale com acesso aos balanços e dois diretores de empresas concorrentes que também se beneficiaram dessa boa fase. O auge da lucratividade ocorreu nos anos 80. Naquele tempo, a Cutrale podia lucrar até 800 milhões de dólares, ou 2,4 bilhões de reais – equivalente ao lucro do Banco Itaú no ano passado.


Cutrale recusa-se a falar sobre a lucratividade da companhia. Há dois anos, a Receita Federal se interessou pela questão e teve dificuldade em analisar as contas do grupo. Fiscais de Brasília e São Paulo procuraram entender como a Cutrale ganha tanto dinheiro. Não localizaram nenhuma irregularidade. Uma autoridade da Receita relatou a VEJA que a estratégia para elevar a lucratividade do grupo passa por contabilizar uma parte dos resultados por intermédio de uma empresa sediada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Com isso, informa a autoridade da Receita, a Cutrale conseguiria pagar menos imposto no Brasil. Trata-se de um mecanismo legal. Foi o que a Receita descobriu ao escarafunchar as contas da organização da família Cutrale.
Claudio Rossi
CONDOMÍNIO EM FORMA DE CORAÇÃO
Alguns diretores da Cutrale vivem neste condomínio em forma de coração, em um terreno cercado de laranjais em Araraquara, no interior de São Paulo
Avesso a badalações (pudera) e ausente das colunas sociais, José Luís Cutrale é um rosto pouco conhecido fora do mundo dos negócios. A fotografia exibida nesta reportagem foi tirada numa rara aparição. Ela ocorreu no Palácio do Planalto durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado pelo presidente Lula e do qual Cutrale faz parte. No meio empresarial, no entanto, o nome de Cutrale é muito comentado. Primeiro pela riqueza que a família amealhou. Alguns empresários o classificam como o homem mais rico do campo brasileiro. Ou talvez o brasileiro mais rico de todos os campos. O banqueiro Pedro Conde, em conversas com empresários amigos, que relataram o que ouviram a VEJA, referiu-se várias vezes a Cutrale como o homem mais rico do Brasil. Disse a um interlocutor certa vez que sua fortuna acumulada equivalia a 5 bilhões de dólares – ou 15 bilhões de reais pelo câmbio do momento.

A credibilidade da estimativa feita por Pedro Conde advém do fato de o banqueiro ser amigo do rei da laranja, além de ter sido dono do BCN, comprado há alguns anos pelo Bradesco, no qual Cutrale concentrava o grosso de suas operações financeiras. Era o maior cliente do banco. Procurado por VEJA para falar sobre suas estimativas, Pedro Conde não deu retorno à reportagem. Outro grande empresário, dono de uma fortuna de 3 bilhões de reais, diz o seguinte a respeito de Cutrale: "Eu sei o que é ser rico e não me ocorre nenhum brasileiro que seja mais rico que ele". Perguntado por VEJA a respeito de sua fortuna e apresentado ao debate que se dá em torno do tema, José Luís Cutrale diz apenas: "Sobre esse assunto eu não falo".

Outra razão pela qual o nome de Cutrale freqüenta rodinhas de empresários é a atuação agressiva da empresa, principalmente em relação aos fornecedores. Os plantadores de laranja no Brasil têm poucas opções para escoar a produção. Há apenas cinco grandes compradores da fruta e Cutrale é o maior deles. Por essa razão, acabam mantendo com o rei da laranja uma relação que mistura temor e dependência. Por um lado, precisam que ele compre a produção. Por outro, assustam-se com alguns métodos adotados por Cutrale para convencê-los a negociar as laranjas por um preço mais baixo. Produtores ouvidos por VEJA afirmam que a família Cutrale costuma fazer enorme pressão para conseguir preços melhores na fruta ou mesmo adquirir fazendas. "Empregados deles nos visitavam e queriam que a gente vendesse nossa propriedade. Do contrário diziam que seríamos prejudicados na safra seguinte", afirmou um produtor que passou pela experiência de negociar com os Cutrale. Outro fazendeiro relata história semelhante, pois também foi procurado para vender sua fazenda de laranja. "Antes de eu ser abordado, minha fazenda foi sobrevoada algumas vezes por um helicóptero da companhia", diz.

Outra reclamação comum feita a VEJA por produtores diz respeito aos termos de alguns contratos de compra de laranja. Há três anos, 200 produtores acionaram em bloco a Cutrale. Acusavam-na na Justiça de descumprir um contrato pelo qual a empresa se comprometia a receber 5 milhões de caixas de laranjas. Segundo os produtores, nos dias em que eles tentaram fazer a entrega, os portões estavam fechados e a laranja começou a estragar. Os produtores quiseram ser ressarcidos pelo prejuízo, mas a Cutrale alegava que não lhes devia nada, já que não havia recebido a fruta. Os produtores receberam uma liminar para entregar o produto. Só depois disso a Cutrale aceitou a encomenda. "É difícil conseguir bons preços tratando com alguém que pode dizer não até sua laranja apodrecer", conta um produtor que por razões óbvias prefere não se identificar.
Divulgação
O JATO INTERCONTINENTAL
Uma vez por mês, o empresário José Luís Cutrale dá um giro por Estados Unidos, Europa e Ásia para monitorar seus negócios. Ele viaja em seu próprio jato, um Falcon avaliado em quase 100 milhões de reais (à esq.). Apenas para efeito ilustrativo, a foto mostra uma opção de decoração sugerida pelo fabricante

Essa linha dura já rendeu à Cutrale discussões legais por formação de cartel. De 1994 para cá, Cutrale já foi alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, a autarquia encarregada de preservar a concorrência. Ele não estava sozinho no caso. Foi investigado juntamente com outras grandes indústrias do setor. Jamais sofreu uma punição.

Num desses processos, duas associações de produtores de laranja denunciaram ao Cade que Cutrale e outras indústrias estavam se reunindo para combinar preços, o que prejudicava os plantadores. O desfecho do caso foi amigável. As empresas assinaram um "termo de compromisso de cessação das irregularidades" com os fazendeiros, comprometendo-se a não se reunir para organizar preços.

O Cade decidiu que as empresas de suco de laranja não poderiam se organizar dessa forma. Em vários aspectos, a indústria de suco de laranja lembra as empreiteiras. Além de ser um mercado concentrado nas mãos de poucos gigantes, os dois setores mantêm uma longa história de dependência em relação ao governo.

Nos anos 70 (que saudades sentem os sabujos da revistinha), Brasília criou uma linha de crédito especial para incentivar a exportação de produtos semi-industrializados. A idéia era usar dinheiro público para estimular a venda de manteiga de cacau, café solúvel e suco de laranja em vez de cacau, café e laranja, que são muito mais baratos e dão menos lucro. Acreditava-se que o comércio exterior brasileiro poderia dar um salto se o plano desse certo. O governo financiava a produção e as vendas para o exterior, estabelecia cotas para os exportadores e definia os preços de exportação. A operação era comandada pela Cacex, a carteira de comércio exterior do Banco do Brasil.

O projeto fracassou para o cacau e para o café, mas deu certo para a laranja. Um ex-diretor do Banco do Brasil lembra que José Cutrale chegava a visitar a Cacex pelo menos uma vez por mês nos anos 70. Um dos mais poderosos diretores da Cacex, Carlos Viacava, manteve um relacionamento tão bom com a empresa que acabou contratado pela Cutrale como diretor quando saiu do governo.


Um ex-diretor do Banco do Brasil conta a VEJA que José Cutrale costumava levar a mulher, Amélia, para as reuniões de negócios em Brasília. Com Amélia ao lado, Cutrale conversava com os diretores do bancão oficial como se falasse com gerentes de agência do interior. Choramingava tanto enquanto pedia ajuda oficial que, freqüentemente, ficava com os olhos marejados, segundo relato do ex-diretor. Os pedidos mais comuns: uma cota maior na Cacex e um preço menor para exportar suco de laranja.

Há ainda uma terceira razão pela qual Cutrale desperta curiosidade no meio empresarial. Trata-se de uma certa pitada de excentricidade que a família demonstra na vida particular. Nas outras empresas, os altos executivos moram cada qual em sua casa e se reúnem no horário comercial. Na Cutrale é diferente. A companhia mandou construir um condomínio fechado em forma de coração ao lado de sua sede, no interior de São Paulo. Ali vivem alguns executivos da organização. São dez casas, no total, cercadas por um imenso laranjal. A maior é de José Cutrale, pai de José Luís, atualmente com 77 anos. O imóvel tem 844 metros quadrados e uma piscina coberta de 250 metros quadrados. As outras nove casas são de 500 metros quadrados cada uma. São ocupadas pelos empregados mais estimados por José Cutrale. Quem vive no condomínio não precisa sequer atravessar o portão para ir ao trabalho. De uns anos para cá, José Cutrale passou a morar mais tempo num apartamento na Park Avenue, endereço chique de Nova York.

O primeiro Cutrale a negociar laranja no Brasil foi Giuseppe Cutrale, que deixou os laranjais da família na Sicília no início do século passado para tentar a sorte em São Paulo. Começou comprando frutas no subúrbio do Rio de Janeiro – então a mais importante região produtora de laranja do país – e as revendia no Mercado Municipal de São Paulo. Valendo-se de contatos que mantinha com a comunidade italiana em outros países, passou a exportar fruta para o Canadá, a Alemanha e a Holanda. Foi a fase meramente comercial do grupo, na qual a família alcançou um padrão de vida de classe média e comprou uma casa num bairro operário de São Paulo. O começo da II Guerra Mundial obrigou Giuseppe a suspender as exportações, e os Cutrale pareciam ter chegado ao fim. Em 1955, o caçula dos onze filhos de Giuseppe, José Cutrale, recomeçou do zero o negócio do pai e conduziu a família para o clube dos bilionários. Na década de 60, com o lucro obtido no negócio, adquiriu laranjais e uma primeira fábrica de suco concentrado em parceria com Pedro Conde, do BCN. Fez trinta anos atrás aquilo que os especialistas pregam nas palestras sobre o futuro da agroindústria: agregou valor.

O PATRIARCA DO IMPÉRIO
A família Cutrale negocia laranjas há mais de 100 anos. José Cutrale (acima), hoje com 77 anos, herdou do pai um empreendimento quebrado e em quarenta anos transformou a empresa em um império bilionário
José Cutrale ainda tem poder para interferir nos negócios, mas as operações do dia-a-dia estão a cargo de seu único filho, José Luís. Aos 56 anos, José Luís Cutrale atua no ramo há 42, desde que deixou o colégio, aos 14 anos de idade. "Foi uma das decisões mais acertadas de minha vida", diz. "Na escola, só tinha meninas de nariz empinado", conta. Sua primeira missão empresarial foi, sob a supervisão do pai, tomar conta do caixa da banca de laranja que a família mantinha no Mercado Municipal, em São Paulo. E suas tarefas foram se tornando mais complexas, conforme o grupo crescia. José Luís aprendeu inglês, francês e italiano e, buscando aprimorar-se nos contatos com a clientela, decidiu matricular-se em cursos de oratória. Atualmente, para acompanhar os negócios de perto, ele cumpre um périplo mensal que passa por São Paulo, Flórida, Nova York e Amsterdã.
Freqüentemente, viaja para a Ásia. Para se locomover, ele usa o próprio jato, um Falcon 900, avaliado em 100 milhões de reais. Os dois filhos, José Luís Júnior e José Henrique, já trabalham com o pai. Nenhum deles terminou a faculdade.
Gentil no trato pessoal, José Luís Cutrale recebeu (in)VEJA em três ocasiões, num total de dezesseis horas de conversa. Nas entrevistas, chamou a atenção dos jornalistas a elegância do entrevistado. Usava ternos da grife italiana Ermenegildo Zegna (4.000 reais cada um), camisas francesas Façonnable (600 reais) e sapatos ingleses Church (a partir de 1 500 reais o par).

Também não passaram despercebidos alguns comentários estranhos. No segundo e no terceiro encontros, José Luís contou aos jornalistas da revista que mantinha em seu poder gravações das entrevistas feitas pelos repórteres com amigos seus e concorrentes. E que seu diretor jurídico o havia aconselhado a processar (in)VEJA antes da publicação da matéria. Perguntado sobre a razão do processo, não deu esclarecimentos.


O mercado de laranja é dos mais concentrados do mundo, tanto do ponto de vista geográfico quanto do ponto de vista econômico. Cerca de 90% dos laranjais se situam em apenas dois lugares: o Estado da Flórida, nos Estados Unidos, e o Estado de São Paulo, no Brasil. Essas regiões concentram milhares de plantadores que vendem a produção a apenas quinze empresas que fazem o concentrado para distribuição em escala mundial. Delas, nove são companhias nos Estados Unidos e seis no Brasil. Entre as estrangeiras, atuam no setor a Cargill, uma das maiores empresas de alimentos do planeta, e a gigante francesa Dreyfus.


Entre os competidores nacionais, destaca-se a Votorantim, um dos maiores grupos empresariais do país. Até a década de 80, as fábricas americanas mantinham-se na liderança do mercado de suco, mas uma geada que arrasou os laranjais da Flórida mudou o cenário e o Brasil assumiu a frente. O grande diferencial entre São Paulo e Flórida se dá no preço. O custo de colheita e do transporte por caixa na Flórida é quase quatro vezes mais alto do que em São Paulo. A diferença se deve principalmente ao peso da mão-de-obra no preço final, que no Brasil é muito mais baixo. Os Estados Unidos compensam a desvantagem comparativa com tarifas alfandegárias elevadas.


No fim dos anos 90, Cutrale conseguiu colocar seu pé em solo americano ao comprar da Coca-Cola duas fábricas de suco localizadas na Flórida. Com isso, ocupou uma posição estratégica. Ele produz e lucra no Brasil da mão-de-obra barata e nos Estados Unidos da alíquota alfandegária elevada.


A laranja é a segunda principal fonte de riquezas da Flórida e o sexto produto mais importante da pauta de exportações agrícolas do Brasil. Esse choque de interesses coloca fazendeiros americanos e brasileiros num permanente estado de guerra, que envolve disputas diplomáticas e um pesado jogo de acusações. O deputado republicano pelo Estado da Flórida, Mark Foley, tem como plataforma combater os produtores brasileiros de suco. Ele defende que o governo americano use satélites militares para espionar os laranjais no Brasil. Num artigo recente, Andy LaVigne, diretor da associação dos produtores de suco de laranja da Flórida, escreveu que os brasileiros "só são competitivos porque se beneficiaram de vantagens trazidas de um passado de subsídios e dumping, ausência de proteção ambiental, legislação ineficiente contra trabalho infantil, desvalorizações cambiais freqüentes, oligopólio e manipulação dos preços futuros de concentrado".


A compra da fábrica da Coca-Cola por Cutrale tornou o ambiente ainda mais tenso. Há três anos, um funcionário da Cutrale na Flórida morreu em um acidente elétrico. O sindicato alegou falhas na segurança e organizou uma greve que durou seis semanas. Um ano depois, a demissão de um funcionário com mais de trinta anos de casa gerou nova onda de protestos. No terceiro episódio da disputa entre os empregados e a Cutrale, o sindicato denunciou a dispensa de 140 dos 200 funcionários em represália aos protestos.


Há alguns anos, a empresa tentou comprar uma fazenda para plantar laranja na Flórida. O departamento de meio ambiente do Estado barrou o projeto alegando que na área vive um pássaro raro. O negócio foi desfeito e meses depois a fazenda foi vendida a um rancheiro texano. Cutrale conta que para contornar mais dissabores desse tipo ele tenta manter uma boa relação com poderosos locais, como o governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush. Jeb Bush já o visitou no Brasil e escreveu uma carta de boas-vindas para José Luís quando a Cutrale comprou suas fábricas na Flórida. No texto, Jeb Bush agradece a Cutrale por criar empregos em seu Estado. A carta acabou emoldurada e, agora, decora seu escritório.


Manter a proximidade do poder é um traço da família Cutrale. Segundo conta José Luís, ele e seu pai foram recebidos por quase todos os presidentes da República nos últimos trinta anos. José Luís Cutrale recorda-se de uma cena constrangedora que protagonizou em Brasília, quando foi encontrar-se com FHC, então ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco. Depois de tomarem um chá-de-cadeira, Fernando Henrique recebeu ele e seu pai, mas interrompeu a reunião para ir ao Palácio do Planalto e não apareceu mais. "Ele falou que ia voltar, mas sumiu", disse José Luís a (in)VEJA.


Os Cutrale foram apresentados ao poder em 1972, quando a empresa foi escolhida a exportadora do ano. José Luís Cutrale acompanhou o pai na solenidade de premiação. Coube ao presidente Emílio Médici entregar o prêmio, em cerimônia realizada no Palácio da Guanabara, no Rio. "Eu e meu pai estávamos tremendo. Foi a primeira vez que entramos num palácio." Médici convidou os Cutrale para conversar depois da solenidade. No meio da conversa, pediu um cigarro a José Luís. Ele lembra que sentiu um calafrio. Tinha um maço de Minister guardado no bolso da calça, já meio amassado. Entregou um cigarro torto ao presidente da República, "igual a cigarro de bêbado". "O presidente fumou aquele cigarro torto, virado para baixo, e depois pediu outro. Era uma moça" (de delicadeza).


Fotos Claudio Rossi
O REI DO AÇÚCAR

Nome: Rubens Ometto, o maior exportador individual de açúcar de cana do mundo

Empresa: Grupo Cosan

Faturamento: 2,1 bilhões
de reais por ano

Patrimônio do grupo:
3,3 bilhões de reais
Cutrale soube cultivar um bom relacionamento no Palácio do Planalto. Gostava muito de José Sarney, mas admirava mesmo Fernando Collor, cuja campanha financiou. Ainda hoje o considera o político mais preparado para dirigir o país, "se não fossem aqueles problemas". O encantamento por Collor o ajudou a enfrentar a crise mais difícil que a família já atravessou. Em 1990, um tio de José Luís foi seqüestrado e os bandidos pediam 5 milhões de dólares para libertá-lo. O empresário ligou para o banqueiro Pedro Conde e pediu o dinheiro. Conde explicou que o Banco Central proibira os bancos de manter uma quantia expressiva em dólares no caixa. O governo havia decretado o confisco do dinheiro depositado nos bancos. Cutrale telefonou para o presidente Collor e explicou a situação. No dia seguinte, contou José Luís a VEJA, dois carros-fortes pararam em frente da casa de seu pai, em São Paulo, com o dinheiro do resgate. "Era tanto dinheiro que foram necessárias duas malas de viagem Samsonite para acomodar tudo", conta o empresário. Incumbido de negociar com os seqüestradores, Cutrale acabou libertando o tio em troca de 1,2 milhão de dólares.

A grande preocupação profissional da Cutrale é a Citrosuco, fundada pelo empresário alemão Carl Fischer, já falecido. A Citrosuco é quase do tamanho da Cutrale e foi responsável por alguns dos grandes lances no mercado mundial de laranja. Ela foi pioneira na assinatura de contratos com fábricas de concentrado de laranja nos Estados Unidos e também a primeira companhia a operar terminais portuários e navios especiais para o transporte de suco de laranja. Entrou no mercado seis anos antes da Cutrale, tinha capital e empregava os melhores técnicos do mundo. Por vinte anos a Cutrale sempre esteve atrás da Citrosuco. A


virada se deu depois que Carl Fischer morreu, em 1988. Nos últimos anos a Cutrale fez algumas jogadas de grande ousadia. Enquanto o concorrente lutava para abrir mercados no exterior, a Cutrale apostou que poderia ganhar o jogo intensificando a compra de laranjais. Segundo os especialistas, foi uma estratégia correta. O custo da caixa produzida em pomar próprio equivale a um terço do preço de mercado. Cerca de 40% do suco que a Cutrale produz é feito com laranja de seus pomares. A Citrosuco fabrica perto de 25% de suco com fruta dos próprios pomares, o que afeta seu lucro. Há dez anos, a empresa assumiu a liderança do mercado pela primeira vez e teme perdê-la. A diferença é muito pequena.


O REI DA SOJA

Nome: Blairo Maggi, o maior produtor individual do grão no mundo

Empresa: Grupo André Maggi

Faturamento: 1,3 bilhão de reais por ano

Patrimônio do grupo: 4,5 bilhões de reais
Em 2000, a Citrosuco fez uma investida pesada para retomar a liderança. Ricardo Ermírio de Moraes casou-se com uma das herdeiras da Citrosuco e passou a dirigir a empresa. Ele já havia trabalhado no negócio de laranja na Votorantim, empresa de sua família. À frente da Citrosuco, Ricardo moveu uma guerra de preços contra a Cutrale. A base de seu plano era conquistar plantadores de laranja que mantinham contrato com a Cutrale pagando a eles preços melhores pelas caixas colhidas. Frederico Oscar Hotz, presidente de uma cooperativa de produtores de laranja, confirma o abalo no mercado com a entrada de Ricardo Ermírio na Citrosuco. "Pela primeira vez existiu disputa de preço entre os fabricantes de suco", diz Hotz. A ação da Citrosuco durou cerca de dois anos, mas não funcionou. Os custos subiram, a lucratividade caiu e a liderança da Cutrale não foi abalada. O ataque parou depois que a Citrosuco perdeu 1,5 bilhão de reais com o confronto. O valor do prejuízo foi passado a (in)VEJA por analistas de mercado que tiveram acesso aos números. Ricardo foi afastado. Seu sucessor, Norberto Farina, recebeu orientação da família Fischer para fazer as pazes com o concorrente.

O Brasil rural possui uma presença significativa no comércio internacional. É o segundo maior exportador mundial de soja, segundo na produção de carne e o primeiro nas culturas de cana-de-açúcar e café. Considerados em bloco, os produtos de origem agropecuária representam 27% das exportações e vão gerar neste ano um superávit comercial superior a 20 bilhões de dólares. Quando observados em separado, o Brasil também se destaca em diversas culturas. Além do rei da laranja, o rei da soja é um brasileiro. Chama-se Blairo Maggi, é paranaense e se elegeu governador pelo Estado de Mato Grosso no ano passado. Colhendo o equivalente a 1,3 bilhão de reais em soja por ano, com produtividade até 30% superior à média americana, detém o posto de maior plantador individual do grão. É também brasileiro o rei do açúcar, Rubens Ometto, de tradicional família usineira paulista, cujo negócio movimenta mais de 2 bilhões de reais por ano. Seu grupo possui o título de maior produtor individual de açúcar do mundo. São dois entre muitos casos de sucesso que o campo tem produzido (e continua a produzir) no processo de retomada de crescimento econômico registrado dos últimos anos. Se a agricultura continuar a progredir, novos reis certamente surgirão.
Cutrale e o poder


Roberto Castro/AE
• COLLOR
O caso das malas de dinheiro

Luis Humberto
• MÉDICI
O caso do "cigarro de bêbado"

• JEB BUSH
O caso da carta do governador americano
Por Alexandre Secco e Felipe Patury

Fonte:http://tatodemacedo.blogspot.com

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Redes do império e realinhamentos do poder mundial

Cartaz concebido pelo rev. Briggs.




















por James Petras

Os estados imperialistas constroem redes que ligam as actividades económicas, militares e políticas num sistema coerente que se reforça mutuamente. Esta tarefa é desempenhada em grande parte pelas diversas instituições do estado imperialista.
Assim, a acção imperialista nem sempre é directamente económica, já que se torna necessária uma acção militar num país ou numa região para abrir ou proteger zonas económicas. Nem todas as acções militares são decididas por interesses económicos se o sector mais influente do estado imperialista for decisivamente militarista.
Além disso, a sequência da acção imperialista pode variar consoante as condições particulares necessárias para a construção do império. Assim, a ajuda do estado pode comprar colaboradores; a intervenção militar pode assegurar regimes clientes seguidos posteriormente por investidores privados. Noutras circunstâncias, a entrada de empresas privadas pode preceder a intervenção do estado.
Na penetração, quer privada quer estatal, liderada económica e/ou militarmente, como apoio à construção do império, o objectivo estratégico é explorar as características económicas e geopolíticas especiais do país visado para criar redes em que o império é o centro. No pós mundo colonialista eurocêntrico, a posição privilegiada dos EUA na sua política centrada no império, nos seus tratados, acordos comerciais e militares, é disfarçada e justificada por uma aura ideológica, que varia com o tempo e as circunstâncias. Na guerra para fragmentar a Jugoslávia e implantar regimes clientes, tal como no Kosovo, a ideologia imperialista utilizou a retórica humanitária. Nas guerras genocidas no Médio Oriente, é central a ideologia anti-terrorismo e anti-islâmica. Contra a China, predomina a retórica dos direitos democráticos e humanos. Na América Latina, o poder imperialista vacilante apoia-se na retórica democrática e anti-autoritária dirigida contra o governo de Chavez democraticamente eleito.
A eficácia da ideologia imperialista está em relação directa com a capacidade de o império promover alternativas de evolução viáveis e dinâmicas aos países visados. Por esses critérios a ideologia tem tido pouco poder de persuasão entre as populações visadas. A retórica islamofóbica e anti-terrorista não teve qualquer impacto nos povos do Médio Oriente e alienou o mundo islâmico. As lucrativas relações comerciais da América Latina com o governo de Chavez e o declínio da economia dos EUA corroeram a campanha ideológica de Washington para isolar a Venezuela. A campanha dos EUA pelos direitos humanos contra a China tem sido completamente ignorada em toda a UE, em África, na América Latina, na Oceânia e nas 500 maiores empresas americanas (e até mesmo no Tesouro dos EUA que se esforça por vender títulos do tesouro à China para financiar o inflado défice orçamental dos EUA).
A cada vez menor influência da propaganda imperialista e o cada vez menor peso económico de Washington, significam que as redes imperialistas americanas construídas durante os últimos cinquenta anos estão a ser corroídas ou pelo menos sujeitas a forças centrífugas. As redes, outrora totalmente integradas na Ásia, são actualmente meras bases militares à medida que as economias adquirem uma maior autonomia e se orientam para a China e para mais longe ainda. Por outras palavras, as redes imperialistas estão hoje a ser transformadas em postos avançados de operações limitadas, e já não são centros da pilhagem económica imperialista.

Redes imperialistas: O papel central dos colaboradores
A construção de um império é essencialmente um processo de penetração num país ou numa região, que institui uma posição privilegiada e que garante o controlo a fim de assegurar (1) recursos lucrativos, mercados e mão-de-obra barata (2) de instituir uma plataforma militar para se expandir a países e regiões vizinhos (3) bases militares para implantar um estrangulamento sobre estradas ou canais estratégicos a fim de permitir ou negar o acesso de competidores ou adversários (4) operações secretas e clandestinas contra adversários e competidores.
A história tem demonstrado que o custo mais baixo para manter um domínio a longo prazo e à escala imperialista é através do fomento de colaboradores locais sob a forma de dirigentes políticos, económicos e/ou militares que operam a partir de regimes clientes. Um domínio imperialista político-militar aberto resulta em guerras dispendiosas e divisões, principalmente entre uma ampla panóplia de classes negativamente afectadas pela presença imperialista.
A formação de dirigentes e classes colaboracionistas resulta de várias políticas imperialistas a curto e longo prazo que vão desde actividades directas militares, eleitorais e extra-parlamentares até ao recrutamento a médio e longo prazo, à formação e à orientação de jovens dirigentes promissores através da propaganda e de programas educacionais, atractivos culturais-financeiros, promessas de apoio político e económico para acesso a cargos políticos e através de substancial apoio financeiro clandestino.
O apelo mais básico feito pelos políticos imperialistas à "nova classe dirigente" num estado cliente emergente é a oportunidade de participar num sistema económico ligado aos centros imperialistas, em que as elites locais partilham a riqueza económica com os seus benfeitores imperialistas. Para garantir o apoio das massas, as classes colaboradoras escondem as novas formas de subserviência imperialista e de exploração económica realçando a independência política, a liberdade pessoal, as oportunidades económicas e o consumismo privado.
Os mecanismos para a transferência de poder para um estado cliente emergente aliam a propaganda imperialista, o financiamento de organizações de massas e de partidos eleitoralistas, assim como de violentos golpes de 'levantamentos populares'. Os regimes autoritários burocraticamente ossificados que se apoiam em controlos policiais para limitar ou combater a expansão imperialista são "alvos fáceis". As campanhas selectivas em defesa dos direitos humanos tornam-se na arma organizativa mais eficaz para recrutar activistas e promover dirigentes para a nova ordem política centrada no imperialismo. Logo que ocorre a transferência de poder, os membros anteriores da elite política, económica e cultural são exilados, reprimidos, detidos e presos. Emerge uma nova cultura política homogénea de partidos rivais que aderem à nova ordem mundial de centro imperialista. A primeira palavra de ordem a nível de negócios, a seguir à purga política, é a privatização e a entrega dos postos de comando da economia às empresas imperialistas. Os regimes clientes tratam de fornecer soldados que se oferecem como mercenários pagos para guerras imperialistas e de transferir bases militares para as forças imperialistas como plataformas de intervenção. Toda esta "pantomima pela independência" é acompanhada pelo desmantelamento maciço dos programas públicos de bem-estar social (pensões, saúde e educação gratuitas), códigos de trabalho e políticas de pleno emprego. A promoção de uma estrutura de classes altamente polarizada é a consequência final de domínio do estado cliente. As economias dos regimes clientes, centradas no imperialismo, enquanto réplicas de qualquer vulgar estado sátrapa, são justificadas (ou legitimadas) em nome de um sistema eleitoral alegadamente democrático – na verdade um sistema político dominado pelas novas elites capitalistas e pelos seus meios de comunicação fortemente financiados.
Os regimes centrados no imperialismo dirigidos por elites colaboracionistas, que vão desde os estados balcânicos, Europa central e de leste até aos Balcãs, são o exemplo mais flagrante da expansão imperialista no século XX. O desmantelamento e conquista da União Soviética e do bloco de leste e a sua incorporação na aliança da NATO, liderada pelos EUA, e na União Europeia resultaram num excesso de confiança imperialista. Washington fez declarações prematuras de um mundo unipolar enquanto a Europa ocidental continuava a pilhar recursos públicos, desde fábricas a imobiliário, explorando a mão-de-obra barata, no ultramar e através da imigração, constituindo um formidável 'exército de reserva' para corroer os padrões de vida da força de trabalho sindicalizada no Ocidente.
A unidade de objectivos dos regimes imperialistas europeus e americano permitiu a apropriação pacífica da riqueza das novas regiões através de monopólios privados. Os estados imperialistas subsidiaram inicialmente os novos regimes clientes com transferência em grande escala e empréstimos sob a condição de eles permitirem que empresas imperialistas se apoderassem de recursos, património, terras, fábricas, sectores de serviços, meios de comunicação, etc. Pesadamente endividados os estados passaram de crises agudas no período inicial para um crescimento 'espectacular', até chegarem a profundas e crónicas crises sociais de desemprego de dois dígitos num período de 20 anos de construção do estado cliente. Enquanto aumentavam os protestos dos trabalhadores à medida que os salários se degradavam, o desemprego aumentou e foram cortadas as prestações de benefício social. Mas a 'nova classe média' embrenhada nos aparelhos políticos e de comunicação social e em empresas económicas mistas são suficientemente financiadas por instituições financeiras imperialistas para proteger o seu domínio.
Contudo, a dinâmica da expansão imperialista no leste, centro e sul da Europa não proporcionou o impulso para um avanço estratégico, por causa da ascendência do capital financeiro altamente volátil e duma poderosa casta militar nos centros políticos euro-americanos. Em aspectos importantes, a expansão militar e política deixou de estar atrelada à conquista económica. O que se verificou foi o inverso: a pilhagem económica e o domínio político serviram de instrumento para projectar o poder militar.

Sequências imperialistas: Da guerra para a exploração à exploração pela guerra

As relações entre políticas imperialistas militares e interesses económicos são complexas e mudam com o tempo e o contexto histórico. Em determinadas circunstâncias, um regime imperialista pode investir fortemente em pessoal militar e aumentar as despesas monetárias para derrubar um dirigente anti-imperialista e implantar um regime cliente muito para além de qualquer retorno económico estatal ou privado. Por exemplo, as guerras dos EUA no Iraque e no Afeganistão, as guerras por procuração na Somália e no Iémen não proporcionaram grandes lucros às empresas multinacionais americanas nem estimularam a exploração privada de matérias-primas, mão-de-obra ou mercados. Quando muito, as guerras imperialistas deram lucros a empreiteiros mercenários, a empresas de construção e a 'indústrias de guerra' afins que beneficiaram de transferências do Tesouro dos EUA e da exploração dos contribuintes americanos, na sua maioria assalariados e trabalhadores por conta de outrem.
Em muitos casos, especialmente depois da II Guerra Mundial, o emergente estado imperialista americano gastou muitos milhares de milhões de dólares de empréstimos num programa de ajuda à Europa ocidental. O Plano Marshall evitou levantamentos sociais anti-capitalistas e recuperou o domínio político capitalista. Isso permitiu o aparecimento da NATO (uma aliança militar liderada e dominada pelos EUA). Subsequentemente, as empresas multinacionais americanas investiram e negociaram com a Europa ocidental recolhendo receitas lucrativas, visto que o estado imperialista criara condições políticas e económicas favoráveis. Por outras palavras, a intervenção político-militar do estado imperialista precedeu a ascensão e expansão do capital multi-nacional americano. Uma análise míope a curto prazo da actividade inicial pós-guerra subestimaria a importância dos interesses económicos privados americanos enquanto força motora da política dos EUA. Alargando o período de tempo às duas décadas seguintes, a interacção entre as grandes despesas iniciais estatais, militares e económicas com os posteriores altos ganhos privados, ficamos com um exemplo perfeito de como funciona o processo do poder imperialista.
O papel do estado imperialista enquanto instrumento para abrir, proteger e expandir o mercado privado, a exploração da força de trabalho e dos recursos corresponde a uma altura em que tanto o estado como as classes dominantes estavam principalmente motivados pela construção do império industrial.
A intervenção militar directa dos EUA e os golpes no Irã (1953), na Guatemala (1954), no Chile (1973), na República Dominicana (1965) estiveram ligados a interesses económicos específicos e a empresas imperialistas específicas. Por exemplo, os EUA e as empresas petrolíferas inglesas tentaram inverter a nacionalização do petróleo no Irã. A United Fruit Company, dos EUA, opôs-se à política de reforma agrária na Guatemala. As mais importantes companhias americanas de cobre e de telecomunicações apoiaram e apelaram ao golpe no Chile, patrocinado pelos EUA.
Em contraste, as actuais intervenções militares e guerras dos EUA no Médio Oriente, no sul da Ásia e no Corno de África não são promovidas por multi-nacionais americanas. A política imperialista é promovida por militaristas e sionistas infiltrados no estado, nos meios de comunicação e nas poderosas organizações 'civis'. Os mesmos métodos imperialistas (golpes e guerras) servem diferentes dirigentes imperialistas e seus interesses.

Regimes clientes, aliados e fantoches

As redes imperialistas envolvem garantir uma série de 'bases de recursos' complementares, económicas, militares e políticas, que fazem parte do sistema imperialista mas mantêm graus diversos de autonomia política e económica. Nas fases dinâmicas iniciais da construção do Império americano, por volta de 1950-1970, as empresas multinacionais americanas e a economia americana no seu conjunto dominaram a economia mundial. Os seus aliados na Europa e na Ásia estavam fortemente dependentes dos mercados, do financiamento e do desenvolvimento dos EUA. A hegemonia militar dos EUA reflectia-se numa série de pactos militares regionais que garantiam um apoio quase imediato às guerras regionais americanas, aos golpes militares e à construção de bases militares e de portos navais americanos no seu território. Os países estavam divididos em 'especializações' que serviam os interesses especiais do Império americano. A Europa ocidental era uma base avançada militar, um parceiro industrial e um colaborador ideológico. A Ásia, sobretudo o Japão e a Coreia do Sul, serviam de 'postos avançados militares de primeira linha', assim como de parceiros industriais. A Indonésia, a Malásia, as Filipinas eram essencialmente regimes clientes que forneciam matérias-primas assim como bases militares. Singapura e Hong Kong eram entrepostos financeiros e comerciais. O Paquistão era um regime militar cliente que servia de pressão na linha da frente sobre a China. A Arábia Saudita, o Irã e os mini-estados do Golfo, governados por regimes autoritários clientes, forneciam o petróleo e bases militares. O Egipto e a Jordânia e Israel asseguravam os interesses imperialistas no Médio Oriente. Beirute funcionava como centro financeiro para os banqueiros americanos, europeus e do Médio Oriente.
A África e a América Latina, que incluíam regimes clientes e nacionalistas-populistas, eram uma fonte de matérias-primas e de mercados para produtos acabados e também mão-de-obra barata. A prolongada guerra EUA-Vietnã e a subsequente derrota de Washington corroeram o poder do império. A expansão industrial na Europa ocidental, no Japão e na Coreia do Sul desafiou o predomínio industrial dos EUA. A procura da América Latina de políticas nacionalistas, de substituição das importações, forçaram o investimento dos EUA a dirigir-se para a manufactura ultramarina. No Médio Oriente os movimentos nacionalistas derrubaram os clientes dos EUA no Irão e no Iraque e corroeram os postos avançados militares. As revoluções em Angola, Namíbia, Moçambique, Argélia, Nicarágua e noutros locais cortaram o acesso 'aberto' euro-americano a matérias-primas, pelo menos temporariamente.
O declínio do Império americano foi temporariamente suspenso pelo colapso do comunismo na União Soviética e na Europa de leste e a implantação de regimes clientes por toda a região. Do mesmo modo, a onda de regimes clientes centrados no imperialismo na América latina, entre os meados dos anos 70 e os finais dos anos 90, deu a impressão duma recuperação imperialista. Mas a década de 90 não foi o início da repetição da descolagem imperialista do início dos anos 50; foi o "último hurra" antes de um declínio irreversível a longo prazo. Todo o aparelho político imperialista, que tanto êxito teve nas suas operações clandestinas para subverter os regimes soviéticos e europeus de leste, desempenhou um papel secundário quando se tratou de capitalizar as oportunidades económicas que se seguiram. A Alemanha e outros países da UE lideraram o caminho na conquista das lucrativas empresas capitalizadas. As oligarquias russas-israelenses (sete das oito principais) apoderaram-se e pilharam indústrias estratégicas privatizadas, bancos e recursos naturais. Os principais beneficiários americanos foram os bancos e empresas de Wall Street que lavaram milhares de milhões de ganhos ilícitos e cobraram comissões lucrativas a partir de fusões, aquisições, listas de acções e outras actividades menos que transparentes. Por outras palavras, o colapso do colectivismo soviético fortaleceu o sector financeiro paradisíaco do Império americano. Pior ainda, o conceito de um "mundo unipolar" tão gabado pelos ideólogos americanos, favoreceu os militaristas, que a partir daí se convenceram de que os anteriores constrangimentos em relação aos ataques militares dos EUA aos nacionalistas e seus aliados soviéticos tinham desaparecido. Em consequência, a intervenção militar tornou-se a principal força motora na construção do império americano que descambou na primeira guerra do Iraque, na invasão da Jugoslávia e da Somália, e na expansão de bases militares americana por todo o antigo bloco soviético e Europa de leste.
As sementes da decadência e do declínio foram lançadas em pleno auge do poder político e militar global dos EUA durante os anos 90, quando todos os principais regimes latino-americanos se encontravam envolvidos na trama neo-liberal centrada no imperialismo. As crises económicas dos finais dos anos 90 levaram a grandes levantamentos e derrotas eleitorais em praticamente todos os clientes americanos na América Latina, anunciando o declínio do domínio imperialista americano. O extraordinariamente dinâmico e cumulativo crescimento da China desalojou a manufactura americana e enfraqueceu o poder negocial dos EUA perante governantes na Ásia, na África e na América Latina. A enorme transferência de recursos estatais americanos para aventuras imperialistas ultramarinas, bases militares e apoio a clientes e aliados levou ao declínio interno.
O império americano, enfrentando passivamente os competidores económicos que despojavam os EUA de mercados vitais e metendo-se em guerras prolongadas e infindáveis que esgotavam o tesouro, atraiu uma legião de políticos medíocres a que faltava uma estratégia coerente para rectificar políticas e reconstruir o estado para vitalizar uma actividade produtiva capaz de 'reconquistar mercados'. Pelo contrário, as políticas de guerras sem fim e insustentáveis favoreceram um sub-grupo especial (sui generis) de militaristas, os sionistas americanos. Tiraram benefícios da sua infiltração em posições estratégicas do estado, reforçaram a sua influência nos meios de comunicação de massas e numa ampla rede de "grupos de pressão" organizados para reforçar a subordinação dos EUA à tendência de Israel para a supremacia do Médio Oriente.
O resultado foi o total "desequilíbrio" do aparelho imperialista americano: a acção militar foi desligada da construção do império económico. Uma casta superior altamente influente de militaristas sionistas atrelou o poder militar dos EUA a um estado economicamente marginal (Israel), numa hostilidade permanente para com 1,5 mil milhões no mundo muçulmano. Igualmente devastador, os ideólogos e políticos sionistas americanos promoveram instituições repressivas, legislação e propaganda ideológica islamofóbica destinada a aterrorizar a população americana. Uma ideologia islamofóbica igualmente importante serviu para justificar a guerra permanente no sul da Ásia e no Médio Oriente e os exorbitantes orçamentos militares, numa altura de aguda deterioração das condições sócio-económicas internas. Gastaram-se centenas de milhares de milhões de dólares improdutivamente na "Segurança Interna" que tentou por todos os meios recrutar, treinar, enquadrar e prender muçulmanos afro-americanos como "terroristas". Milhares de agências secretas, com centenas de milhares de funcionários a nível local, estatal e nacional, espiaram os cidadãos americanos que, em qualquer altura, pudessem ter tentado falar ou agir para corrigir ou reformar as políticas militaristas-financeiras-sionistas centradas no imperialismo.
No final da primeira década do século XXI, o império dos EUA só conseguiu destruir adversários (Iraque, Paquistão e Afeganistão), provocar tensões militares (península da Coreia, Mar da China) e corroer as relações com parceiros comerciais potencialmente lucrativos (Irã, Venezuela). Um autoritarismo galopante fundiu-se com a quinta coluna do militarismo sionista para fomentar a ideologia islamofóbica. A convergência de mediocridades autoritárias, vigaristas em ascensão e lealistas tribais da quinta coluna no regime de Obama impediu qualquer recuo previsível da decadência imperialista.
A crescente rede económica global da China e o avanço dinâmico na modernização da tecnologia aplicada em tudo, desde as energias alternativas aos comboios de alta velocidade, contrastam com o império americano, infestado de militaristas-sionistas. As exigências dos EUA aos governantes do Paquistão cliente para esgotar o seu tesouro em apoio de guerras islâmicas americanas no Afeganistão e no Paquistão, contrastam com os 30 mil milhões de dólares de investimentos chineses em infra-estruturas, energia e electricidade e os aumentos de muitos milhares de milhões de dólares no comércio.
Os subsídios militares de 3 mil milhões de dólares dos EUA a Israel contrastam com os investimentos de muitos milhares de milhões de dólares em petróleo iraniano e acordos comerciais. O financiamento dos EUA das guerras contra os países islâmicos no sul e centro da Ásia contrasta com a expansão do comércio económico da Turquia e os acordos de investimento na mesma região. A China substituiu os EUA enquanto parceiro comercial chave em importantes países da América do sul, enquanto que os desiguais acordos "de comércio livre" (NAFTA) empobrecem o México. O comércio entre a União Europeia e a China ultrapassa o dos EUA.
Na África, os EUA subsidiam as guerras na Somália e no Chifre da África, enquanto a China assina um investimento de muitos milhares de milhões de dólares e acordos comerciais, construindo infra-estruturas africanas em troca do acesso a matérias-primas. Ninguém tem dúvidas de que o futuro económico de África cada vez está mais ligado à China.
O Império dos EUA, em contraste, está num abraço mortal com um insignificante estado militarista colonialista (Israel), com estados falidos no Iémen e na Somália, com regimes clientes estagnados e corruptos na Jordânia e no Egipto e com os decadentes estados petrolíferos absolutistas e cobradores de rendas da Arábia Saudita e do Golfo. Todos eles fazem parte duma coligação atávica improdutiva apostada em manter o poder através da supremacia militar. No entanto, os Impérios do século XXI constroem-se na base de economias produtivas com redes globais ligadas a parceiros comerciais dinâmicos. Reconhecendo a supremacia económica e as oportunidades de mercados que começam a fazer parte da rede global chinesa, antigos ou actuais clientes dos EUA e até mesmo governantes fantoches começaram a desviar-se da submissão aos ditames americanos. Ocorreram por toda a América Latina viragens fundamentais nas relações económicas e nos alinhamentos políticos. O Brasil, a Venezuela, a Bolívia e outros países apoiam o programa nuclear não militar do Irão desafiando a agressão de Washington liderada pelos sionistas. Vários países desafiaram os políticos de Israel-EUA reconhecendo a Palestina enquanto estado. O comércio com a China ultrapassa o comércio com os EUA nos maiores países da região.
Os regimes fantoches no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão assinaram importantes acordos económicos com a China, o Irã e a Turquia apesar de os EUA injectarem milhares de milhões de dólares para reforçar a sua posição militar. A Turquia, um antigo cliente militar do comando EUA-NATO alarga a sua procura de hegemonia capitalista expandindo laços económicos com o Irão, a Ásia central e o mundo árabe-muçulmano, desafiando a hegemonia militar EUA-Israel.
O Império americano ainda mantém importantes clientes e perto de um milhar de bases militares em todo o mundo. À medida que os regimes clientes e fantoches diminuem, Washington aumenta o papel e o âmbito das operações de esquadrões de morte extra-territoriais de 50 para 80 países. A crescente independência de regimes no mundo em desenvolvimento é alimentada sobretudo por um cálculo económico: a China oferece maiores retornos económicos e menor interferência político-militar do que os EUA.
A rede imperialista de Washington cada vez se baseia mais em ligações militares com aliados: com a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul, Formosa no Extremo Oriente e na Oceânia; com a União Europeia no ocidente; e com um pequeno conjunto de países na América central e do sul. Mesmo assim, os aliados militares já não são dependências económicas: os principais mercados de exportação da Austrália e da Nova Zelândia estão na Ásia (China). O comércio UE-China está a crescer exponencialmente. O Japão, a Coreia do Sul e Taiwan estão cada vez mais ligados à China, através do comércio e dos investimentos… tal como o Paquistão e a Índia.
Estão a desenvolver-se na América Latina e na Ásia novas redes regionais igualmente importantes, que excluem os EUA, criando potencial para novos blocos económicos. Por outras palavras, a rede económica imperialista americana, construída após a II Guerra Mundial e amplificada pelo colapso da URSS, está num processo de decadência, apesar de as bases militares e tratados se manterem como uma 'plataforma' formidável para novas intervenções militares.
O que é claro é que os ganhos militares, políticos e ideológicos na construção da rede dos EUA em todo o mundo, obtidos com o colapso da URSS e as guerras pós-soviéticas, não são sustentáveis. Pelo contrário o exagerado desenvolvimento do aparelho ideológico-militar-segurança suscitou expectativas económicas e esgotou recursos económicos o que resultou na incapacidade de explorar oportunidades económicas ou consolidar redes económicas. Os "levantamentos populares" na Ucrânia, financiados pelos EUA, levaram a regimes clientes incapazes de promoverem o crescimento. No caso da Geórgia, o regime meteu-se numa guerra aventureira com a Rússia que resultou em prejuízos comerciais e territoriais. É uma questão de tempo até que os regimes clientes no Egipto, na Jordânia, na Arábia Saudita, nas Filipinas e no México enfrentem importantes revoltas, devido às bases precárias de governos de dirigentes corruptos, estagnados e repressivos.
O processo de decadência do Império americano é causa e consequência do desafio das potências económicas emergentes que estabelecem centros alternativos de crescimento e desenvolvimento. As mudanças no interior de países na periferia do império e o crescente endividamento e défices comerciais no 'centro' do império estão a corroer o império. A actual classe governante dos EUA, tanto na variante financeira como militarista, não mostra nem vontade nem interesse em enfrentar as causas da decadência. Pelo contrário, apoiam-se mutuamente uma à outra: o sector financeiro baixa os impostos afundando a dívida pública e pilha o tesouro. A casta militar esgota o tesouro na manutenção de guerras e bases avançadas militares e aumenta o défice comercial sabotando as iniciativas comerciais e investimentos.

02/Janeiro/2011
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/articulo.php?p=1834&more=1&c=1.
Tradução de Margarida Ferreira.


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