quinta-feira, 22 de outubro de 2009

As laranjas podres da Cutrale


por Michelle Amaral da Silva contribuições de Aline Scarso

Novo “Eldorado” foi prometido para trabalhadores sem-terra, mas é invadido ilegalmente pelo agronegócio.

Quando as 250 famílias, entre acampados e assentados, ocuparam, em 28 de setembro, a fazenda Capim pela quinta vez, não imaginavam que a ação repercutiria em nível nacional e colocaria novamente às claras a questão do conflito pela terra e a morosidade da reforma agrária no campo brasileiro.
A fazenda está instalada em 10 mil hectares de terras públicas, na mesma região em que famílias de sem-terra estão acampadas há pelo menos dois anos. A área é utilizada ilegalmente para o plantio de laranjas pela empresa Sucrocítrico Cutrale e pertence a uma extensão ainda maior de terras da União, chamada de Núcleo Monções.
O Núcleo compreende cerca de 30 mil hectares de terras localizadas entre os municípios de Iaras, Lençóis Paulista e Borebi, no centro-oeste do estado de São Paulo. A maior parte dessas terras é ocupada ilegalmente por empresas ligadas à pecuária extensiva e ao agronegócio de madeira, cana-de-açúcar e laranja. O mesmo local, entretanto, foi prometido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) aos sem-terras, que se deslocaram pela mesma motivação: a abundância de terras públicas. Em 8 de agosto de 2007, 78 famílias migraram para a regional de Iaras, acompanhadas posteriormente por outras 66 famílias.
A maioria era oriunda da região do Pontal de Paranapanema, localizada a mais 320 km dali, próxima às divisas dos estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, no extremo oeste paulista. Pressionar o governo Numa dessas levas, veio o dirigente regional da Frente de Massas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Légas (que teve o sobrenome omitido como forma de resguardar sua identidade). Ele explica que a área é ocupada pelos sem-terra desde 1995.
A tática é pressionar o governo ao explicitar a contradição existente no fato de áreas públicas serem ocupadas por empresas privadas e acelerar, assim, a reforma agrária na região. Além de denunciar a grilagem das terras, os sem-terras têm expectativa de viver delas um dia. No entanto, passados quase 15 anos, a maior parte dos hectares continua sob domínio de empresas privadas, a exemplo dos 1.5 mil ocupados por madeireiras.
A terra – já desgastada e poluída pelos resíduos da monocultura de pinhos – será destinada às famílias apenas em 2012, quando serão cortados os pés da cultura. Onze áreas na região também estão em processo lento de desapropriação. Já a Sucocítrico Cutrale instalou-se em terras públicas há pouco mais de quatro anos. O próprio órgão do governo reconhece a ilegalidade.
De acordo com o nota divulgada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Justiça Federal deu a posse do imóvel ao Incra, em 2007. De fato, apenas 30% da área foi desapropriada.
No local, existe o assentamento Zumbi dos Palmares, que abriga 18 famílias desde outubro de 2008. O restante delas estão acampadas em um antigo horto florestal da União, enquanto aguardam a desocupação das terras públicas pela Cutrale. A saída da empresa significaria o assentamento de mais 400 famílias. Motivadas por essa expectativa, assentados e acampados partiram para a quinta ocupação da fazenda Capim no dia 28 de setembro e por lá ficaram dez dias. A derrubada das laranjas Nesse mesmo dia, a Polícia Militar gravou as imagens de sem-terras manejando tratores que derrubaram sete mil de pés de laranja, de acordo com as estatísticas da própria corporação.
Em protesto, os trabalhadores rurais plantariam feijão no lugar de parte da monocultura. A quantidade derrubada corresponde a de 0,7% do 1 milhão dos pés de laranja na fazenda. Com a ocupação, os sem-terras tentavam garantir uma reunião com o superintendente do Incra para tratar da situação jurídica da fazenda. No entanto, uma decisão da Justiça de Lençóis Paulista determinou que os sem-terra deixassem à área, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 500 por pessoa.
No dia 7 de outubro de 2009, as famílias voltaram de caminhão aos acampamentos e assentamentos, após ameaças de prisão e uso da força de 200 policiais. Dois dias antes, a Rede Globo resolveu mostrar as imagens filmadas pela PM e as repetiu, constantemente, em seus jornais. O fato reascendeu o debate no Congresso para a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por deputados e senadores com o objetivo de questionar se recursos públicos são supostamente utilizados de forma ilegal pelo MST.
A primeira tentativa de instalação da CPMI havia sido barrada quando 44 deputadores retiraram suas assinaturas do requerimento de instalação da Comissão. Lideranças políticas de nível nacional se manifestaram contra o ato dos acampados, caracterizando a ação como vandalismo. Esse foi o posicionamento de autoridades como o governador de São Paulo e futuro possível candidato do PSDB à presidência, José Serra, e do próprio presidente Lula. Toda a grande imprensa se posicionou contrária ao MST. O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM/GO) chegou a declarar que o movimento seria “terrorista”.
“Sem vandalismo”
Foi sem surpresa que Légas recebeu o teor das declarações. “A própria Justiça age de má-fé com os movimentos sociais, principalmente o MST. Eles são governo e devem defender o patrimônio do governo. Nós defendemos nossas terras, que estão nas mãos dessas empresas”, sentencia. “Não estamos aqui para fazer vandalismo, como dizem. A Cutrale acha que tem mais direito sobre essas terras do que todos que estão aqui, mas nós não achamos isso. Da minha parte, eu volto lá e ocupo novamente. Não me intimida o que eles falam na imprensa”, afirmou a acampada Cristina, que participou ativamente da ocupação. Pouco tempo depois da divulgação das imagens, os ocupantes passaram a ser acusados de destruir maquinários e outros bens da Cutrale, roubar 15 mil litros de combustíveis e furtar pertences das famílias que trabalham para a empresa.
Os sem-terra negam a depredação. “Isso foi invenção da cabeça deles. Por que não nos revistaram? O que nós faríamos com combustível aqui?” indaga Cristina. “Quando nós chegamos ao local, parte dos tratores já estava em manutenção. Tinha vários desmontados e esses nós não utilizamos. Utilizamos apenas alguns para preparar o solo para a produção”, conta Légas.
Os sem-terra não imaginaram que poderia haver manipulação dos fatos e forjamento de provas, explica Cristina. “Não imaginamos que a polícia pudesse forjar a destruição”. Apesar da acusação, a Polícia Militar não tem nenhuma imagem da depredação.
A desocupação pacífica foi filmada pela imprensa. O MST, que organiza as famílias, anunciou que seria favorável à criação de uma comissão independente para as investigações.
Fonte: Jornal Brasil de Fato

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