domingo, 31 de outubro de 2010

Mais pressões e despejos na periferia de São Paulo


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Brasil de Fato - Desta vez moradores da Vila Rubi, (zona sul da capital) realizaram um protesto contra a derrubada de casas.

Moradores da Vila Rubi, no bairro Cidade Dutra (zona sul de São Paulo) realizaram na terça-feira (20) um protesto contra a derrubada de casas e a falta de políticas habitacionais para as famílias.

Os moradores se digiram à sede da construtora Santa Bárbara, contratada pela Prefeitura para realizar cadastros e efetuar a remoção de casas que estariam localizadas em zonas de risco.

Situada em área de manancial, desde o inicio do ano, a Vila Rubi passapor trabalhos de canalização e despoluição dos córregos. As obras fazem parte do "Programa Mananciais", desenvolvido pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), que prevê a recuperação do entorno das represas Guarapiranga e Billings.

Os moradores que perdem suas casas, porém, não são indenizados. Eles também reclamam de pressões para deixar a área e de falta de alternativas de moradia. A única alternativa apresentada é o auxílio-aluguel (também chamado cheque-despejo), no valor de 400 reais e válido por seis meses. Moradora da Vila Rubi há 26 anos, Mara conta que os cheques são oferecidos diretamente por assistentes sociais da construtora Santa Bárbara. "As assistentes sociais procuram as famílias toda semana e fazem a proposta [de aceitarem o cheque]. E elas dizem, 'vocês [moradores] têm que se virar", relata.

O valor do cheque, no entanto, é considerado insuficiente para alugar outra casa na região, que passa por uma supervalorização dos imóveis. A insegurança e o medo de não conseguir outra casa leva, assim, muitas famílias a resistirem em suas residências. Neste caso, segundo Mara, as assistentes oferecem uma quantia – que varia entre cinco e dez mil reais - para quem deixar a área e retornar a seu local de origem. "Muita gente, menos esclarecida, acaba aceitando [ir embora]", lamenta Mara.

Protesto

Mara conta que, no momento em que as famílias chegavam à sede da construtora Santa Bárbara, vários moradores se preparavam para aceitar o cheque-despejo. Segundo ela, ao serem informados dos motivos do protesto, muitos desistiram e aderiram à manifestação. "O pessoal achou que era obrigado a sair das casas", relata.

Os moradores tentaram uma audiência com representantes da construtora, mas conseguiram apenas, por meio de um engenheiro, um número de telefone para tentar marcar uma reunião.

As famílias cobram mais informações sobre os seus reassentamentos. Mara conta que, em reunião na comunidade no início do ano, representantes da Prefeitura prometeram que as famílias receberiam, futuramente, moradias definitivas. Até hoje, porém, eles não receberam definições sobre prazos para a entrega ou sobre e forma de obtenção dos imóveis.

Os moradores também pressionam para que a demolição das casas seja suspensa. Segundo Mara, o trabalho das máquinas tem prejudicado a estrutura das casas vizinhas, colocando em risco a vida dos seus habitantes. "Conforme eles [técnicos] vão derrubando as casas, as outras [casas] vão rachando", afirma.

A falta de segurança durante a derrubada das casas também é destacada pela educadora social do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) de Interlagos, Adriana Oliveira. De acordo com ela, as demolições ocorrem sem o devido isolamento do local. "É absurdo fazer demolições com crianças na área, sem segurança alguma", critica.

A educadora social informa ainda que a situação das crianças tem sido levada ao Conselho Tutelar e Defensoria Pública do Estado, em função das consequencias provocadas pelos despejos. "É uma grave violação a criança perder sua casa e perder o vínculo com a escola. Há casos em que pais e filhos se separam", detalha.

Especulação

De acordo com Adriana, as denúncias de violações de direitos humanos aumentaram não apenas na Vila Rubi, mas em todas as região afetadas por obras de intervenção urbanística. Ela cita, como exemplos, as comunidades XIX e XX, Parque Cocaia I e Jardim Toca.

Além do "Programa Mananciais", a Prefeitura executa na zona sul a Operação Urbana Defesa das Águas, em parceria com o governo do Estado, também com foco na despoluição e "reurbanização" de áreas de mananciais.

A realização de obras coincide com o crescimento do setor imobiliário na região, sobretudo de empreendimentos de alto padrão. De acordo com Mara, já existem construções em andamento em terrenos onde, anteriormente, viviam comunidades pobres.

Para a moradora, a realização das intervenções tem como intuito principal a "limpeza" da área, que vai ao encontro da especulação imobiliária. "Alegam [poder público] que estão protegendo a natureza, mas não estão mexendo nas grandes mansões, nos casarões", alerta Mara.

Casos como o da Vila Rubi se verificam em várias regiões de São Paulo, onde intervenções urbanísticas semelhantes já levaram à realocação de milhares de pessoas. Em Paraisópolis, também na zona sul, um projeto de "urbanização de favelas" - apresentado como modelo pela Sehab - tirou centenas de famílias de suas casas. Já na zona leste, cerca de 28 mil famílias devem ser removidas para a construção do Parque Várzeas do Tietê, já anunciado como o maior parque linear do mundo.

"Eles tiram o pobre do centro e jogam pra periferia. Da periferia eles jogam para a rua. Não tem mais lugar para pobre em São Paulo", conclui Mara.

Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Habitação não retornou as mensagens enviadas.

Foto: Joelma Couto

Fonte: Diário da Liberdade

Prefeitura defende remoções forçadas e urbanista explica ciclo do despejo na cidade

Ontem (27) a Folha publicou mais uma matéria sobre remoções forçadas causadas por projetos desenvolvidos pelo poder público na cidade de São Paulo. Abaixo segue a matéria na qual a prefeitura defende os despejos sem oferta de moradia adequada à população. E, na sequencia, um interessante artigo da urbanista Mariana Fix, que problematiza a questão e explica a lógica do ciclo do despejo como política pública.
Prefeitura defende despejo mesmo sem oferta de moradia

Para secretário da Habitação, aluguel de casa é alternativa para quem vive em área de risco

JOSÉ BENEDITO DA SILVA
DE SÃO PAULO

O secretário municipal de Habitação, Ricardo Pereira Leite, defendeu a retirada de famílias de casas irregulares em áreas de risco mesmo que a prefeitura não possa lhes oferecer moradia definitiva. Hoje, a cidade de São Paulo tem 12 mil famílias recebendo dinheiro da prefeitura para alugar um imóvel. Na segunda-feira, reportagem da Folha mostrou que o Estado vive o maior despejo coletivo de sua história -165 mil perderão sua casas até 2015- e que a maioria é desalojada sem ter para onde ir.

“Em Nova York, 70% dos imóveis são alugados. O presidente da Cohab de lá vive num imóvel alugado. O aluguel é uma forma de provisão de moradia, embora continue sendo necessária a oferta de uma moradia fixa”, diz. Elisabete França, superintendente de habitação popular da secretaria, concorda. “Quantas pessoas de classe média, estudantes, vivem hoje em casas de aluguel?” Segundo ela, os contemplados pelo auxílio-aluguel recebem um termo de compromisso da prefeitura de que terão imóvel definitivo.

Para o secretário, o importante é retirar as famílias de áreas de risco. “No ano passado, algumas pessoas morreram. A gente precisa fazer isso [o despejo]. Temos de, ao mesmo tempo, produzir [imóveis] e zelar pela vida.” Segundo a secretaria, o município precisa mais que dobrar o gasto hoje com habitação para dar conta da demanda -há 800 mil vivendo em moradias inadequadas. O município aplica R$ 1,5 bilhão por ano em habitação, mas o ideal seriam R$ 3,6 bilhões -o Orçamento da cidade para 2011 será de R$ 34,6 bilhões. A prefeitura investe 61% do total, seguida da União (24%) e Estado (15%).

EQUÍVOCO
Para Carlos Loureiro, defensor público de habitação e urbanismo, é um equívoco retirar pessoas de suas casas sem ter moradia definitiva.
“Transfere a responsabilidade para a pessoa. E ela tem de lidar com o mercado de locação, muito sensível à lei da oferta e da procura. Você estimula uma grande procura, os preços variam com muita intensidade e o valor do auxílio se revela insuficiente.”

A desempregada Cássia Ferreira Lopes, 32, é um exemplo de como o auxílio-aluguel pode dar errado. Ela teve de sair de sua casa no Jardim Pantanal (extremo leste de SP), passou a receber ajuda de R$ 300 mensais, morou em dois lugares em Itaquera, não conseguiu pagar o aluguel, voltou e retomou seu imóvel condenado. Lá, onde vivia há 26 anos, resiste agora, com seus três filhos, um deles um bebê de dez meses -ela é divorciada. “Voltei, vi minha casa em pé e entrei. Consegui colocar minha filha de volta na mesma escola. Antes, não comia, chorava, estava em depressão. Agora, vou lutar.”
Moradores de favela vivem ciclo de despejo como política pública

MARIANA FIX
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil é conhecido no exterior por sua experiência em urbanização de favelas e por ter uma legislação considerada progressista no campo do direito à cidade. Diversos municípios têm se dedicado, no entanto, a desenvolver uma tecnologia de “remoção” de favelas contrária aos direitos sociais.

Em São Paulo, a prática foi institucionalizada por Jânio Quadros (1985-88) com o nome de “desfavelização” e teve na gestão Maluf (1993-96) um dos seus casos mais emblemáticos: a expulsão de mais de 50 mil pessoas para a abertura da avenida Jornalista Roberto Marinho.

Nessas ações, os habitantes das favelas costumam enfrentar pressão e violência, e são forçados a abandonar rapidamente suas casas. Recebem ofertas como verba em dinheiro (o “cheque-despejo”), bolsa-aluguel ou passagens para mudar de cidade. Se tiverem chance de entrar em algum financiamento para habitação, precisarão aguardar em alojamentos por vários anos.

Na mira do trator, na verdade são geralmente empurrados para outras favelas, cada vez mais longe -frequentemente, em beiras de córregos ou nas margens das represas de abastecimento de água, protegidas por lei.

O destino não é casual. A lei de proteção ambiental retira aquelas terras do jogo imobiliário, que define o preço de cada pedaço da cidade quase sempre acima dos baixos salários que a maioria dos brasileiros recebe.

Nas margens da represa, sua presença é temporariamente tolerada por não interferir nos circuitos de valorização imobiliária, até serem novamente ameaçados de expulsão.

Na falta de alternativas, essa é a saída que encontram pedreiros, porteiros, vigias, domésticos e diaristas, entre muitos outros, para não ficarem mais longe do lugar no qual trabalham.

O problema aumenta quando, em vez de uma política ambiental, prevalece o discurso supostamente ecológico para criminalizar esses moradores, ignorando a lógica de produção social da cidade. Basta ver o panfleto “É crime”, recentemente distribuído pela prefeitura nas escolas aos filhos dos moradores do Jardim Pantanal.

É também grave quando obras como a ponte Octavio Frias de Oliveira absorvem todos os recursos da Operação Urbana, que deveriam ter sido repartidos com a habitação social na região da Água Espraiada. Uma enorme desproporção entre a rapidez para produzir grandes obras viárias e a demora em relação à moradia. Até hoje nenhuma foi construída.

Assim, as favelas não são eliminadas, como dizem, mas deslocadas para áreas de menor interesse imobiliário, onde a população vive em condições ainda piores.

São ciclos implacáveis de assentamento, despejo, reassentamento. Entre as consequências estão o aumento das disparidades sociais, a sobrecarga do sistema de transporte e o agravamento dos problemas ambientais e de saúde pública.

MARIANA FIX é arquiteta e urbanista.
Fonte:http://raquelrolnik.wordpress.com/2010/10/28/prefeitura-defende-remocoes-forcadas-e-urbanista-explica-ciclo-do-despejo-na-cidade/

ACERCA DO VOTO NULO

Se uma pessoa te enganar ela merece uma surra.
Se esta mesma pessoa voltar a te enganar quem merece a surra é você.

Sabedoria popular chinesa

Por Valério Arcary

Poucos dias nos separam do segundo turno das eleições presidenciais de 2010. Pela quarta vez, desde o fim da ditadura, haverá segundo turno. A campanha pelo voto útil em Dilma Rousseff aumenta sobre os militantes e eleitores da esquerda anticapitalista.

Sob a pressão de uma eleição ainda apertada, a direção do PT abraçou um discurso catastrofista que quer apresentar a disputa entre Serra e Dilma como um armagedon político. Serra seria do mal, Dilma seria do bem. Uma análise marxista abraça um método menos emocional: é uma interpretação da realidade orientada por um critério de classe. Muitas vezes na história os governos dos partidos operários reformistas foram mais úteis para a defesa da ordem que os partidos da própria burguesia: protegiam o capitalismo dos capitalistas. Não indicamos aos trabalhadores a escolha do carrasco menos cruel.

Em 1989 os militantes que se organizam na corrente histórica que constituiu o PSTU chamaram a votar em Lula e o fizeram novamente em 2002. Já em 2006 e agora, convocam ao voto nulo. Duas indicações de voto diferentes. Por quê? Votamos em Lula em 1989, e em 2002, apesar de nossa discordância do programa do PT, porque a maioria dos trabalhadores confiava em Lula e não queríamos ser um obstáculo à sua eleição. Não tínhamos qualquer ilusão em um governo do PT, mas acompanhamos no voto, e somente no voto, a vontade do movimento da classe trabalhadora de levar Lula ao poder, depois de uma espera de vinte anos, alertando que estavam iludidos aqueles que tinham esperança que o governo iria romper com o programa neoliberal de ajuste dos governos de Fernando Henrique. O brutal ajuste de 2003/2004 nos deu razão. A manutenção da taxa de juros mais alta do mundo em 2010, ou seja, a remuneração fácil das aplicações dos rentistas, continua confirmando nosso prognóstico.

E agora, como em 2006, porquê não votaremos em Dilma, se a maioria do movimento organizado dos trabalhadores deseja derrotar Serra? Porque nos últimos oito anos o PT governou o Brasil ao serviço do capitalismo. Os trabalhadores sabem, também, que Lula governou ao serviço dos banqueiros, mas acham que não era possível uma política de ruptura. Os trabalhadores, em situações políticas de estabilidade da dominação capitalista, não têm expectativas elevadas, ou seja, não acreditam senão em reformas nos limites da ordem existente. Não acreditam que é possível porque perderam a confiança em si mesmos, portanto, na força de sua união e de sua luta.

O papel dos socialistas não pode ser o de reforçar essa prostração político-social, mas, ao contrário, o de incendiar os ânimos, inflamar a esperança, e combater a perigosa ilusão de que é possível regular o capitalismo. A tarefa daqueles que defendem o programa socialista consiste em demonstrar para os trabalhadores que era e é possível ir além. Era e continua sendo possível desafiar a ordem do capital. Nas ruas da França milhões de pessoas estão nestes dias impedindo Sarkozy de governar, e provando que a força da mobilização popular pode derrotar o capital.

O argumento simples da direção do PT é o mais eficaz, mas, também, politicamente, o mais infantil: Serra e Dilma são diferentes. É verdade. São, também diferentes do que eram décadas atrás. Muito diferentes. A Dilma que se uniu à resistência armada à ditadura merece respeito. O Serra presidente da UNE que foi para o Chile viver o exílio, também. Mas mudaram e para muito pior. São hoje, cada um à sua maneira, irreconhecíveis com o que foram na juventude. Nos dizem que, apesar de tudo, Serra e Dilma não são iguais. Não obstante, isso não demonstra que Dilma mereça confiança. Essa opinião não é somente nossa. Não pode ser ignorado que as diferentes frações burguesas financiaram os dois no primeiro turno. Os instintos de classe dos banqueiros, industriais, fazendeiros, rentistas são certeiros. Não por acaso foram, também, generosos com Marina. E nos ajudam a lembrar que não é um bom critério envenenar a polêmica política com a pressão dos curtos prazos. É sempre no tempo de um presente imediato, às vésperas de mais uma eleição, que se agigantam as diferenças entre os candidatos, para encorajar o voto no mal menor, encorajando uma amnésia coletiva.Que sejam diferentes entre si, portanto, não prova que Dilma mereça um voto sequer de socialistas conscientes.

Qual deve ser o critério para aferir as diferenças? A direção do PT e até os camaradas do MST argumentam que as posições sobre privatizações, ou sobre as políticas assistencialistas, ou sobre a repressão às lutas operárias e populares, ou até sobre a relação internacional com os EUA e as outras potências imperialistas justificam o voto em Dilma. Não estamos de acordo com estes critérios. Não entendemos porque é necessário escolher entre um projeto burguês mais estatista e outro mais privatista, se ambos são anti-operários. Esse é um bom critério para quem aposta em um projeto nacional desenvolvimentista, portanto, capitalista, mas não deveria orientar o voto de socialistas. Não entendemos porque é necessário escolher entre um projeto capitalista com mais ou menos políticas públicas assistencialistas. Esse é um bom critério para quem aposta em um projeto de reformas de estabilização do regime democrático-liberal em países de aberrante desigualdade social.

Para socialistas inspirados no marxismo o critério na hora de eleições é um critério de classe. Isso não é maximalismo, nem doutrinarismo, é somente classismo. Não precisamos escolher quem será o mal menor. Podemos anular o voto.

É até paradoxal que haja tanta pressão por parte das direções do PT e PCdoB e de uma parcela da intelectualidade porque no recente primeiro turno de 2010, os menos de 1% foram os piores resultados da esquerda radical desde o final da ditadura. Esse paradoxo merece uma explicação. Na verdade, os votos somados entregues ao PSOL, PSTU e PCB não farão diferença, e os defensores de Dilma sabem muito bem disso. A audiência conquistada pelas propostas da esquerda socialista foi muito superior aos seus menos de 1 milhão de votos, em especial, nas grandes fábricas e entre a juventude, onde o respeito pelo empenho da militância tem se expressado nos últimos anos em vitórias sindicais, que demonstram que está em curso nos movimentos sindical, estudantil e popular um processo de reorganização significativo, superando as ilusões no bloco PT/PCdoB. Acontece que a maioria dos votos que poderiam ter sido entregues à oposição de esquerda já foram capturados pelo PT no 1º Turno. A pressão pelo voto para derrotar o retorno do PSDB ao poder entre os trabalhadores, e a simpatia pelas propostas de regulação ambiental nas universidades, deslocando votos para Marina, foram, eleitoralmente, devastadoras. Uma parcela importante da classe trabalhadora em setores estratégicos – como entre os metalúrgicos, petroleiros, metroviários, construção civil, professores, bancários, e outros - quer os revolucionários à frente dos seus sindicatos, mas ainda não sente segurança em votar nas eleições nos partidos anticapitalistas.

Votações em segundo turno foram sempre uma escolha tática difícil. Táticas são táticas, isto é, são opções conjunturais e somente isso. A mesma aposta estratégica pode traduzir-se em diferentes opções táticas, dependendo das circunstâncias. A maioria da esquerda socialista, por exemplo, chamou ao voto em Lula em 2002. Compreendemos, porém, que seria a melhor alternativa o voto em Lula, porque essa era a vontade da maioria da classe trabalhadora e, depois de duas décadas de lutas, não queríamos colocar qualquer obstáculo à chegada de Lula à presidência. Oito anos depois, o mesmo critério não faz qualquer sentido.

Não serão, portanto, os 1% que definirão quem será o próximo presidente. Na verdade, o que está em disputa não é o apoio eleitoral a Dilma, mas a atitude que a oposição de esquerda terá diante do novo governo: um voto crítico em Dilma sinaliza uma disposição de apoio crítico ao futuro governo da coligação PT/PMDB. Oxalá esse não seja o caminho daqueles, como os deputados eleitos pelo PSOL, que já anunciaram o voto em Dilma. Mas, esse é o perigo. Ilusões perigosas se disseminam nas bases eleitorais da oposição de esquerda quando se decide pelo mal menor. Por isso, tem muito valor a declaração de Plínio de Arruda Sampaio pela anulação do voto no segundo turno. Tem igual mérito a mensagem de Heloísa Helena. A esquerda anticapitalista não pode ter como estratégia ser uma fração externa do PT que exerce pressão pela esquerda. Sua estratégia deve ser a construção de uma oposição revolucionária ao governo Dilma.

*Valério Arcary é Historiador, professor do Cefet/SP e membro do conselho editorial da revista Outubro e militante do PSTU. Publicado originalmente no sítio do PSTU, visite clicando aqui.

Fonte: http://defesadotrabalhador.blogspot.com/2010/10/acerca-do-voto-nulo-texto-de-valerio.html

sábado, 30 de outubro de 2010

Porco? Porco? Tira esse bicho daí!!!

Uma piada caipira ouvida na infância, década de 1950, mostra-se de impressionante atualidade.(Chico Villela)

É curta: um homem roubou um porco, jogou-o nas costas e, já na saída do quintal alheio, foi surpreendido pelo dono, que, de garrucha em punho, exigiu o bicho de volta. O ladrão arregalou os olhos, fez que olhou para trás e berrou: Porco? Porco? Me ajuda, tira esse bicho daí!

Quatro seqüências de fatos desenroladas nos últimos dias, no Chile e no Brasil, comprovam a atualidade da piada. No Chile, uma tragédia rotineira foi transformada pela mídia em show mundial. Mais de trinta mineiros ficaram presos por setenta dias no fundo de uma mina de cobre, no deserto de Atacama. Foram todos salvos.

Como o presidente Sebastián Piñera é um homem sabidamente situado à direita no espectro político, a mídia grande não se dedicou ao tema da angustiosa situação dos trabalhadores das minas chilenas. Todo ano ocorrem algumas dezenas de mortes de mineiros, em razão das condições de trabalho e de segurança nas minas da principal riqueza de exportação do país, o cobre.

Piñera posou de salvador da pátria, titulou-se chefe da operação de resgate, fez-se fotografar ao final colocando a tampa no poço da salvação, foi ao hospital de Copiapó ver os mineiros, deu entrevistas. E o fantasma do homem do porco pairou durante todo o tempo sobre seu governo. Um detalhe de notícia também pairou: a equipe de resgate chegou a ouvir buzinas, aviso da parte dos mineiros de que estavam vivos. Mas muitos interpretaram diferente: “é a alma dos mineiros mortos”. Há muitas almas pelas minas chilenas.

O jornalista Martin Granovski, no jornal Página 12, relata: Mario Castillo [...] lembrava ontem que, quando se iniciou no ofício [de mineiro], soltavam antes de descer para o trabalho um passarinho pelas galerias. Se sobrevivia, é porque havia oxigênio. “Ou fazíamos uma chama e olhávamos sua cor, para saber se havia gases perigosos no ambiente”.

Piñera adiantou para a imprensa a futura criação de “uma cultura de respeito aos trabalhadores”. Nas entrelinhas, pode-se ler que a cultura ainda não existe. Prometeu melhorias nos sistemas de segurança e intensificação da fiscalização das condições de trabalho. Nas entrelinhas, pode-se ler que a fiscalização é falha.

Mais aspas para o presidente: “Isto não é uma mensagem dirigida apenas aos trabalhadores, mas também aos empresários, que terão de investir em segurança”. Já o ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, foi mais incisivo: “[...] o país não pode mais fazer vista grossa aos empresários que acreditam poder expor a vida dos trabalhadores chilenos”. O país não pode… os empresários terão de investir… a nova cultura de respeito resolverá tudo… nem uma palavra sobre a responsabilidade do governo. Porcos!

As outras três seqüências de fatos deram-se por aqui, na Grande São Paulo e Grande Rio, e vêm sendo acompanhadas pela mídia independente, como esta NovaE, e agora (não dá mais pra ignorar, virou escândalo) pela mídia grande. Os fios aos poucos conduzem ao comitê de campanha de José Serra, o Escroto, título nobiliárquico já antigo, ganho pelo candidato em homenagem ao seu caráter. Resumo as questões, já bastante divulgadas.

Um certo sr. ligado e atual presidente da entidade que ainda mantém “vivo” o cadáver do fascismo nacional, o integralismo da década de 1930, encomendou a uma gráfica a impressão de alguns milhões de exemplares de um panfleto difamatório contra Dilma Vana Roussef. O pretenso verdadeiro encomendante foi o bispo de Guarulhos, conhecido por suas posições retrógradas à direita. A gráfica pertence à família Kobayashi, e tem metade de sua propriedade em nome da irmã de Sérgio Kobayashi, coordenador de infra-estrutura da campanha de José Serra, o Escroto e ex-secretário de Comunicações do governo Serra. Como era de se prever, o comitê da campanha de José Serra, o Escroto, negou qualquer ligação com o panfleto. Foi além: alegou desconhecer os fatos.

Em outra seqüência de fatos, o engenheiro conhecido como Paulo Preto (ou seria Paulo afrodescendente?), ex-diretor de Engenharia da Dersa paulista, andou por grandes empresas desde 2008 (grandes obras, como a do Rodoanel de 5 bi, sempre envolvem grandes empresas e grandes verbas) arrecadando fundos para a campanha de José Serra, o Escroto. Muitas empresas contribuíram, num total citado de uns 4 milhões.

O dinheiro sumiu, e Paulo Preto cometeu o crime perfeito: as empresas não podem declarar que deram dinheiro fora do prazo legal da campanha; não há recibos de doação; os pagamentos foram feitos em espécie; ninguém sabe ao certo quanto foi arrecadado; o comitê de campanha não pode levantar a lebre sem grave prejuízo ao candidato; nada pode ser feito contra o inteligente autor da façanha. E o engenheiro Paulo Preto ainda ameaçou o candidato com algo como “não se abandona amigo ferido na estrada”.

José Serra, o Escroto, após negar em debate com Dilma, e várias vezes à imprensa, que sequer conhecesse Paulo Preto, foi forçado a voltar atrás e, dia 12 de outubro, não só reconhecer, como também elogiar a competência do engenheiro, que trabalhou mais de doze anos para governos do PSDB, incluídos quatro anos no Palácio do Planalto como diretor de programa para empresários do governo FHC. Ai do candidato se Paulo Preto resolver exibir seus dotes de trombonista… é uma mina de informação sensível.

Sobre a terceira seqüência, é assunto delicadíssimo. A esposa do candidato José Serra, o Escroto, em campanha na Grande Rio, atacou Dilma acusando-a de “matar crianças” por suas pretensas posições pró-aborto, o que não é verdadeiro. Vestida de vestal, foi despida por ex-aluna bailarina profissional (confirmada por outras ex-alunas) de seu curso de dança & psicologia na Unicamp, na década de 1980.

Mônica Allende Serra fez um aborto no Chile, e durante algumas aulas comentou a influência do fato sobre seu corpo e seu desempenho como bailarina. As circunstâncias eram terríveis, o marido era exilado, a vida era difícil para ambos. Mas foi isso mesmo que indignou sua ex-aluna: a falsificação e a torção de fatos em nome de uma mentira. Mônica Allende Serra não tem sido encontrada para declarações; consta que está no Chile, sua terra natal.

Algum leitor viu por aí uns porcos voando? Chegaram há pouco do Chile…

Fonte: http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1680

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Projetos públicos em São Paulo "expulsam" 165 mil pessoas de casa

50 mil famílias serão desalojadas em São Paulo por conta de projetos desenvolvidos pelo poder público

“Projetos em execução pelo poder público em São Paulo vão desalojar compulsoriamente de suas casas cerca de 50 mil famílias em dez anos (2006-2015), no maior deslocamento populacional forçado já registrado no Estado.” A informação é de matéria publicada ontem na Folha de São Paulo e Folha Online.

Esta informação é muito significativa quando pensamos na concretização do direito à moradia em nosso Estado. O Brasil é signatário de tratados internacionais que asseguram o direito à moradia adequada à população. Portanto, remoções só devem ser feitas em casos extremos e, ainda assim, com oferta às famílias de alternativas de moradia no mesmo nível ou melhores que a anterior.

No ano passado, produzimos na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada a cartilha “Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções?”, com orientações aos envolvidos em projetos de desenvolvimento sobre como integrar o direito à moradia adequada na implementação dos empreendimentos.

Segue abaixo a matéria da Folha:

Projetos em execução pelo poder público em São Paulo vão desalojar compulsoriamente de suas casas cerca de 50 mil famílias em dez anos (2006-2015), no maior deslocamento populacional forçado já registrado no Estado. A informação é da reportagem de José Benedito da Silva publicada na edição desta segunda-feira da Folha (íntegra da coluna está disponível para assinantes do jornal e do UOL).

De acordo com o texto, considerando 3,3 moradores por casa --média da prévia do Censo 2010--, o número de desalojados chega a 165 mil, mais que a população de São Caetano do Sul (153 mil). A maioria das casas é irregular, está em áreas de risco ou preservação ambiental. Quase a metade das famílias desalojadas será atingida por ações de cunho ambiental.

Joel Silva/Folhapress
Dona de casa Betania Bonfim sentada nos escombros de sua casa derrubada para obras das margens da represa Billings
Dona de casa Betania Bonfim sentada nos escombros de sua casa derrubada para obras das margens da represa Billings

A maior delas é o Várzeas do Tietê, um megaparque linear de 107 km de extensão que vai do extremo leste de São Paulo até Salesópolis, onde nasce o rio Tietê. O projeto prevê desalojar 10 mil famílias em seis cidades, sendo a maior parte na região do Jardim Pantanal, onde remoções começaram após enchentes em 2009.

A maioria dos projetos é executada pelo governo do Estado ou prefeitura, mas parte tem recursos do PAC (federal) ou financiamento de órgãos como BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Banco Mundial.

OUTRO LADO

A Prefeitura de São Paulo diz que há 800 mil famílias à espera de moradia adequada, que age diante de situações emergenciais e que uma solução definitiva deverá vir até 2024, como prevê o Plano Municipal de Habitação. Segundo ela, estão sendo urbanizadas 110 favelas na cidade, com verbas estadual, municipal e federal e que o processo é complexo pois envolve uma "negociação ininterrupta com a população".

Um dos problemas é o imediato adensamento populacional de uma favela sempre que sua reurbanização é anunciada, como diz ter acontecido na favela do Sapo (região da Água Branca), onde o número inicial de famílias saltou de 87 para 455.

Joel Silva/Folhapress
Pedreiro Jesuino Ferreira observa máquina derrubar casas ao lado da sua, que também será derrubada, para obras em SP
Pedreiro Jesuino Ferreira observa máquina derrubar casas ao lado da sua, que também será derrubada, para obras em SP

De acordo com a pasta, o objetivo é atender com casas e apartamentos todas as famílias removidas, mas que, emergencialmente, paga o chamado aluguel social --R$ 300 por mês-- para que elas fiquem em moradias provisórias até que sejam concluídas as unidades habitacionais.

Já a CDHU (companhia habitacional do Estado) afirmou que atua em favelas em duas frentes --urbanização e erradicação-- e que "em hipótese nenhuma deixa famílias sem atendimento definitivo nos locais de intervenção". Segundo ela, o Programa de Atuação em Favelas atendeu 18.375 famílias com novas moradias entre 2007 e 2010 e 22.645 foram beneficiadas com urbanização.

No Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, a companhia afirma que as 5.350 famílias retiradas de áreas de risco ou de preservação irão para conjuntos habitacionais.

Fonte: http://raquelrolnik.wordpress.com e http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano

sábado, 16 de outubro de 2010

O Capitalismo: uma máquina de moer carne Humana

A cada seis segundos, uma criança morre de fome no mundo
Segundo a organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), estima-se que 925 milhões de pessoas se deitem com fome todas as noites. O número é menor que o 1,023 bilhão do ano passado, mas ainda assim ultrajante. Tão ou mais é o fato de que uma criança, a cada seis segundos, morre de causas relacionadas à fome no mundo. Seis segundos. E dois terços dos subnutridos estão em sete países: Bangladesh, China, Índia, Indonésia e Paquistão (Ásia) e Congo e Etiópia (África).
Hoje, é o Dia Mundial da Alimentação. E também aniversário da FAO – criada em 1945, ano em que termina a Segundo Grande Guerra – que completa 65 anos. A data serve para lembrar que a paz não é apenas uma questão de depor baionetas, mas também universalizar uma vida digna. O mundo não terá uma paz real se houver alguém, em algum lugar, que passar o dia sem comer, enquanto outros arrotam fartura. Existe maior violência do que passar sentir a dor de não ter nada para comer?
Tempos atrás, para tratar da efeméride, eu trouxe algumas fotos que tirei – da época em que ainda fotografava – e algumas reflexões. Por conta de políticas públicas implantadas no Brasil para redução da pobreza extrema ou do fim de guerras no exterior, fiquei sabendo que a situação em alguns desses lugares mudou. Mas representam a cara de um desafio que ainda existe por aqui e por lá.
Campo de refugiados em Caxito, Angola. O país enfrentou uma longa guerra civil e não conseguiu garantir condições mínimas de sobrevivência a suas crianças. Dinheiro há – Angola é rica em recursos mineirais, como petróleo e diamantes. Mas o país vem sendo roubado há décadas por governos e elites locais bisonhos e pilhados por empresas multinacionais, entre elas algumas brasileiras.
Vale lembrar que não é a simples doação de alimentos que vai resolver o problema. Ela é um ato importante, pois mantém pessoas vivas enquanto se criam condições para que elas possam trabalhar (decentemente), nos campos ou cidades, e obter seu próprio sustento. O problema é que, nem sempre, essa segunda parte, estrutural, ocorre.
Pai e filho procuram sustento em lixão no interior de Pernambuco. O cheiro e as moscas não eram o pior naquela situação, mas a certeza que eu tinha de que aquelas pessoas simplesmente não existiam. A casa e os utensílios domésticos vinham do que a sociedade não queria mais. Parte do que eles comiam, também.

Combater a fome é bordão citado por políticos em eleição, empresas que querem limpar a barra, entidades não-governamentais e artistas em busca de redenção social. Se bem que nesta eleição, isso tem sido raro – aborto aparece mais do que a fome. Triste, né? Há também aqueles que preferem defender a superficialidade das ações cosméticas. Até porque mudanças estruturais significam cortes na carne, como uma ampla reforma agrária e a mudança de prioridade na aplicação de recursos públicos. Benefícios dos mais ricos têm que dar lugar às necessidades dos mais pobres.
Mas aí, a porca torce o rabo! Vem a turma do deixa-disso, não seja radical, o brasileiro é de paz (tradução: os explorados são uns moles e idiotas), o mundo é assim mesmo, cansei!, uns comem muito outros pouco e vai se levando, olha a legalidade, respeite a propriedade… Traduzindo: mudar sim, desde que tudo fique como está. Sabe como é: tem gente que tem nojo de pobre.
Povoado de Malvinas, no interior do Rio Grande do Norte. A família havia perdido a safra devido à seca. A menina, desnutrida e com tamanho menor do que sua idade pedia, fazia aniversário no mesmo dia que eu. Para vocês, uma informação inútil. Mas para mim, arrasadora.
Durante a ditadura, esperou-se o bolo crescer para dividi-lo. Mas ele cresceu e só alguns foram chamados para comê-lo. Ou melhor, na receita já estava previsto que o bolo era para poucos – a cozinheira é que foi enganada pela sinhá. O aumento na produção de determinadas commodities que não são destinadas para alimentação segue pelo mesmo caminho – vamos dispor de terras que eram importantes para a produção de comida para gerar mercadorias cujos lucros não serão, nem de longe, divididos.
Acampamento guarani no interior do Rio Grande do Sul. De vez em quando vem à tona a notícia de que alguma criança indígena morreu por desnutrição em algum lugar do Brasil. O avanço do agronegócio e das cidades têm expulsado muitos povos indígenas de suas terras ou transformando-as em favelas, o que tira deles sua autonomia alimentar. No Mato Grosso do Sul, isso tem sido tristemente constante. Com a ampliação da cana no estado, isso está piorando.

A FAO informa que o aumento na produção de alimentos terá que ser da ordem de 70% para suprir uma população de 9 bilhões de pessoas em 2050. E quem vai produzir essa comida extra? Segundo as Nações Unidas, os pequenos produtores e suas famílias (que representam cerca de 2,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo, têm um papel fundamental) atuando com menos impacto ambiental. Há muita gente querendo plantar no Brasil, pequenos agricultores. Só lhes falta terra, recursos, escoamento, capacitação, tecnologia. Oportunidade.
De acordo com a FAO, na América Latina, poucos países têm legislação que afirmam o direito à alimentação de todos, como Argentina, Equador, Guatemala e Brasil – que tem sido reconhecido como referência em programa de combate à fome e à pobreza extrema, mas ainda tem que suar para erradicar essa vergonha.

Mulher segura filhos desnutridos em comunidade rural de Sao José da Tapera, interior de Alagoas. O lugar já foi considerado o município mais pobre do país, ou melhor dizendo, com menor índice de desenvolvimento humano. A seca lá bate forte e, ironicamente, o São Francisco está a poucos quilômetros da comunidade. O projeto de transposição do Velho Chico vai levar água para abastecer cidades, empresas e o agronegócio – mas será que conseguirá atingir as famílias no meio do sertão. Se, hoje, o poder público não consegue garantir água para essas duas crianças, o que dirá de levar água até a menina desnutrida de duas fotos atrás?

De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), do total de famintos na América Latina e Caribe, quase 9 milhões são crianças com menos de cinco anos de idade. Por isso, só coloquei fotos delas neste post.
Isso também serve para pôr à mesa, cheia ou vazia, que nosso futuro está à espera de soluções firmes para a erradicação da fome. Será que nossa geração terá a coragem de demolir estruturas enraigadas desde a fundação do país, que garantem que uns tenham tudo e outros nada?
Eu espero que sim – apesar de achar que não.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

[Vídeo] Rage Against the Machine dedica música ao MST em show em São Paulo


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MST - O Rage Against the Machine fez uma apresentação no Festival SWU, em Itu, na noite deste sábado. Zack de la Rocha, vocalista da banda, dedicou a música "People of the sun" ao MST.

Antes do show, durante encontro com militantes do MST, Zack de la Rocha afirmou que vai doar parte do cachê da banda ao movimento.

"O MST tem uma experiência muito importante de solidariedade humana e na criação de espaços fora do modelo capitalista, e é muito importante para muitos de nós que, nos EUA, estamos lutando pelas mesmas coisas. Eu acho que MST já criou um exemplo maravilhoso de luta por justiça social e econômica, é um grande exemplo para nós", declarou.

Na hora da apresentação, ele disse o seguinte: "Esse som vai para os irmãos e irmãs do MST: People of the sun" (veja abaixo).

Durante a música "Wake Up", o guitarrista Tom Morello vestiu o boné do MST. Misteriosamente, a TV Globo cortou a transmissão que fazia ao vivo da apresentação.

Abaixo, veja vídeo gravado por pessoas da platéia, que mostra Morello com o boné do MST pelo telão.

No começo do bis, eles apresentaram a versão em russo de "A Internacional".

O Rage Against the Machine é uma banda de rock norte-americana, uma das mais influentes e polêmicas da década de 1990.

Uma forte característica é a mescla de hip-hop, rock, funk, punk e heavy-metal, com letras enérgicas e politizadas.

Junto com a música de protesto, demonstraram a luta pela causa política, contra a censura, a favor da liberdade e em defesa dos mais pobres.

O som do grupo é bastante diferenciado, devido ao estilo rítmico e vocal de Zack de la Rocha e as técnicas únicas de Tom Morello na guitarra.






terça-feira, 12 de outubro de 2010

Aborto: não à chantagem fundamentalista!!!

Por Celso Lungaretti

Embora produza muitas trevas, a Folha de S. Paulo ainda lança luzes sobre um ou outro assunto.

No caso do aborto, p. ex., podemos pinçar informações interessantes na sua edição dominical.

Mais precisamente, estas, no editorial:

“Cerca de 1,1 milhão de abortos clandestinos são feitos anualmente no país. Em condições muitas vezes precaríssimas, constituem a terceira ou quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Em 56 países, que representam 40% da população mundial, o aborto é permitido sem restrições até a 12ª semana de gravidez – limite máximo que se poderia admitir.

“Com certeza, políticas públicas de esclarecimento e garantia de acesso a meios anticoncepcionais, como a pílula do dia seguinte, poderiam, se amplas, intensivas e duradouras, prevenir a gravidez indesejada e reduzir de maneira drástica o número de mulheres que se valem, numa situação extrema, do traumático recurso”.

E estas, na coluna do Elio Gaspari:

“A forma mais comum de aborto se dá com o uso da droga Cytotec. Em tese, sua comercialização é proibida. Na prática, custa em torno de R$ 400 e pode ser comprada pela internet. Estima-se que, de cada dez abortos, sete sejam feitos com Cytotec”.

Seria interessante, antes de mais nada, perguntarem às mulheres quais os efeitos colaterais da pílula do dia seguinte e da droga Cytotec.

Já ouvi relatos assustadores sobre a primeira e, evidentemente, a segunda deve causar danos físicos e psicológicos bem maiores.

Também não é difícil de imaginarmos quantos riscos causam essas ingestões de produtos químicos sem acompanhamento médico. Vão na contramão de todas as advertências que as autoridades nos martelam há décadas, de que não devemos nos medicar por conta própria.

Gaspari desdenha a velha agulha de tricô, mas eu apostaria que sua estimativa passa longe da realidade: uma droga que custa R$ 400 dificilmente será a principal opção para as mulheres que decidem abortar por sua conta e risco, num país em que a maioria da população continua bem pobre.

No fundo, só há duas certezas neste assunto:

  • a de que não se consegue provar cientificamente que o aborto até a 12ª semana de gestação seja um crime;
  • a de que as mulheres continuarão abortando a despeito de quaisquer proibições.

A convicção dos opositores do aborto é de origem religiosa. São também contrários aos anticoncepcionais e preservativos, porque Deus é quem decide se devemos crescer e nos multiplicar num planeta em que a natalidade desenfreada levará à destruição da vida.

É isto mesmo: enquanto não conseguirmos alcançar o tal desenvolvimento sustentável — e as alterações climáticas estão aí para nos mostrar quão distantes dele nos encontramos –, o crescimento descontrolado da população só fará aumentarem os riscos de extinção da espécie humana.

O tal direito à vida dos carolas mais me parece flerte com a morte.

Então, lamento profundamente que o tema esteja sendo tratado de forma tão leviana e oportunista no momento decisivo da campanha presidencial.

Até por seu passado de militantes que enfrentaram o obscurantismo, Dilma Rousseff e José Serra sabem muito bem a magnitude do desserviço que prestam ao povo brasileiro cedendo à chantagem fundamentalista.

Vale para o Brasil o mesmo que os mais lúcidos afirmam sobre o Irã: estado teocrático no século 21 não passa de uma excrescência ridícula.

Então, senhores, é inaceitável que ambos estejam admitindo essa imposição de interdições religiosas à totalidade dos brasileiros apenas porque creem que pagar tal mico aumente suas chances de vitória nesta eleição.

Quando se começa a descer a ladeira, o impulso leva cada vez mais para baixo. E se os marqueteiros se tocarem de que apoiar a pena de morte e a tortura de traficantes também renderia muitos votos?

Retrocessos históricos têm sempre consequências catastróficas. No fundo, o que esses fanáticos religiosos almejam é cancelar a renascença, o iluminismo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem avanços científicos marcantes dos últimos séculos, etc., devolvendo-nos às trevas medievais. Não conseguirão, mas podem provocar terríveis estragos tentando.

Os Antônios Conselheiros invariavelmente deixam um legado de destruição; o sertão vira mar… de sangue.

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem.

Fonte: http://www.consciencia.net/

Ataque contra as mulheres: 10 mulheres por hora são internadas por abortos clandestinos


121010_aborto Por PCO Partido da Causa Operária

A legalização do aborto é uma questão de saúde pública, como demonstram os números.

Os dados divulgados pelo governo são de que após a realização de abortos clandestinos e malsucedidos uma média de 10 mulheres por hora procura o serviço público de saúde para serem atendidas com urgência.

Chegam a ser 256 mulheres atendidas por dia. A mesma quantidade de vítimas de clínicas ou medicamentos clandestinos enfrenta a decisão pelo aborto sem qualquer atendimento médico.

Os dados públicos mostram também que o Sistema Único de Saúde (SUS) faz menos cirurgias que curetagens.

Este procedimento exige anestesia, geral ou local. Os dados desde procedimento necessário depois de abortos provocados são 500 curetagens por dia.

Considerando apenas os registros de mortes informados pelos hospitais ao Ministério da Saúde, a cada quatro dias morre uma brasileira que decidiu fazer aborto. Isso significa que podem ser muito mais.

Nesta área são gastos trinta milhões de reais pelo SUS todos os anos. E ainda como é evidente não é suficiente para salvar a vida de muitas mulheres.

O estado deve tratar a questão do ponto de vista da saúde pública e não religioso.

"São dados que mostram como a criminalização e manutenção do aborto na clandestinidade são ineficazes do ponto de vista da saúde." afirma médico Thomaz Gollop, diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da ciência e coordenador do Grupo de estudos sobre o aborto.

O constante assédio moral e a perseguição contra as mulheres é uma investida contra os direitos democráticos de toda a população, tanto por parte da Igreja quando por parte do Estado.

Se a preocupação da Igreja e dos políticos da direita fosse a vida, procurariam meios de evitar a morte destas mulheres e lutariam pelo investimento na saúde pública, pois o número de mulheres e bebês que morrem no parto são muito devido ao péssimo atendimento.

No Mato Grosso do Sul, onde dez mil mulheres foram ameaçadas de prisão após o fechamento de uma clínica de aborto em 2008, 37 mulheres morreram devido a complicações durante a gestação e o mesmo aconteceu com 17 delas em 2009.

Fica claro que milhares de mulheres todos os dias recorrem ao aborto ilegal como maneira desesperada de por fim à uma gravidez indesejada. Muitas delas preferem não esperar a gestação avançar, nem muito menos a decisão da justiça, mesmo uma parte delas que teriam o direito por terem engravidado após um estupro, ou porque a gravidez causa riscos à sua vida, mas os procedimentos são demorados e há estados que sequer são autorizados a cumprir a lei.

É necessário acabar com esse cinismo da direita em "defender a vida" quando na verdade este é só mais um pretexto para aumentar a campanha repressiva contra toda a população.

Fonte: Diário da Liberdade

Modelo proposto por Prêmio Nobel de Economia cria novo problema

Não há como questionar a necessidade de ajudar os desempregados a encontrar trabalho. A afirmação torna-se ainda mais relevante quando as grandes companhias se queixam de que há muitas vagas disponíveis e ninguém para preenchê-las.

O comentárip é de Philip Inman, jornalista econômico, em artigo publicado no jornal The Guardian, e reproduzido pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-10-2010.

Os vencedores do Prêmio Nobel de Economia deste ano estudaram os motivos pelos quais os mercados não funcionam com a devida eficiência. Além disso, analisaram como é possível superar ou até eliminar as barreiras que impedem que o bom funcionamento aconteça.

O professor do MIT, Peter Diamond, os docentes Dale Mortenson da Northwestern University, e Christopher Pissarides, da London School of Economics, receberam o prêmio de 1 milhão de libras esterlinas (US$ 1,588 milhão) pelo estudo sobre um modelo de análise do mercado de trabalho que permite explicar as razões pelas quais os desempregados não conseguem encontrar trabalho quando existe oferta de empregos.

Mas a conclusão é a de que o capital precisa trabalhar muito mais e os trabalhadores devem se enquadrar melhor aos seus caprichos, que costumam mudar continuamente.

Pissarides procurou mostrar à União Europeia como liberalizar os mercados de trabalho com uma série de medidas como cortes de benefícios, incentivos fiscais e regulações restritivas.

Segundo seu superior na London School of Economics, John Van Reenen, "ele demonstrou que as regulações do mercado de trabalho, as barreiras ao ingresso no mercado de novas empresas de serviços, as políticas fiscais e previdenciárias afetam as disparidades do emprego em todo o mundo".

Pissarides defendeu a introdução de normas mais flexíveis no mercado de trabalho na Agenda de Lisboa sobre a criação de empregos e ganhou.

Van Reenen afirmou que essas normas se baseiam nos "princípios econômicos corretos, mas que as maiores barreiras à sua implementação decorrem da ausência de vontade política".

Esses "princípios econômicos corretos" foram abandonados porque afetam os eleitores comuns.

É importante examinar detalhadamente o funcionamento dos mercados. Existe, no entanto, um jogo político que mina as proteções do mercado de trabalho estabelecidas pelas normas em vigor na Europa continental. A intenção é obrigar os trabalhadores a aceitarem atividades mal pagas quando perdem seus empregos.

O corte de benefícios, como o subsídio à habitação, está no topo da lista de medidas do governo de coalizão da Grã-Bretanha e deverá tornar ainda maior a discrepância entre a renda dos desempregados e a dos empregados.

Esse corte de subsídio da habitação enquadra-se na teoria de Pissarides. Mas toda vez que é implementado sem atacar, ao mesmo tempo, os preços dos imóveis e os aluguéis acaba sendo uma receita para tornar muitas pessoas miseráveis.

Embora possa fazer com que um modelo de mercado de trabalho funcione como um instrumento de precisão, todos sabem que o corte do subsídio à habitação nos leva de volta à uma espécie de gueto americano, em que as pessoas pobres eram escorraçadas das áreas de alta renda mais até do que acontece agora.

Trata-se de um caso clássico em que todos concordarmos que as pessoas precisam de emprego e que os subsídios à habitação são excessivamente elevados.

Mas, se seguirmos o caminho recomendado por um inteligente economista, que afirma que a redução dos benefícios poderá permitir que tenhamos mais empregos, acabaremos criando um novo problema.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37210

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

“Reforma Agrária: Por Terra, Escola e Dignidade!”


Por Maria Aparecida

O MST realiza o 4º Encontro Estadual das crianças Sem Terrinha de São Paulo, entre 11 e 13 de outubro, no Clube Municipal Mané Garrincha, no município de Piraporinha.

Com o lema “Reforma Agrária: Por Terra, Escola e Dignidade!”, o encontro pretende reunir cerca de 500 crianças vindas de acampamentos e assentamentos organizados pelo MST no Estado.

Fruto de processos históricos, os encontros dos Sem Terrinha são resultados das ações e do protagonismo conquistado e vivenciado pelas crianças nos espaços do MST.

“As crianças sempre estiveram e estão presentes nos processos de lutas do MST, nos encontros, ocupações e marchas”, comenta Cláudia Praxedes, do setor de educação do Movimento.

“Queremos que o encontro possibilite uma integração maior entre o campo e a cidade, sendo um momento de aproximação e troca de experiências vivenciadas de forma lúdica, cultural e política entre as crianças”, afirma.

Durante os três dias de encontro, acontecerão diversas atividades de estudo, brincadeiras e oficinas. Serão mais de 30 oficinas simultâneas, com as crianças, num dos dias da atividade.

Nas noites, os Sem Terrinha tem agenda marcada com a cultura, por meio de sessões de filmes e apresentações culturais feitas pelas próprias crianças nos encontros regionais.

Além disso, vai acontecer uma noite cultural em homenagem às crianças Sem Terra, realizada por companheiros do MST e amigos.

Como parte das mobilizações para o encontro, o MST solicitou uma audiência com a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, para tratar de questões referentes à educação nos acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária.

A solicitação tem como um dos pontos principais de reivindicação a reabertura das escolas do campo fechadas no Estado.

Fonte: MST

domingo, 10 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Quando o Verde é Azul.


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Por Felipe Demier

Os quase 20% do total dos votos válidos obtidos pela candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV), obrigarão a realização de um segundo turno eleitoral a 31 de outubro, fato que deixou, segundo um amigo meu de Perdizes (SP), toda assanhadinha a Avenida Paulista na cinzenta manhã dessa segunda feira.

Proclamada como uma agradável surpresa pelos grandes meios de comunicação, o percentual de votos alcançados por Marina Silva possibilitou aquilo que era, na verdade, o sentido último da candidatura verde: fazer com que o campeonato eleitoral disputado por pontos corridos tivesse ainda uma outra fase, de mata-mata, na qual o candidato da oposição de direita, José Serra, pudesse medir forças em condições de igualdade com a candidata governista "de esquerda", Dilma Rousseff.

Deixando para os incontidos jornalistas políticos a comemoração por mais uma "festa da democracia" a ser realizada em breve, aventuro-me a dizer aqui que a "vitória eleitoral" de Marina Silva exprimiu o significativo espaço existente para uma opção política pós-moderna em um Brasil profundamente desigual e combinado, pra lembrar aqui o velho Trotsky.

Em uma ponta dos votantes verdes, no Brasil "moderno", encontram-se aqueles jovens com baixíssima formação política pertencentes aos estratos médios mais confortáveis da sociedade, amantes dos últimos modelos de telefone celular e das deletérias crônicas do anticomunista Arnaldo Jabor. Lídimos filhos dos privatizados anos 90 do século passado, esses jovens, esteticamente estilizados pelas marcas com "responsabilidade social" (que ajudam 10 crianças na África para cada 1000 que exploram na Ásia), tomam sua opção eleitoral por Marina como mais uma de suas atitudes cool, que em períodos não eleitorais se materializam normalmente em sessões de cinema iraniano e um chope ou outro no Jobi do aprazível Leblon.

Ao lado dessa juventude alternativa – para quem a alternativa ao capitalismo não é senão um capitalismo com ainda mais ONGs e espaços culturais financiados por bancos –, estão também aqueles renegados e midiáticos intelectuais que, por alguma filigrana moral superegóica que ainda lhes resta, sentiriam um mal estar na noite de domingo se, como em seus sonhos de véspera, tivessem apertado o 45 na urna eletrônica.

Na outra ponta dos eleitores de Marina, no Brasil "arcaico", encontram-se amplos contingentes populares de origem proletária e adeptos do insípido protestantismo evangélico, que cresce exponencialmente em um capitalismo periférico de desagregação social assustadora. A adesão desses contingentes à inflada "onda verde" é decorrente não de uma "opção política consciente e cidadã", como gostam os artistas-garotos-propaganda que "fazem a sua parte", mas sim da força de atração e cooptação exercida pelas máquinas eleitorais às quais estão submetidos devido à sua miséria material e espiritual. Isto porque, embora se arvore como defensor de uma "nova agenda" a ser aplicada por meio de uma "nova forma de fazer política", o Partido Verde brasileiro é tão fisiológico quanto qualquer outro dos partidos das nossas classes dominantes.

Sem perder tempo com "inócuas" manifestações de rua pró-meio ambiente e ocupando impudentemente secretarias e cargos em governos municipais e estaduais de qualquer matiz ideológico (se é que ainda existe algum outro matiz além do neoliberal por aqui), o PV sabe fazer oposição tanto quanto sabiam as facções estaduais vitoriosas em relação ao presidente da República durante a democracia oligárquica nas décadas de 1900 e 1910. Arrastadas pelo pastor ou pelo caudilho político (ou pelos dois, em muitos casos), essas massas anônimas também sufragaram messianicamente o nome de Marina no domingo, uma ambientalista evangélica anti-aborto que, depois de no governo federal permitir a farra das madeireiras na Amazônia e das multinacionais "transgênicas" no campo, como candidata mostrou que sabe se comunicar tanto pelas sagradas escrituras com seus "arcaicos" eleitores, quanto pelo twitter com os seus pós-modernos. Em uma palavra, uma "eco-capitalista", como bem disseram o incansável Plínio de Arruda Sampaio e o corajoso operário José Maria de Almeida ao longo de suas importantes campanhas eleitorais (que, como qualquer um pode agora perceber, deveriam ter sido uma só).

A combinação dessas duas pontas do eleitorado de Marina conseguiu trazer para a órbita verde ainda alguns milhões de pessoas que ilusoriamente nela enxergaram uma alternativa à polarização intra-burguesa PT x PSDB. Assim, essa amalgamada receita verde, desigual e combinada (mas não orgânica) foi azeitada por um discurso meio místico, meio antropológico (já que a antropologia de hoje prefere cada vez mais a mística à ciência), que dizia ser Marina "uma mulher da floresta", curiosamente a mesma floresta na qual o seu vice de chapa expropria via "lei de patentes" o saber dos povos indígenas, transformando-o (por meio de uma mística que Marx já desvendou há um bom tempo) em lucro para sua empresa "socialmente responsável".

Como tempero final, foram adicionados os apoios declarados de conhecidas personalidades da indústria cultural, como o do talentoso músico tropicalista Caetano Veloso, cuja lista de candidatos escolhidos é mais incoerente do que as escalações do (ex-)técnico Silas do Flamengo, e do também talentoso e bem intencionado ator baiano Wagner Moura que, depois de interpretar um herói policial num filme indisfarçavelmente fascista, pediu votos para a reeleição de um valoroso deputado estadual cujo mote político é justamente a condenação à diária repressão policial exercida sobre os setores subalternos da sociedade.

Agora, entretanto, com o início das campanhas para o segundo turno, o enigma Marina parece estar perto de ser desvendado, e as ilusões e confusões de serem dissipadas. Dois monstruosos aparelhos partidários, representantes das mesmas frações do capital internacional e nacional, disputarão quem vai administrar para a classe dominante brasileira seu Estado nos próximos quatro anos, e, assim, quem irá seguir pagando a dívida externa, concentrando renda, freando a reforma agrária, esfacelando os serviços públicos essenciais e retirando direitos sociais universais para garantir a taxa de lucro das grandes corporações financeiras, industriais e do agronegócio. De um lado, um partido nascido das lutas operárias que, convertido em partido da ordem e dotado de prestígio entre os movimentos sociais organizados, cumpriu religiosamente tudo isso, mas que, por estratégia de dominação social num país com índices obscenos de desemprego, aumentou o crédito para o mercado consumidor, ampliou significativamente a distribuição de migalhas via bolsa-família e abriu concursos públicos, buscando, com tais medidas, conquistar também um alargamento de sua base social-eleitoral.

Do outro lado, um partido tradicional da burguesia brasileira, que caiu no gosto desta precisamente porquanto cumpriu com maestria a função de esmagar politicamente a classe trabalhadora na década de 1990 e realizar o ajuste neoliberal-privatista no país. Por uma mentalidade de armarinho, como gosta de dizer um amigo meu, ou por mero sadismo, como me disse outro, não se dispôs a gastar quase nada do volumoso orçamento nacional com os que vivem (ou tentam viver) do seu trabalho, deixando-os a deus-dará – ainda que esse deus seja o deus-mercado. Ao que tudo indica, Marina Silva e seu partido (capitaneados pelo mutante Gabeira) irão, mais ou menos deslavadamente, orientar seus eleitores verdes a votar no azulado José Serra, optando, assim, pela proposta mais reacionária de gestão do capitalismo brasileiro (ou pela mais sádica, segundo aquele amigo).

Assumindo, camaleonicamente, a cor azul nesse segundo turno, a candidata verde talvez ajude a romper a ilusão daqueles que ingenuamente nela votaram para evitar, ao menos no primeiro turno, ter de escolher entre Dilma e Serra (inclusos aqui muitos e muitos estudantes, trabalhadores, intelectuais, artistas etc.). Quanto às massas populares sob influência da máquina eleitoral do PV, é provável que a maioria delas siga as orientações de sua "santa da floresta" e de seu partido (ou não, como diria o supracitado músico tropicalista). Já no que concerne aos antes mencionados segmentos médios de vida cool – tão distantes de uma opção política socialista quanto seu mundo de consumo alternativo o é dos poucos trabalhadores brasileiros que por ela ainda renitentemente lutam –, pode ser que uma parte substantiva deles se encontre, nas urnas, com os adversários estéticos de sua própria classe - os yuppies, mauricinhos e patricinhas que, embora hoje utilizem avidamente maconha e demais psicotrópicos como antes o faziam, grosso modo, apenas os alternativos supostamente rebeldes, nutrem um histérico asco ao PT em função do que esse partido já foi um dia, e não exatamente pelo que ele é hoje.

Todavia, se por acaso inquiridos forem sobre não verem mesmo nenhum problema em votar no candidato da direita brasileira, tal como farão as alas patologicamente mais reacionárias da burguesia e da classe média do país, é provável que respondam com o sonso adágio relativista pós-moderno da moda: "não, qual o problema?".

Felipe Demier é historiador e membro do Instituto Latino Americano de Estudos Sócio-Econômicos (ILAESE-RJ).

Fonte: http://www.diarioliberdade.org/