segunda-feira, 31 de agosto de 2009

4ª Mostra Mundo Árabe


Agosto 30, 2009

A 4ª Mostra Mundo Árabe abre dia 31 de agosto, para convidados, e segue até o dia 13 de setembro, em quatro salas de São Paulo – CineSESC, Galeria Olido, Centro Cultural São Paulo e Esporte Clube Sírio.

Idealizado pelo Instituto de Cultura Árabe e realizado em parceria com o SESC-SP, a Secretaria Municipal de Cultura e a Casa Árabe, o evento trará, dessa vez, 13 longas e três curtas metragens. As produções são de origem libanesa, tunisiana, egípcia e iraquiana.

Entre os longas programados estão Andarilhos do Deserto, O Colar Perdido da Pomba e Baba Aziz, dirigidos pelo tunisiano Nacer Khemir, e que compõem a Trilogia do Deserto.

O primeiro longa, Andarilhos, é de 1984 e deixa evidente toda a influência que o diretor, apesar de ter vivido parte de sua vida na França, recebeu da literatura árabe, da arte de contar histórias e de um mundo de fábulas. O filme, que contou com a colaboração da respeitada diretora tunisiana Moufida Tlatli (Silêncio do Palácio e Tempo de Espera), conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Locarno.

O segundo longa da trilogia, O Colar Perdido da Pomba, também apresenta enorme influência de As Mil e Uma Noites (obra clássica da literatura persa constituída por uma coleção de contos orientais compilados provavelmente, entre os séculos XIII e XVI) e tem como cenário uma mesquita de Alandalus, do século XI (local bastante simbólico por ter acolhido diferentes culturas).

Baba Aziz marca a abertura da Mostra Mundo Árabe. Esse título, que cria uma encantadora fábula, teve como co-roteirista Tonino Guerra, roteirista de filmes de grande sucesso, como Amarcord (Federico Fellini) e Blowup (Michelangelo Antonioni).

A PROGRAMAÇÃO
Os filmes (curtas e longas / documentário e ficção) serão exibidos dentro dos seguintes programas: Trilogia do Deserto (Andarilhos do Deserto, O Colar Perdido da Pomba e Baba Aziz), Outras Histórias (Sob as Bombas, Caos, A Outra e Sobre Bagdá), Mostra Especial Relatos do Iraque (Ahlaam, As Tartarugas Podem Voar, Iraque em Fragmentos, A Vida Após a Queda e Underexposure), Curtas da Escola Independente de Cinema e Televisão de Bagdá (Uma Vela para o Café Shabandar, Um Estranho em seu Próprio País e Indo Embora) e Sessão Especial (Beirute Ocidental), que encerra a mostra, no dia 13, em sessão no Esporte Clube Sírio.

Haverá ainda uma homenagem a Youssef Chahine, um dos mais importantes diretores árabes, falecido em 2008. Diretor bastante premiado e que deixou um importante legado em suas obras de forte cunho social, terá dois filmes exibidos na Mostra Mundo Árabe : A Outra e Caos.

1 de Setembro a 13 de setembro

Classificação indicativa: 14 anos

Homepage: http://www.icarabe.org/mundoarabe2009

CineSESC

www.sescsp.org.br

Rua Augusta, 2075 / Cerqueira Cesar

Tel.: 3087.0500

Ingressos: R$ 4,00 (inteira), R$ 2,00 (meia-entrada) e R$ 1,00 (usuários do SESC).
Galeria Olido

www.galeriaolido.sp.gov.br

Avenida São João, 473 / Centro

Tel.: 3397.0158

Ingressos: R$ 3,00 (inteira) e R$ 1,50 (meia)
Centro Cultural São Paulo / CCSP

www.centrocultural.sp.gov.br

Sala Lima Barreto

Rua Vergueiro, 1000 / Paraíso

Tel.: 3383.3401 / 3402

Entrada franca; retirada de ingressos no local com uma hora de antecedência da sessão.
Esporte Clube Sírio

www.sirio.org.br

Av. Indianópolis, 1192 / Planalto Paulista

Tel.: 2189.8500

Entrada franca

Programação Completa

CINESESC (Ingressos: R$ 4, R$ 2 (estudantes) e R$ 1,50 (usuários do SESC))

Rua Augusta, 2075


Dia 1º/9 (terça-feira)

19h - Iraque em Fragmentos ( Iraq in Fragments , EUA, 2006), de James Longley

21h - Ahlaam (Iraque, 2006), de Mohamed Al Daradji


Dia 2/9 (quarta-feira)

19h - Sob as Bombas ( Under The Bombs , França/ Líbano/ Reino Unido/ Bélgica, 2007), de Philippe Aractingi


Dia 3/9 (quinta-feira)

19h - Caos ( Heya Fawda / Chaos , Egito/ França, 2007), de Youssef Chahine e Khaled Youssef

21h - A Vida Após a Queda (Iraque/ Alemanha, 2008), de Kasim Abid


Dia 4/9 (sexta-feira)

19h - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir

21h - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir

23h - Baba Aziz - O Príncipe Que Contemplava Sua Alma ( Bab’Aziz , França/ Alemanha/ Irã/ Tunísia/ Reino Unido, 2006), de Nacer Khemir


Dia 5/9 (sábado)

19h - A Outra ( The Other , Egito, 1999), de Youssef Chahine

21h – Tartarugas Podem Voar ( Lakposhtha hâm parvaz mikonand / Turtles Can Fly , Iraque, 2004), de Bahman Ghobadi


Dia 6/9 (domingo)

19h – Programa de Curtas/ Underexposure (Iraque/ Alemanha, 2005), de Oday Rasheed 21h - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir


Dia 7/9 (segunda-feira)

19h - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir

21h - Baba Aziz - O Príncipe Que Contemplava Sua Alma ( Bab’Aziz , França/ Alemanha/ Irã/ Tunísia/ Reino Unido, 2006), de Nacer Khemir


CENTRO CULTURAL SÃO PAULO (entrada franca, retirada de ingressos no local com uma hora de antecedência da sessão) Rua Vergueiro, 1000


Dia 1º/9 (terça-feira)

16h - Caos ( Heya Fawda / Chaos , Egito/ França, 2007), de Youssef Chahine e Khaled Youssef

18h30 - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir

20h15 - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir


Dia 2/9 (quarta-feira) 16h - Tartarugas Podem Voar ( Lakposhtha hâm parvaz mikonand / Turtles Can Fly , Iraque, 2004), de Bahman Ghobadi

18h30 - Underexposure (Iraque/ Alemanha, 2005), de Oday Rasheed

20h - Debate sobre Youssef Chahine

20h15 - A Outra ( The Other , Egito, 1999), de Youssef Chahine


Dia 3/9 (quinta-feira)

16h - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir

18h - A Outra ( The Other , Egito, 1999), de Youssef Chahine

20h15 - Tartarugas Podem Voar ( Lakposhtha hâm parvaz mikonand / Turtles Can Fly , Iraque, 2004), de Bahman Ghobadi


Dia 4/9 (sexta-feira)

16h - Iraque em Fragmentos ( Iraq in Fragments , EUA, 2006), de James Longley

18h - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir

20h – Debate sobre Iraque 20h15 - Sobre Bagdá ( About Baghdad , EUA, 2004), de Sinan Antoon


Dia 5/9 (sábado)

16h - Sob as Bombas ( Under The Bombs , França/ Líbano/ Reino Unido/ Bélgica, 2007), de Philippe Aractingi

18h - Baba Aziz - O Príncipe Que Contemplava Sua Alma ( Bab’Aziz , França/ Alemanha/ Irã/ Tunísia/ Reino Unido, 2006), de Nacer Khemir

20h - A Vida Após a Queda (Iraque/ Alemanha, 2008), de Kasim Abid


Dia 6/9 (domingo)

16h – Seleção de Curtas/ Ahlaam (Iraque, 2006), de Mohamed Al Daradji

19h - Caos ( Heya Fawda / Chaos , Egito/ França, 2007), de Youssef Chahine e Khaled Youssef

21h - Iraque em Fragmentos ( Iraq in Fragments , EUA, 2006), de James Longley


CINE OLIDO (Ingressos: R$ 3 e R$ 1,50 (meia-entrada)) Avenida São João, 473


Dia 1º/9 (terça-feira)

15h - Ahlaam (Iraque, 2006), de Mohamed Al Daradji

17h - Iraque em Fragmentos ( Iraq in Fragments , EUA, 2006), de James Longley

19h30 - Underexposure (Iraque/ Alemanha, 2005), de Oday Rasheed


Dia 2/9 (quarta-feira)

15h – Seleção de Curtas

17h - A Vida Após a Queda (Iraque/ Alemanha, 2008), de Kasim Abid

19h30 - Caos ( Heya Fawda / Chaos , Egito/ França, 2007), de Youssef Chahine e Khaled Youssef


Dia 3/9 (quinta-feira)

15h - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir

17h - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir

19h30 - Baba Aziz - O Príncipe Que Contemplava Sua Alma ( Bab’Aziz , França/ Alemanha/ Irã/ Tunísia/ Reino Unido, 2006), de Nacer Khemir


Dia 4/9 (sexta-feira)

15h - Sob as Bombas ( Under The Bombs , França/ Líbano/ Reino Unido/ Bélgica, 2007), de Philippe Aractingi

17h - Sobre Bagdá ( About Baghdad , EUA, 2004), de Sinan Antoon

19h30 - Ahlaam (Iraque, 2006), de Mohamed Al Daradji


Dia 5/9 (sábado)

15h - Underexposure (Iraque/ Alemanha, 2005), de Oday Rasheed

17h - Caos ( Heya Fawda / Chaos , Egito/ França, 2007), de Youssef Chahine e Khaled Youssef

19h30 - Iraque em Fragmentos ( Iraq in Fragments , EUA, 2006), de James Longley Dia


6/9 (domingo)

15h - Sobre Bagdá ( About Baghdad , EUA, 2004), de Sinan Antoon

ESPORTE CLUBE SÍRIO (entrada franca) Av. Indianópolis, 1192


Dia 6/9 (domingo)

15h - Andarilhos do Deserto ( Wanderers of the Desert , 1984), de Nacer Khemir

16h45 - Sob as Bombas ( Under The Bombs , França/ Líbano/ Reino Unido/ Bélgica, 2007), de Philippe Aractingi


Dia 13/9 (domingo)

15h - Sessão Especial: Beirute Ocidental

17h - O Colar Perdido da Pomba ( Dove’s Lost Necklace , 1991), de Nacer Khemir

Existe concentração na mídia brasileira? Sim

Por Venício A. de Lima (*)
Dois fatos trouxeram de volta ao debate, em junho de 2003, a importante questão da concentração da propriedade no setor de comunicações (telecomunicações, mídia e informática): (1) a contestada decisão da agência reguladora nos EUA (a Federal Communications Commission, FCC) de "flexibilizar" as normas de controle da propriedade cruzada, cujo processo de reversão já foi iniciado pela Comissão de Comércio do Senado americano (Labaton, New York Times, 20/06/2003); e (2) a polêmica declaração do ministro das Comunicações Miro Teixeira, na Comissão de Comunicações da Câmara dos Deputados, sobre a inexistência de concentração na televisão brasileira (Possebon, CartaCapital nº 244).
A. Concentração no mundo
Na verdade, estudiosos como Ben Bagdikian (1992), Robert McChesney (1998 e 2000) e Dan Schiller (2001), entre outros, têm chamado a atenção há algum tempo para a crescente concentração da propriedade nas comunicações; e uma pesquisa realizada no início de 2000 já concluía que, tendencialmente, "quatro ou cinco grupos dominarão todas as formas de mídia concebíveis, da imprensa tradicional à internet, passando pelo cinema, rádio, televisão, videogames, não só nos Estados Unidos como provavelmente em todo o mundo" (LAFIS, CartaCapital nº 116).
Um exemplo irrefutável de concentração e gigantismo no setor foi a fusão das empresas AOL e Time Warner, em 2000, dando origem a um grupo com valor de mercado estimado em 350 bilhões de dólares ou o equivalente à metade do PIB brasileiro. A espantosa dimensão do grupo pode ser avaliada quando se considera que, nos Estados Unidos, a AOL entrega o dobro de correspondências (e-mail) que os Correios; a Time Inc. vende um quarto de toda a publicidade de revistas; a Warner Music é um dos cinco maiores grupos musicais do país e a Time Warner Cable é a segunda maior empresa de TV a cabo (Stycer, CartaCapital nº116).
Uma das formas usuais de expressão do poder de megagrupos como o AOL Time Warner são as ações de sinergia, isto é, "como uma mídia pode ser usada para promover a mesma idéia, produto, celebridade, ou político em outra mídia, ambas de propriedade da mesma empresa. Cada um dos novos gigantes globais busca o controle de tantos diferentes mídias quanto possível: jornais, revistas, radio, televisão, livros, filmes, sistemas de cabo, canais de satélite, discos, videocassetes e redes de cinemas" (Bagdikian, 1982, p. 243).
O lançamento do filme Harry Potter, no final de 2001, é um excelente exemplo. À época, o segundo executivo do grupo, Richard D. Parsons afirmou: "Você não será capaz de ir a lugar algum sem ouvir falar de Harry Potter". E era verdade. Uma gigantesca operação integrada de marketing foi montada envolvendo todo o grupo. A Warner Bros., um dos sete maiores estúdios de Hollywood, realizou o filme e exibiu anúncios e trailers nas emissoras de TV a cabo do grupo, além de comercializar o vídeo e o DVD do filme. A Warner Music produziu e comercializou a trilha sonora do filme em CDs e fitas K-7. A provedora de internet AOL (31 milhões de assinantes só nos EUA) ofereceu links dos produtos licenciados e vendidos por empresas do grupo. A Moviefone – também do grupo – promoveu o filme e vendeu ingressos por telefone e pela internet. A Time Inc., com seus 160 títulos impressos, publicou anúncios, promoveu concursos e fez reportagem de capa sobre o filme (Stycer, CartaCapital nº 166). O resultado de toda essa operação foi o sucesso mundial dos produtos Harry Potter. No Brasil, 1,2 milhão de pessoas assistiram ao filme somente na primeira semana do lançamento. (Gazeta Mercantil, 29/4/2002).
B. Concentração no Brasil
As comunicações aparecem ao lado das indústrias de chocolate, bebidas e pasta de dente como os setores onde é maior a concentração econômica no país, fruto de uma série de aquisições e fusões (Folha de S.Paulo, 7/2/2003). De fato, as tecnologias de informação, as telecomunicações, a publicidade e as editoras que já apareciam entre os quinze setores onde houve maior número de fusões e aquisições no Brasil entre 1994 e 2001 (Pereira, O Estado de S.Paulo/KPMG, 7/4/2002), confirmam a tendência em 2003. As tecnologias de informação e as telecomunicações aparecem como um dos quatro setores com maior número de fusões e aquisições no primeiro trimestre – que, aliás, cresceram 35% em relação ao mesmo período de 2002 (Balbi, Folha de S.Paulo/KPMG 20/4/2003).
É preciso registrar que existe no Brasil um ambiente bastante propício à concentração. A legislação do setor tem sido historicamente tímida, por intenção expressa do legislador, ao não incluir dispositivos diretos que limitem ou controlem a concentração da propriedade, o que, aliás, vai no sentido inverso do que ocorre em países como a França, a Itália e o Reino Unido, preocupados com a pluralidade e a diversidade no novo cenário da convergência tecnológica (Lobato, Folha de S.Paulo, 14/10/2001).
Além disso, outros fatores têm contribuído para a concentração da propriedade das comunicações no Brasil, sobretudo na radiodifusão. Cito três:
** não há cumprimento da norma legal (Decreto 236/67) que limita a participação societária do mesmo grupo nas empresas de radiodifusão a cinco concessões em VHF, em nível nacional, e a duas em UHF, em nível regional (estadual);
** o período de carência legal para venda das concessões de radiodifusão, isto é, para a troca legal de proprietários, é de apenas cinco anos e, mesmo assim, sabe-se que existem vendas antecipadas através da conhecida prática dos chamados "contratos de gaveta". Isso faz com que os eventuais concessionários independentes se sintam atraídos pela possibilidade de negociar suas concessões com os grandes proprietários e/ou vice-versa;
** não há normas ou restrições legais para a "afiliação" de emissoras de radiodifusão, isto é, para a formação de redes nacionais e/ou regionais.
O resultado é que, antes mesmo de se manifestar a tendência mundial à concentração da propriedade no setor de comunicações, o mercado brasileiro já era concentrado. Indico a seguir alguns exemplos mais significativos, sobretudo na radiodifusão, tanto no que se refere à concentração horizontal, quanto à vertical, à cruzada e a "em cruz".
B.1 Concentração horizontal
Trata-se da oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo de concentração horizontal no Brasil continua sendo a televisão, paga ou aberta.
TV paga
A se confirmar a compra da Direct TV (Hughes Eletronics) pela Sky (News Corporation), em apreciação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) do Ministério da Justiça (Pay TV News, 26/5/2003), o grupo NET-Sky passará a controlar cerca de 74% do mercado brasileiro de TV por assinatura, dentro dos quais estarão 95% da TV por satélite, já que a terceira empresa que atua no setor – a Tecsat – controla apenas cerca de 5% do mercado.
Em junho de 2002, dados disponíveis no site da ABTA e pesquisa da Pay TV Survey indicavam que a participação no mercado de TV por assinatura no Brasil, por grupos, era a seguinte:
QUADRO 1
PARTICIPAÇÃO MERCADO TV PAGA
A televisão no Brasil é em si mesmo um exemplo de concentração de vez que historicamente abocanha a maior parte de todo o investimento publicitário. Em 2002, 58,7% das verbas de publicidade foram para a televisão aberta (Castro, Folha de S.Paulo, 10/03/2003). Do total gasto, em 2001, 78% foram para a Globo e suas afiliadas (Castro, Folha de S.Paulo, 06/03/2002).
A posição de oligopólio da Rede Globo na televisão aberta acompanha a própria história da televisão no país, a partir dos anos 1970, e constitui exemplo clássico de concentração horizontal. O Quadro 2, abaixo, resume alguns dados sobre a participação comparada da Globo no mercado brasileiro em relação às outras redes. Em todos os critérios básicos de comparação, como (1) número total de emissoras (próprias, associadas e afiliadas); (2) cobertura geográfica por municípios e por domicílios; (3) participação na audiência nacional de TV e audiência em horário nobre; e (4) alocação de recursos publicitários, a hegemonia da Globo permanece, apesar de não ser mais total como foi no passado.
QUADRO 2
REDES COMERCIAIS DE TV ABERTA

Observações: (*) 10 principais mercados
FONTES: (1) Castro, D.; FSP 17/12/2002.(2) Grupo de Mídia; Mídia Dados 2002. (3) Castro, D.; FSP/Inter-Meios M&M 06/03/2002.

B.2 Concentração vertical
Trata-se da integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição. Por exemplo, um único grupo controla desde os vários aspectos da produção de programas de televisão até a sua veiculação, comercialização e distribuição.
Esse tipo de concentração é uma prática consolidada na televisão brasileira. Documento recentemente encaminhado pelo Ministério da Cultura à Casa Civil da Presidência da República, defendendo a manutenção de uma Agência de Cinema, aponta "a ausência de uma separação clara entre a atividade produtora e a atividade exibidora das concessionárias [de televisão]" como responsável pelo incrível fato de "que mais de 90% do conteúdo das TVs seja produzido internamente" (Possebon, S., Pay TV News, 6/6/2003).
Nesta área, o melhor exemplo, no entanto, continua sendo a produção e exibição de telenovelas. Estudo já clássico revelou como a Rede Globo possui os estúdios de gravação e mantém, sob contrato permanente, os autores, atores e toda a equipe de produção (roteiristas, diretores de programação, cenógrafos, figurinistas, diretores de TV, editores, sonoplastas etc.). As Organizações Globo há muito operam uma estrutura multimídia que outros megagrupos internacionais só recentemente constituíram através daquilo que chamam, como vimos, de sinergia. Dessa forma, a Globo produz a novela em seus estúdios e a exibe em sua rede de televisão. Além disso, comercializa a novela para outros países, a trilha sonora através de gravadora própria (CDs e K-7) e divulga "o pacote" através de sua rede de TV, seus jornais, revistas, emissoras de rádio etc. (cf. Ortiz, R. et alii, 1989).
Essa mesma estratégia esteve presente no lançamento do programa Big Brother Brasil, em 2002. À época, a diretora-geral Marluce Dias da Silva afirmou: "O Big Brother Brasil é a maior experiência de cross-plataforma [sic] já feita no Brasil. O produto foi desenhado, desde o início, para ser transmitido na rádio, na internet, na TV fechada e aberta, além de ser promovido através de eventos ao vivo, concursos em jornais e revistas, venda de trilha sonora e de produtos licenciados" (Oiticica, Gazeta Mercantil, 7/2/2002). Toda essa operação, naturalmente, desenvolvida através de empresas das Organizações Globo.
Outro exemplo brasileiro de concentração vertical (ou sinergia), esse nas telecomunicações, é o Grupo Algar. Em 2002 o grupo anunciou que estava promovendo a fusão comercial de cinco de suas empresas das áreas de telefonia fixa (CTBC Telecom), celular (CTBC Celular), TV a cabo (Image Telecom), internet (Net Site) e soluções de banda larga (Engeredes), exatamente para adequar os serviços às novas tendências da convergência tecnológica (Pinto, Gazeta Mercantil, 18-20/1/2002).

B.3 Propriedade cruzada
Trata-se da propriedade, pelo mesmo grupo, de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV aberta, TV por assinatura (a cabo, MMDS ou via satélite-DTH), rádio, revistas, jornais e, mais recentemente, telefonia (fixa, celular e móvel, via satélite), provedores de internet, transmissão de dados, paging etc.
Alguns dos principais conglomerados de comunicações no Brasil se consolidaram, como se sabe, através da propriedade cruzada na radiodifusão (radio e televisão) e na mídia impressa (jornais e revistas). Talvez o melhor exemplo atual deste tipo de concentração seja o da RBS.
Atuando apenas em dois mercados regionais, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Grupo RBS reúne 6 jornais, 24 emissoras de rádio AM e FM, 21 canais de TV, um portal de internet, uma empresa de marketing e um projeto na área rural, além de ser sócio da operadora de TV a cabo NET (Zero Hora, 31/8/2002). Ademais, a RBS foi um dos grupos contemplados com a vasta liberação de RTVs que ocorreu nos últimos dias do governo de Fernando Henrique Cardoso: recebeu 14 novas retransmissoras (Mattos, Folha de S.Paulo, 27/12/2002).
Para tornar mais específico o exemplo de propriedade cruzada num único mercado, basta considerar a cidade de Porto Alegre: os dois principais jornais (Zero Hora e Diário Gaúcho), o principal canal de TV aberta, afiliado da Rede Globo, o canal 12, RBS TV; o principal canal em UHF, a TV COM, canal 36; o canal Rural, transmitido pela NET; algumas das principais emissoras de rádio AM (Gaúcha e Farroupilha, por exemplo); algumas das principais emissoras de rádio FM (Atlântida e 102FM, por exemplo), são controlados pelo Grupo RBS (Schirmer, 2002). Televisão, aberta e fechada, jornais, emissoras de rádio AM e FM. Tudo no mesmo mercado. Mas não é só isso. O Grupo RBS possui uma equipe de profissionais multimídia (dentre eles Lasier Martins, José Barrionuevo, Paulo Sant’Ana e, até dezembro de 2002, Rogério Mendelski) cujos comentários e opiniões aparecem simultaneamente nas TVs, nos jornais e nas emissoras de rádio, tornando praticamente impossível a um morador da região metropolitana de Porto Alegre não ver/ouvir/ler, diariamente, a opinião de pelo menos um desses "comentaristas" em algum dos veículos do Grupo (Guareschi e outros, 2000).
Essa é certamente uma situação que confere a um único grupo de comunicações e a uma equipe de comentaristas um extraordinário poder. É também uma situação que não seria possível, legalmente, em vários países, Negritodentre eles a França, a Itália e o Reino Unido.

B.4 Monopólio em cruz
Trata-se da reprodução, em nível local e regional, dos oligopólios da "propriedade cruzada", constituindo o que se chamou "monopólio em cruz". Verificou-se que, na grande maioria dos estados da Federação, os sistemas regionais de comunicações são constituídos por dois "braços" principais, geralmente ligadas às Organizações Globo:
"(1º) um canal de televisão, largamente majoritário, quase sempre integrante da Rede Globo; e
(2º) dois jornais diários, um dos quais – o de maior circulação – está sempre ligado a um canal de TV, e – quase sempre – ao canal de televisão afiliado a Rede Globo; e sempre, paralelamente, ligado a uma rede de emissoras de rádio, com canais AM e FM. Cada um desses jornais, em quase todas as capitais, reproduz as principais seções de O Globo e seu noticiário é alimentado, predominantemente, pelos serviços da Agência de Notícias Globo" (Amaral, R. e Guimarães, C., 1994; p. 30).
Pesquisa realizada no início da década de 1990 revelou que o "monopólio em cruz" se manifestava em pelo menos 18 dos 26 estados brasileiros – Rio de Janeiro, Paraná, Acre, Maranhão, Paraíba, Alagoas, Amazonas, Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Tocantins, Goiás, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, além do Distrito Federal (Amaral, R. e Guimarães, C., 1994; pp. 30 e 32).
Este "monopólio em cruz" foi confirmado por outra pesquisa (que não incluiu a TV por assinatura), realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM), em 2002. Constatou-se que os grupos de afiliados da Rede Globo controlam TV, rádio e jornal em 13 dos principais mercados brasileiros (EPCOM, CartaCapital, nº179).

C. Brasil versus EUA
A situação que os dados disponíveis revelam não deixa dúvidas quanto à concentração da propriedade no setor de comunicações, em particular na radiodifusão brasileira. Na verdade, a recente decisão da FCC está provocando fortes reações de vários setores da sociedade americana por permitir formas de concentração que de há muito são uma realidade consolidada entre nós. As novas regras nos EUA permitem a um mesmo grupo (1) controlar emissoras de televisão que atinjam até 45% dos domicílios com TV no país; (2) ter, em um mesmo mercado, duas ou até três emissoras de televisão; e (3) controlar emissora de televisão, de rádio e jornal no mesmo mercado (Gilpin, New York Times online, 2/06/2003). Como vimos, todas essas três situações de concentração – e ainda outras – existem no Brasil. O que agora se tenta permitir lá é fato histórico entre nós.
D. E a democracia?
Como se sabe, dois princípios fundamentais da democracia liberal são a pluralidade e a diversidade nas comunicações. A pluralidade significa garantia de competição ou a ausência de oligopólios e monopólios, além de provisões legais que proíbam um mesmo proprietário controlar – no mesmo mercado – meios de comunicação distintos. Por exemplo: jornal e televisão ou rádio. Em outras palavras, leis que não permitam a propriedade cruzada. Diversidade, por outro lado, significa a presença na mídia de conteúdo que expresse as muitas opiniões que existem na sociedade. Deve haver, portanto, provisões legais que garantam a diversidade de fontes produtoras de informação e de entretenimento. Essa diversidade não pode ser confundida apenas com a segmentação de mercado ou com "diferença" de conteúdos, que certamente atendem às necessidades de anunciantes mas não interferem na representação pública de interesses em conflito.
Na verdade, os princípios da pluralidade e da diversidade são a transposição para a esfera da comunicação dos fundamentos liberais da economia de mercado, isto é, a garantia da livre concorrência. Como afirma o renomado cientista político liberal Giovanni Sartori "uma opinião pública livre deriva de uma estrutura policêntrica dos meios de comunicação e de sua interação competitiva, e é sustentada por elas. Em síntese, a autonomia da opinião pública pressupõe condições semelhantes às condições de mercado" (grifado no original; Sartori, 1994, p. 139). Nas comunicações, poucos proprietários, além de significar menos concorrência, também significam menos diversidade de conteúdo, ou a possibilidade de restrições – explícitas ou implícitas, diretas ou indiretas – à livre manifestação do pensamento. No limite, os antigos regimes autoritários comunistas, onde o Estado era o único "proprietário" da mídia, sempre foram o exemplo preferido pelos defensores do liberalismo para se mostrar os malefícios da ausência de competição, pluralidade, diversidade e, portanto, de democracia.
Numa sociedade com pluralidade de proprietários e diversidade de conteúdo na mídia, estariam asseguradas as condições indispensáveis para que se constitua uma opinião pública livre e autônoma, através do debate de idéias. Fica claro, portanto, que a concentração da propriedade nas comunicações coloca em risco os próprios fundamentos da democracia representativa liberal.
(*) Texto apresentado na 5a. Reunião do Conselho de Comunicação Social realizada no Congresso Nacional em 30 de junho de 2003.
(**) Jornalista, sociólogo, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade de Illinois; pós-doutor pela Universidade de Miami; professor-titular de Ciência Política e Comunicação aposentado da Universidade de Brasília; fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, ex-professor convidado da EPPG-UFRJ, UFPA, UFBA, UCB e UCS, no Brasil, e das universidades de Illinois, Miami e Havana; autor de artigos sobre mídia, política e cultura e, dentre outros, do livro Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2001).

REFERÊNCIAS
Amaral, R. e Guimarães, C. (1994). "Media Monopoly in Brazil" in Journal of Communications, vol. 44, nº 4, Autumm, pp. 26-40.
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Texto original postado em:

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/plq010720031.htm

A luta de classes e as classes de luta em comunicação

A luta de classes e as classes de luta em comunicação

O sonho da burguesia é comer rádio comunitária

Por Dioclécio Luz

A Casa Grande, dos móveis devorados pelos cupins e das paredes aonde o mofo faz moradia, modernizou-se: recebe TV por satélite, especula na Bolsa, produz para o agronegócio, marca presença no SP Fashion Week,...
Nada de novo. Há cinco séculos é assim, essa capacidade da burguesia renovar o verniz dos móveis, rebocar os buracos nas paredes, e anunciar que é tudo novo. Na Casa Grande inteligente do século XXI mora o mesmo senhor feudal, o coronel das caatingas, o usineiro, o empresário de sucesso - o DNA do poder continua vivo. Manifestação do poder do capital, ele sobrevive às custas do saque e exploração das riquezas públicas, das riquezas naturais, do trabalho do operário.
É assim no Brasil desde aquela manhã na Bahia quando aqueles caras, um bando de meliantes, fedorentos, desceram das caravelas e, em nome da Igreja Católica e do rei dalém mar, decretaram que todos e tudo ali – índios, fauna e flora – tinham dono. O Brasil foi patenteado em 1500.
Quem usasse o Brasil sem a autorização oficial seria, a partir de então, tratado como pirata, bandido, ladrão. Comer, cagar, dormir, viver, falar, comunicar-se, ser brasileiro, agora só com permissão, só por concessão pública. Ainda hoje é assim. O poder se estabeleceu e criou um cartório para gerir os negócios (sobre as riquezas locais) conforme seus interesses. É assim que funciona: o saqueador tem o poder, e usa este poder para legitimar seu saque. Assim se constroem as grandes riquezas no Brasil; assim nasceram os latifúndios e a elite econômica – o Conde Drácula é um empresário de sucesso.
O botim é sacralizado: nele não se bole: para ter acesso à riqueza é preciso ser elite, ser burguesia, morar em Casa Grande, ou simplesmente ter o poder. Não é para qualquer um. O povo pobre que não ouse se aproximar dessa riqueza – vai ter polícia federal armada de metralhadora e escopeta nas suas costas. Nêgo será preso, algemado, submetido a processo federal. O povo das senzalas que não se meta a besta de querer comer bem, vestir-se bem, ter terra, casa, saúde, e até, imagine?!, comunicar-se. O antigo édito real – “Comunicação não é para o bico do povo” - continua em vigor.
A comunicação é deles. A terra é deles. O dinheiro é nosso mas é para eles. As elites nacionais (quem tem o dinheiro/poder) construíram o Brasil assim, para servi-las, garantindo o domínio sobre as riquezas locais. Tudo que é riqueza. Incluindo aquela obtida por quem não produz nada: em 2003, primeiro ano de Governo popular de Lula, os banqueiros lucraram cerca de 200% em relação ao ano anterior e pagaram somente a metade em impostos. Na Folha de São Paulo (13/07/04), Clóvis Rossi indaga: “Alguém aí acredita que tem alguma chance de vida um país em que o jogo financeiro tem remuneração quatro vezes superior à atividade produtiva?”.
É preciso deixar bem claro, essa característica vampiresca das elites econômicas não é exclusiva do setor financeiro. Tudo que é riqueza pátria atrai vampiros. Enquanto o Brasil tiver um fiapo de vida terá este bicho grudado em suas costas. Resultado: o Brasil do século XXI é campeão mundial da má distribuição de renda e o 69º no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). No final de 2004 o Unicef anunciou que 75% das crianças do Nordeste passam fome. Enquanto isso, o presidente Lula continua sua peregrinação de vendedor do Brasil (tal qual FHC), convidando as multinacionais a investirem no país. Que venham os vampiros!
Pela revista de fofocas revela-se ao pobre a existência de uma Casa Grande, as caras e bocas dos granfinos. E o pobre aprende a admirar a Casa Grande e o seu perfume de Casa Grande. O pobre sonha morar num lugar assim, uma ilha cercada de ócio por todos os lados, com todas as gostosas da TV, incluindo as siliconadas; ser famoso e chique. O povo aprendeu isso - de querer ser um elite - na escola, mas, principalmente nas TVs e rádios e jornais das elites. O apelo pedagógico foi tão forte, tão sistemático, que o pobre não viu (não lhe deixaram ver) que as elites lhe roubam, e que ele mora numa senzala, numa favela, na periferia, num barraco, ou embaixo de um viaduto, porque a riqueza do país vai toda para essa gente. O que lhe sobra são as migalhas do banquete. Banquete montado com o que lhe pertence.

O latifúndio da terra
Constroem-se latifúndios porque as elites não se fartam com pouco e, afinal, têm a certeza de que o que é do Brasil deve ser delas. A começar pela terra.
As sesmarias funcionaram da época do achamento pelos portugueses até julho de 1822. As terras foram entregues aos fidalgos e tinham caráter hereditário. Não eram propriedades privadas no termo exato da expressão. O barão, conde ou visconde, recebia o direito de explorar a terra mas não podia arrendar ou vender as terras recebidas. Eram concessões de uso da terra.
Com a independência do Brasil, em 1822, e a promulgação da sua Constituição dois anos depois, ficou definido o direito da propriedade absoluta. A burguesia brasileira, que fez a independência, estava de olho na manutenção dos seus privilégios.
Em 1850 surgiu a “Lei de terras”, quando ficou estabelecido o direito civil de propriedade de terras, tanto legitimamente particulares quanto públicas. As antigas sesmarias foram confirmadas. A Lei dizia que para regulamentar a propriedade bastava apresentar os documentos. Como os coronéis, as oligarquias rurais, não tinham os documentos - afinal a maior parte vinha de grilagem de terra pública ou roubo de posseiros -, tentaram a regulamentação dos primeiros latifúndios sem apresentação de provas. Daí montaram processos fraudulentos para se apropriar das propriedades.
Então chegam os anos 60. Em Pernambuco proliferam as “Ligas Camponesas” propondo a reforma agrária. Elas mostram ao camponês que o Brasil é rico mas essa riqueza vai para Casa Grande.
Em 1964, preocupadas com a possibilidade do Governo João Goulart mexer numa coisa sagrada para elas, a propriedade da terra, as elites nacionais, apoiadas pelo império norte-americano, se juntam aos militares e dão um golpe no Brasil. Participam da conspiração e do golpe todos os grandes veículos de comunicação do país.
Já no primeiro ano de ditadura, o General Castelo Branco, cumprindo o compromisso assumido com essas elites, para “sanar o problema da reforma agrária”, implanta o “Estatuto da Terra”. Por ele a reforma agrária é terceirizada, empresas privadas assumem o papel de fazer a colonização de terras; aumenta a especulação de terras, a reforma agrária é adiada; é feita a “titulação” das terras da União; aumentam os privilégios ilegais e ilegítimos; criadas “alienações sem concorrência” para áreas de até 3 mil hectares; e “alienação com direito de preferência”, também de caráter privilegiador.
Depois veio a “revolução verde” - inventada pelo setor industrial no pós-guerra, com o apoio da ONU e o aval das academias que deveria “acabar com a fome no mundo”. Mas a fome ficou maior. E oodutor rural foi feito dependente dos insumos da indústria. Depois vem o agronegócio – o agricultor produz o que o mercado quer e não o que o povo precisa comer. Então, ampliam-se os latifúndios, fazendo com que 1% de proprietários detenham 46% de todas as terras do Brasil; e 4,8 milhões de famílias fiquem sem terra.
Cresce o agronegócio. Hoje o Brasil, um país de famintos, é campeão mundial na exportação de carne bovina; campeão mundial na exportação de soja; 77% do café que produz vai para fora; e também sai 93% do suco de laranja e 58% do seu açúcar. As melhores terras são usadas para monocultura e cultura de exportação.
Pecando contra a sabedoria acadêmica é possível afirmar: a Casa Grande não se acabou, pelo contrário, ela ficou internacional, transnacional porque sua alma não tem pátria. O capital não tem pátria – tem ambições. E suas ambições são maiores do que o planeta.
A Casa Grande, porém, não seria grande se não tivesse o poder da fala. A fala é o poder. O poder é bom, mas ele só se mantém quando você fala e não deixa que os outros falem. Por isso a Casa Grande é indústria, banco, terra, religião, mas, principalmente, comunicação e cultura.

O latifúndio do ar
É com a comunicação que as elites ficam mais ricas e explicam o mundo ao povo; e justificam sua riqueza diante do povo. A comunicação estabelece a cultura. É com a comunicação que o bandido, tornado rico e famoso, é invejado pelo povo. Homem de sucesso. Rico e poderoso. Como ele ficou rico e poderoso? Graças ao trabalho ou à fama. E ninguém questiona mais. A senzala, inexistente nos meios de comunicação, não sabe que há uma luta de classes.
Os meios de comunicação informam que existe a fome, a miséria, a favela, o tráfico, mas é tudo por falta de uma abstrata política governamental (precisa mudar mas sem mudar a distribuição da riqueza). A questão é estrutural, mas se atribuem nossos problemas a uma entidade irreal, a “autoridade”. Também dizem que a fome é, principalmente, coisa de pobre, e circunstancial - dessa gente que não teve oportunidade de estudar, ou de virar pagodeiro ou jogador de futebol. Na versão modernizada, eis a panacéia para o social: aprender informática e dançar capoeira faz o sujeito “sair” do crime, escapar da violência e discriminação. Ensina a mídia elitizada ao povo da senzala irreal que basta força de vontade para escapar da miséria. O mercado, divindade entronizada pelas elites, oferece as oportunidades. Basta estudar. E tome curso de formação para pobre. No jornal da tarde a TV comercial festeja a vitória daquela menina que mora na favela mas estuda balé; e o sucesso daqueles meninos do sertão brabo, aonde não se pode plantar porque a água tem dono (é do coronel, dono da terra e da rádio local), mas eles tocam Mozart, Beethoven, Bach... O clássico chegou à caatinga – então está tudo resolvido: a fome não existe mais. E o povo da senzala comemora poder entrar na Casa Grande – aparecer no jornal da elite – e tocar o que a elite diz que é coisa de gente fina, música clássica.
As elites, através da comunicação, manipulam a cultura e impõem seus padrões sobre o oprimido, que os absorvem:
“O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivem a dualidade enquanto ser é parecer, e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo”. (Paulo Freire em “Pedagogia do oprimido”)
O poder nas comunicações, como na terra, ainda é oligárquico, feudal, embora moderno, industrial. Ele se distribui entre as famílias – donas de terra, agronegócios, bancos, jornais, revistas, ou emissoras de rádio e televisão –, e o clero. A comunicação faz e refaz a história. Eles sabem: “Quem manipula o poder, manipula também o esquecimento”.
Eis os latifundiários religiosos, o poder do clero: as emissoras nas mãos das igrejas:

Fonte: artigo “Existe concentração na mídia brasileira? sim”, de Venício Lima, 2003

É preciso levar em conta que a igreja Católica, embora já sendo proprietária de uma das maiores de redes de comunicação do país, ainda tenta se apossar das rádios comunitárias. Isto é ilegal e condenado pelo movimento das rádios comunitárias. No entanto, a Igreja Católica têm uma rede de emissoras ditas “comunitárias”, agregadas em torno da Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias (Ancarc). Estas rádios, em sua maioria, já têm a autorização oficial – como ela consegue isso se a lei proíbe? Pior, a Ancarc se junta aos latifundiários da comunicação para delatar ao Governo as rádios comunitárias não–autorizadas.
Os empresários, os latifundiários da comunicação, têm alcance nacional ou regional, conforme o caso. São oligarquias históricas, como se vê abaixo: Fonte: artigo “Existe concentração na mídia brasileira? sim”, de Venício Lima, 2003

Falta acrescentar à lista outras famílias não menos poderosas, como Sarney, no Maranhão; Collor de Melo, Alagoas; Jáder Barbalho, Pará,...

O poder Legislativo
Tanto o latifúndio da terra quanto o do ar têm seus representantes políticos no Congresso Nacional. Eles atuam na fabricação das leis que lhes interessam, legitimando o poder e o saque às riquezas nacionais.
Na maioria dos casos o parlamentar é o dono do veículo e defende abertamente seus interesses. Mas, regra geral, as empresas de comunicação sustentam lobbies em Brasília, que articulam representantes no Congresso Nacional.
A família Marinho – da Globo – optou por agir indiretamente sobre o Congresso. Não há nenhum Marinho ocupando cargo político ou envolvido diretamente nas articulações. Quando há necessidade usa-se o poder de fogo da própria emissora, na escolha e na forma de cobertura de temas para reportagens. É muito mais eficiente. Todo mundo sabe que uma reportagem (que chega a 96% dos lares brasileiros) pode destruir uma pessoa para sempre. Não espanta que políticos independentes tenham medo da Globo.
Os meios de comunicação atuam para ampliação do capital, mas também e principalmente, na campanha de ocultamento dessa realidade: que existe uma classe explorando outra. Mas isso é feito de modo tão científico, tão bem elaborado, que o povo da senzala, ao incorporar os ensinamentos dos exploradores, não reclama de sua miséria.
Pra iludir o povo, eis o circo montado - o entretenimento. A TV comercial é uma festa, um espetáculo, mesmo quando trata de guerra e massacres. Jornalismo é entretenimento. Intencionalmente o real e a ficção se confundem. O noticiário das oito fala de um ator envolvido no consumo de drogas, que depois aparece na novela das nove. Na novela das nove seres reais se misturam com seres irreais. A guerra no Iraque tem sua versão mentirosa para a agressão espalhada pelo jornal das oito. Depois do horror estabelecido, o jornal da oito diz que era tudo mentirinha.
Tudo isso para quê? Para que a senzala não se veja.
O horror da burguesia, das elites, é quando a senzala se vê no espelho e se vê no mundo. “O latifundiário não tem medo dos sem-terra porque eles ocupam a terra, mas porque pensam”, explica João Pedro Stédile, dirigente do MST. Gente que pensa é sempre um perigo para burguesia. Porque pobre pensando quer mudança.
Uma outra forma de se enganar o explorado é ofertando o pão, isto é, o emprego. Na Bahia, uma empresa transnacional, a Veracell, instalou-se em área de Mata Atlântica para plantar eucalipto e produzir celulose para exportação. Em troca vai gerar 3 mil empregos. O Governo Lula aceita o negócio: barganha com a miséria nacional, aceita o pão dado aos miseráveis. O Governo vai dar isenção de impostos, estradas, comida e roupa lavada; vai permitir a derrubada da Mata e a plantação do deserto verde. O Governo comemora. A burguesia festeja mais ainda. Tudo normal: cada vez que uma super-empresa vem se instalar no Brasil o Estado oferece tudo: casa, comida, roupa lavada,... Em troca, o sub-país ganha sub-empregos
A comunicação se encarrega de dar uma boa embalagem nessas ações presidenciais em defesa do capital, mascarando-a como ação social. E não se diz do povo tocado para as senzalas...
Em 1922 chega ao Brasil o primeiro veículo de transmissão via ondas de rádio. Imediatamente as elites se apoderam do meio e estabelecem que cabe ao Estado (dominado por elas) decidir quem deve utilizar o meio. Quem? Elas, claro. E as concessões são distribuídas entre os amigos e parceiros do poder. Em 1950 chega a televisão e o processo político de distribuição continua do mesmo jeito. No Governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), filho predileto do neoliberalismo, as regras “mudam”: recebe concessão de rádio ou TV quem tiver mais dinheiro para pagar por ela!...Quem? Os mesmos.
Apesar de historicamente o Estado estar a serviço dos ricos, entregando-lhes o espaço eletromagnético, os pobres deste país resolveram enfrentar este poder, abrindo rádios livres. Mais tarde, já nos idos de 90, botam no ar as comunitárias sem aguardar as concessões oficiais... O povo descobre que falar é bom, e falar da comunidade e para a comunidade é melhor ainda. E isso mete medo nos empresários da comunicação.

A sedução dos piratas
A repressão – ainda no Governo FHC – cai em cima de quem coloca rádio no ar sem autorização. Fecham-se rádios “ilegais” e os que atuam nelas são presos. Então, em 1996, chega ao Congresso a proposta de regulamentar as rádios comunitárias. Como o Congresso está nas mãos das elites, aprova uma lei sem caráter, a 9.612/98. A lei inviabiliza as RCs. Ao povo restam duas alternativas: ou se adequa à lei, e faz uma rádio inviável; ou coloca a rádio no ar por sua conta, sendo tratado como marginal, bandido, pirata, pelo Estado. Se correr o bicho pega se ficar o bicho capa.
Nesse meio tempo, as emissoras comerciais, temendo a expansão das rádios comunitárias não-enquadradas na lei furreca para o setor, deflagram campanha de satanização das emissoras não-autorizadas. A campanha diz que elas representam risco de vida, que derrubam avião, e que servem ao narcotráfico. TVs e rádios comerciais se encarregam de difundir a mentira.
Boa parte dos que fazem rádio comunitária não está qualificada para a luta contra a burguesia, e nem percebe que há aí uma luta de classes. Por isso não sabe se defender da repressão oficial, e acaba sendo enganada por líderes oportunistas. As elites cooptam lideranças (antigas, oportunistas) no movimento, colocando-as a serviço dos seus interesses. Resultado: denúncias de desvio ético e cooptação de lideranças entram no repertório de discussão do movimento, fragmentando a luta.
Para que as rádios comunitárias não escapem ao controle, a burguesia elabora uma estratégia de domínio sobre elas. O controle se faz por repressão, cooptação, contaminação ou sedução. A entidade representante das emissoras comerciais chega a oferecer ajuda técnica na instalação e operação de emissoras,... mas somente às legalizadas. Isto é, somente àquelas que se submeteram à lei que as colocou numa espécie de galinheiro – quietinhas, caladas, como cabe ao povo da senzala.
A contaminação é fazer com que o inimigo tenha na sua cultura a língua e os valores do outro. Os Estados Unidos adotam essa estratégia desde o fim da Segunda Guerra Mundial. E, como se vê dá certo. No período de colonização do Brasil, os jesuítas adotaram essa prática para destruir a cultura dos índios e assim fazê-los escravos da Igreja. Funcionou.
A fórmula da sedução/contaminação está sendo implementada hoje, a partir do Rio de Janeiro. A TV Globo, maior latifundiária das comunicações no Brasil, por integrar o conselho dirigente da ONG Viva Rio, criou um projeto para as rádios comunitárias. O projeto se chama Viva Favela, e tem como objetivo levar “conteúdo” às emissoras comunitárias, integrando-as numa rede via Internet. Começa no Rio de Janeiro mas não tem fronteiras. Na primeira fase oferece “gratuitamente” o áudio de programas da TV Globo ( “Zorra total”, “Casseta e Planeta”, “Xuxa”,...) para serem veiculados nas emissoras comunitárias, mesmo aquelas consideradas piratas pelo Governo. E quem não tem acesso à Internet basta um telefonema para recebê-los em casa, gratuitamente.
A parceria Globo/Viva Rio/Viva Favela inclui visitas programadas das RCs ao complexo Projac (central de produções de telenovelas da Globo). A classe operária vai ao paraíso.
A contaminação cultural – que exclui a cultura local, autônoma, independente, original, criativa - tem objetivos bem claros para as classes dominantes. Por isso, para ocultar a manobra, o projeto do Viva Rio/TV Globo vem maquiado como solidariedade da maior rede do país, “aos mais carentes” que fazem rádio comunitária. Vem como uma cooperação democrática, como proposta de desenvolvimento local, modernidade, etc. Tudo isso para seduzir, contaminar e cooptar. Para entrar na sua vida, para depois determinar a sua vida.
A parceria entre a TV Globo/Viva Rio e as rádios comunitárias é uma tentativa de cooptação do movimento. Afinal, como existir parceria entre explorados e exploradores, opressores e oprimidos?
O que está em jogo – e a elite sabe muito bem – é a possibilidade de haver ou não uma revolução política, com o povo brasileiro tendo direito a voz. Levar a voz do opressor para sua casa, para o seu instrumento de transformação política, como se faz pelo Viva Rio é uma aberração que a história não digere e condena todos aqueles que defendem tal transgenia. Não tem cabimento retransmitir um programa da Xuxa, por exemplo, que estimula o consumo e trata as crianças como débeis–mentais; ou um “Casseta & planeta”, que se resume a um humor-propaganda da Globo, e de manutenção dos velhos preconceitos contra os diferentes (gaúchos, nordestinos, gays,...).
A cooptação é uma tentativa de dissolução da possível revolução política. Jamais ocorrerão mudanças se o explorado abrir mão do seu espaço para que o explorador utilize este espaço para impor seus argumentos. Porque todo texto, toda fala da burguesia, tem o lastro ideológico da burguesia – é sempre um manifesto em defesa dos seus valores e princípios.
Algumas, porém, fazem isso por absoluta pobreza material. A maioria do povo brasileiro não tem dinheiro para comprar jornais, revistas; não tem acesso à Internet; não tem dinheiro para pagar a assinatura de um canal de TV, comprar um livro, um CD, pagar a entrada do cinema ou assistir uma peça de teatro. Estes produtos culturais são para uns poucos. Não é para o pobre. Ao pobre se reserva a TV aberta e seu poço jorrando mediocridade 24 horas por dia. Ele não tem escolha.
A intervenção das elites sobre a cultura é algo assustador. A indústria cultural, gerida pelas elites do setor, promovem um genocídio da cultura brasileira. Ela determina que o país deve conhecer apenas cinco gêneros musicais, dez grupos e uma dúzia de artistas. A indústria cultural determina o cinema da moda, a música da moda, a dança da moda, o cantorzinho da moda. Portanto, quando uma rádio comunitária reproduz a programação de uma emissora comercial ela está reproduzindo os interesses da elite estabelecidos pela indústria cultural. Essa música “do povo” veiculada nas comerciais nada mais é que a música determinada pelas elites para o povo. Se ela já é indefensável sob o ponto de vista de qualidade artística, muito menos o é sob o ponto de vista político e cultural.
Graças a esta dominação sobre o que é veiculado nas redes de rádio e TV no país, a trilha sonora ouvida em todo país é o que existe de pior em música brasileira. Intencionalmente deseducou-se o povo para a estética musical. Agora não se sabe mais o que é de qualidade em música, prevalecendo o gosto imposto.

Festa de rico
A TV comercial não quer o trabalhador pensando, refletindo sobre o país, sobre o mundo. A TV é uma festa que não acaba nunca. E uma festa claramente ideológica, que acontece em dois salões: de um lado, as celebridades - os ricos e poderosos opinam, aparecem, decidem sobre os destinos do país; do outro, o povo comum, mostrado em situações de constrangimento, humilhado, sem vez e voz.
É na TV que a burguesia mais prega a inexistência de uma luta de classes. Ela estabelece a comunicação e a cultura como fator de alienação da classe oprimida. É assim que faz a opressão. E o faz muito bem. Por isso o movimento das rádios comunitárias não distinguiu ainda quem são seus parceiros e seus inimigos. Uma TV Globo faz campanha cerrada contra as rádios comunitárias, difunde que ela derruba avião, censura as matérias favoráveis às boas rádios comunitárias, só revelando as aberrações,... E mesmo assim ainda consegue montar um projeto de parceria com rádios comunitárias! Mesmo assim consegue colocar programas (medíocres!) em emissoras comunitárias! O sonho da burguesia é devorar as rádios comunitárias, e assim impedi-las de cumprirem seu papel histórico.
Enquanto movimento social, o das rádios comunitárias carece de uma maior fundamentação para o enfrentamento da luta política. Atropelado pela falta de comunicação (faltam recursos para acessar os meios) e pela incomunicação (da contaminação forçada da burguesia), o movimento se constrói de forma segmentada. Felizmente alguns focos perceberam o que é essa luta e fazem a resistência usando a mente e o coração. São emissoras comunitárias de fato, líderes de audiência, com programação de qualidade e capacidade de enfrentamento à repressão.
Penosamente massacrado pelo Estado, que insiste em se atrelar ao poder burguês, e pelas inúmeras tentativas de cooptação, o movimento segue cambaleante. As seduções do capital já arrebanharam líderes e falsos líderes para as suas hostes, forjaram equivocados e oportunistas, entidades e representantes suspeitos... Mas também construiu bases sólidas e novas e corajosas lideranças.
O problema é que o Governo – este Governo que se dizia popular - dá mau exemplo. Ele ensina que as alianças, as parcerias, são necessárias ao funcionamento do Estado. Então, tudo é permitido. Os aliados de hoje eram inimigos ontem. Amigos de hoje eram os inimigos de ontem - aqueles que já foram apontados como sem ética, cruéis, demagogos, agora são parceiros. Para quê? No fundo a gente sabe: para garantir o poder. Faz-se política pelo poder. Não existe mas um objetivo – mudanças, reformas sociais –, o que existe é somente a ambição do poder. Lula já fala em reeleição. Depois de dois anos seu Governo ainda nem começou, e talvez por isso ele fale em renovação do mandato. Tanto não começou que FHC tem insistentemente elogiado a continuidade de sua obra política e econômica. Editoriais das grandes redes de comunicação (os latifundiários do pedaço) elogiam o rumo econômico adotado. Latifundiários da terra dizem o mesmo.

A sede de poder
O grupo político dominante no Planalto articula, negocia, faz barganhas, acordos, com o objetivo único de se sustentar no poder. Esta classe de luta é vergonhosa para a história porque representa um retrocesso político e uma deseducação para a política. O que está se ensinando é: todos os partidos são iguais, todos os políticos são iguais, todos os governos são iguais; não existe luta de classes, não existem inimigos na luta política, tudo é negociável.
O Partido dos Trabalhadores, que hoje está (está?) no Governo, sempre tratou a radiodifusão comunitária com um profundo desprezo. Por medo ou burrice, valorizou a comunicação praticada pela grande mídia, a da burguesia. Enquanto isso, uns poucos parlamentares e militantes sustentaram a luta das rádios comunitárias em caráter quase pessoal. Entre estes, alguns, infelizmente, em nome da boa relação política, abriram as portas para reconhecidos oportunistas, por serem petistas e portarem crachás de dirigentes de entidades. Em várias ocasiões dirigentes e certos parlamentares petistas foram informados da atuação anti-ética de companheiro de partido no movimento das rádios comunitárias e nada fez. Omitiu-se. Falou mais alto o corporativismo. Abriram as portas para os inconfiáveis porque tinham crachás poderosos, o que lhes garantia a imunidade de dirigente. Corroborados pelo modo petista de lidar com lideranças, muitos oportunistas avançaram, e ocuparam importantes espaços políticos.
Tudo isso representou um extraordinário retrocesso para o movimento. Falsos líderes e oportunistas, ocupando espaços com o apoio do PT, fizeram com que as bases perdessem as referências ideológicas e éticas. Ficou cada um por si.
Ainda bem que apesar deste mau exemplo algumas emissoras comunitárias e entidades regionais foram longe, bem mais longe que entidades e líderes. Aprenderam, por conta própria. E agora ensinam o que é fazer política e fazer rádio comunitária.
O PT já foi vanguarda no Congresso Nacional na questão das rádios comunitárias. O partido, graças a alguns militantes e parlamentares, foi referência nacional. No entanto, devido ao absoluto desprezo da direção nacional ao tema, ao comportamento repressivo do atual Governo, e ao corporativismo partidário, perdeu o rumo. E veio o caos. E o caos chegou às bases.
Perdeu-se a distinção de quem são os aliados e quem são os inimigos das rádios comunitárias. Como entrar numa briga se a gente não sabe quem está do nosso lado e quem quer nos devorar? Um ministro das Comunicações (ex-PDT, hoje PPS) se apresentou como amigo das rádios comunitárias mas depois se viu que ele não era nada disso. Era pelo contrário.
Sem uma referência política, alimentada pela cultura histórica do paternalismo burguês e sob o comando de falsos líderes, boa parte do movimento transformou a disputa política numa briga com a burocracia. Equivocadamente o objetivo do movimento se resumiu a exigir maior rapidez no funcionamento do cartório-Brasília, o Ministério das Comunicações. O importante era ter a autorização oficial. A questão política maior e escancarada ficou em segundo plano: que a autorização oficial significa botar a rádio para funcionar num galinheiro, conforme determina a legislação em vigor: freqüência fora do dial, limitações de publicidade, impedimento a formação de redes, sem a segurança do Estado às interferências das comerciais, alcance limitado,... Não se cobrou do Estado com a devida firmeza um novo marco regulatório capaz de atender à coletividade, corrigindo a legislação existente. Não se cobrou o fim da repressão - na prática, significa a exclusão pela força do acesso à comunicação de milhares de brasileiros.
A substituição no movimento das rádios comunitárias da luta política por uma luta burocrática, cartorial, foi uma vitória da burguesia. Para as elites, para o latifúndio da comunicação, natural inimigo da democracia na comunicação e, por extensão, da comunicação comunitária, é bom que o movimento reivindique apenas um melhor funcionamento do cartório. É melhor ainda para as elites que este foco de luta não tenha fim, porque continuará atraindo as atenções e as energias do movimento. Também é bom para a burguesia – como foi feito em 2003 – que o ministro das Comunicações (Miro Teixeira) constitua um Grupo de Trabalho com a missão de estudar meios de agilizar os processos travados no seu cartório. Este GT era tão “democrático” que para discutir rádios comunitárias o Ministro botou lá dentro um representante do latifúndio. E o movimento aceitou. As propostas do GT foram pro lixo. No final de 2004 o Governo montou um novo GT.

Mas onde está o Estado?
A partir de 1995 o Governo Fernando Henrique Cardoso deu continuidade à implantação do projeto neoliberal iniciado por Collor de Melo. Sob o argumento falacioso de que o Estado é ineficiente, caro e não pode se intrometer no setor produtivo, nem gerar ou produzir bens, reduziu seu poder ao de um limitado administrador de interesses. Até mesmo seu papel regulamentador de mercado foi quase totalmente extinto. O Estado foi tornado um assessor do mercado, uma instituição que tem por objetivo facilitar as ações do mercado. Num Estado assim, como bem observa Noam Chomsky, quem manda são as empresas. O Estado existe para servir aos interesses das empresas. Por isso quando os Estados Unidos resolveram taxar a entrada do aço “brasileiro” o presidente da República, Lula, correu para defender as “siderúrgicas nacionais”. As tais “siderúrgicas nacionais”, que já foram estatais no passado, hoje pertencem a poderosos conglomerados e cartéis transnacionais.
Em outro patamar, quando a Globo Cabo, de uma família de latifundiários da comunicação, anunciaram uma dívida superior a R$ 5 bilhões, imediatamente José Dirceu, ministro da Casa Civil no Governo Lula, disse que a dívida da Globo era “uma questão de Estado”. Quando, em julho de 2004, a Vale do Rio Doce, privatizada por FHC por ser eficiente e dominar reservas minerais estratégicas, inaugurou uma nova mina de cobre para explorar, o presidente Lula foi lá e festejou com eles. Esquece que isto tudo era nosso e nos foi tomado. A senzala dança na Casa Grande.
A ousadia de Fernando Henrique foi fazer do Brasil um Estado neoliberal aparentemente indestrutível (pelo menos é o que dizem os ideólogos do Governo Lula). Para criar esta aura de destino sem volta dois grandes aparatos se destacam: 1) o poder do FMI, que no Governo FHC decidia até sobre a compra de papel higiênico; 2) a criação das agências reguladoras.
FHC criou agências para todos os setores estratégicos: saúde, petróleo, energia, telecomunicações, transportes,... Foi uma imposição do FMI para retirar do Estado o poder de regulamentar e fiscalizar o mercado. São institutos públicos transgênicos: para todos os efeitos a agência é uma instituição pública, mas sendo autônoma e constituída por uma direção “democrática”, atua como um órgão a parte, capaz de estabelecer direta ou indiretamente políticas para o setor. Na verdade, a burguesia conseguiu com a agência ter um aparato de Estado (pago e sustentado pelo Estado), fora do Estado e a serviço do mercado. As agências servem tão bem ao mercado que seus maiores defensores são os empresários. Cada vez que se fala em mudança de dirigentes ou de sua estrutura, editoriais inflamados e reportagens em grandes dimensões aparecem nos veículos da grande mídia defendendo a sua atual constituição. E o Governo Lula aceita.
A Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, é uma das mais eficientes no papel de servir ao mercado. As empresas de telefonia são reconhecidamente um desastre para o país, campeãs de denúncias nos procons, com a oferta de serviços de má qualidade, mau atendimento, e abuso nas tarifas. No entanto, a Anatel, a quem caberia exigir mais dessas empresas, não cobra o mínimo de qualidade. Por outro lado, a Anatel se tornou o braço mais eficiente dos latifundiários da comunicação na repressão àqueles que exigem seu direito à comunicação. Em 2004, em plena maturidade do Governo Lula, foram fechadas mais de 4 mil emissoras de baixa potência.
No afã de servir ao mercado, a Anatel já ousou passar por cima de leis maiores. Em 1997, uma decisão do Supremo Tribunal Federal proibiu a Anatel de apreender equipamentos de emissoras “clandestinas”, como determinava a Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações). Pois bem, a Anatel não obedeceu. Só depois que foi feita uma “reclamação” ao Supremo ela parou com tais ações. Mas aí, não podendo legalmente apreender, resolveu que podia “lacrar”. E criou uma Resolução interna neste sentido. Todo mundo sabe que “apreender” ou “lacrar” dá no mesmo – é tornar um bem indisponível. Ou seja, ela continuou fazendo o que fazia antes.
A Anatel tinha que agir, tinha que cumprir as ordens da burguesia, que exigia a apreensão dos equipamentos. Então passou a trabalhar em conjunto com a Polícia Federal que “tem” poderes para fazer a apreensão em caso de flagrante e por ser crime federal. Baseada em que lei? Em alguns locais a Polícia Federal usa a Lei 4.117/62, artigo 70 (cadeia para quem opera emissoras sem autorização), embora essa lei não fale em rádios comunitárias; em outras regiões, a Lei 9.472/97 (a LGT), artigo 183 (que também é cadeia) mesmo que essa lei seja para telecomunicações e não para radiodifusão. Em alguns locais a PF chega a usar o Código de Processo Penal para fechar rádios e levar preso quem as opera! Não importa a legitimidade da lei e sua aplicação, o que importa é impedir o povo de se manifestar.
Como não faltam recursos à Anatel (afinal se pensou nisto ao criá-la), é a agência quem paga diárias de agentes da Polícia Federal, fornece automóveis/combustíveis, nas suas ações de repressão. São blitz de escandaloso aparato: os agentes da PF vão extraordinariamente armados de metralhadoras e escopetas para prender os “piratas” – a maioria gente pobre, tratada como traficante, bandido perigoso. Embora seja considerado crime federal (por eles) a operação clandestina de emissoras, não é só a PF que fecha rádio comunitária,. Hoje a PM e até Polícia Civil se acha no direito de reprimir o pobre. No Governo Lula, mais um pouco e até guarda noturno vai querer fechar rádio comunitária. Em pobre, preto e prostituta, todo mundo quer bater.
Na luta de classes, a classe dominante cria leis que legitimam seus atos e suas intenções, e, ao mesmo tempo, solidifica o aparato repressor para evitar as reações. Por isso nem todo legalista é um tirano, mas todo tirano é um legalista. Toda repressão precisa ser legalista – não faltarão leis e normas para justificar uma decisão política. Sim, porque apesar do Estado querer ocultar isso, as ações de repressão às rádios comunitárias, é fruto de uma decisão política, vem de um poder, a classe dominante, que determinou ao Estado o acionamento dos seus instrumentos para coibir a organização popular. Se a classe dos trabalhadores estivesse contemplada pelo Estado, ou no Estado, a repressão seria contida, no mínimo, com a formulação de medidas políticas emergenciais enquanto se faria uma reformulação da legislação vigente, impedindo a continuidade de um processo histórico de marginalização das massas.
Pelo contrário, está bem claro que o Governo atual fez uma aliança com a burguesia, com o que existe de mais atrasado em política nacional. Uma aliança sem pudor que envergonha todos os que acreditaram nele, em especial a classe operária. É vergonhoso que a repressão de hoje às emissoras de baixa potência seja maior do que nos tempos da ditadura; que esta repressão se baseie numa lei criada pelos militares (o artigo 70 da Lei 4.177), ou no fundamentalismo neoliberal de FHC (Lei 9.472); que o comando dela esteja com um aparato criado pelo neoliberalismo para atender aos seus interesses, a Anatel.

Quem organiza a luta?
É da essência do capital manter sob controle as classes dominadas. As estratégias são pontuais ou globais, mas é parte das regras mínimas de sobrevivência do capital. O capitalismo não existe sem exploração, por isso o explorado não pode saber que é explorado. Quando se trata de uma questão perigosa como esta (o surgimento das rádios comunitárias), os latifundiários da comunicação se organizam e agem para coibir sua proliferação. Por exemplo, desencadeiam na imprensa uma onda de reportagens satanizando os movimentos populares; cobram do Estado mais repressão; tenta-se a cooptação do movimento.
Como esta é uma luta histórica, o lado deles, a burguesia, já sabe muito bem o que fazer. Por isso, quando o povo pede uma regulamentação para as rádios comunitárias, primeiro a classe dominante diz não. Depois, pressionada, faz uma legislação ilusória, que, na prática, inviabiliza as RCs. Mais tarde, quando a população diz que não tem mais canais aonde instalar suas rádios comunitárias – porque o dial foi reservado para os ricos -, o Estado fornece canais fora do dial. Hoje estão disponibilizados oficialmente três canais de operação das rádios comunitárias, 87,5-87,7-87,9 MHz. Todos fora da faixa de freqüências de FM, que vai de 88 a 108Mhz. Dois deles foram estabelecidos pelo Governo Lula.
Querer engolir as rádios comunitárias é da natureza dos latifundiários da comunicação. Eles jamais admitiriam que as camadas mais pobres, os explorados, tivessem meios de comunicação. Não bastou criar uma legislação ruim para as rádios comunitárias ou mesmo botar as TVs comunitárias nos canais por assinatura (longe do povo), é preciso impedir pedagogicamente os rebeldes, botando a polícia para prendê-los quando ousarem criar quilombos de comunicação, as chamadas “clandestinas”. Também é preciso cooptar os indecisos, oferecendo “gratuitamente” seus produtos (ideologicamente nocivos a este povo). A burguesia sabe que, pior do que um povo organizado e que pensa, é a manifestação desse pensamento.
No entanto, chegar ao seu veículo de comunicação deve ser um dos objetivos do explorado. A outra banda da luta é saber que existe uma classe que luta contra ela, contra os seus direitos, entre os quais o direito à comunicação. E saber também que a burguesia usará de todos os meios possíveis – da violência física à sedução - para impedir que os pobres saibam disso e possam, então, exigir os seus direitos. Alguém já disse, ganha a guerra quem tiver mais informações, e quem souber estabelecer uma estratégia identificando a dimensão da sua força, dos seus aliados, e dos seus inimigos. Este é o grande desafio do movimento das rádios comunitárias hoje.

* Dioclécio Luz é jornalista, escritor, assessor parlamentar, membro da diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF.
Texto original postado em : http://alainet.org/active/7407&lang=es

domingo, 30 de agosto de 2009

O mito dos Impotos


por Rodrigo Velloso
Muitos brasileiros acham que é o nosso, mas a Suécia é o país onde a alíquota máxima do imposto de renda (IR) para pessoa física é a mais alta do mundo. Os suecos que ganham bem entregam para o governo até 58,2% dos seus rendimentos. No Brasil a taxa máxima está em 27,5%, um patamar baixo se comparado ao de nações desenvolvidas e, até mesmo, de países vizinhos como o Chile (45%). Mas isso não quer dizer que nós não temos o direito de reclamar do que pagamos de IR. É que os brasileiros contribuem excessivamente com outros tipos de impostos. "Há três bases para tributação: renda, patrimônio e consumo", afirma o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. O que deixamos de pagar sobre nossa renda pagamos sobre nosso patrimônio e, sobretudo, nosso consumo. A maioria das pessoas nem se dá conta disso, mas há impostos nos preços de todos os produtos que são comprados. São impostos cobrados das empresas e embutidos por elas em seus preços.
Por isso, a carga tributária total do Brasil já está entre as mais altas do mundo, no mesmo patamar de países como Alemanha e Canadá, onde o retorno para a população dos impostos pagos - por meio de investimentos em educação e saúde, por exemplo - é bem maior. Neste mês de abril, os 5 milhões de brasileiros que efetivamente pagam imposto de renda terão uma coisa em comum: ao fazerem seus cálculos, chegarão à conclusão de que estão contribuindo demais para o governo. Também, não é à toa: eles representam apenas 7% da população economicamente ativa do país. E aí não tem segredo: quanto menos pessoas existem para pagar a conta, mais cara ela fica...


A mordida do leão
Suécia tem a maior alíquota máxima do tributo

País - Suécia
Alíquota máxima do IR* - 58,2%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 53,2%

País - Alemanha
Alíquota máxima do IR* - 51,2%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 36,4%

País - Espanha
Alíquota máxima do IR* - 48,0%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 35,2%

País - EUA
Alíquota máxima do IR* - 46,1%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 29,6%

País - Japão
Alíquota máxima do IR* - 45,5%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 27,1%

País - Chile
Alíquota máxima do IR* - 45,0%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 17,3%

País - Canadá
Alíquota máxima do IR* - 43,2%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 35,2%

País - Coréia do Sul
Alíquota máxima do IR* - 41,8%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 26,1%

País - México
Alíquota máxima do IR* - 40,0%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 18,3%

País - Argentina
Alíquota máxima do IR* - 35,0%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 17,4%

País - Brasil
Alíquota máxima do IR* - 27,5%
Carga tributária total (em % do PIB**) - 36,4%


* Alíquota máxima combinada, que se refere à soma de alíquotas de todos os níveis de governo
** PIB é o Produto Interno Bruto, ou seja, a soma de todas as riquezas produzidas no país

Fontes: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Secretaria da Receita Federal; Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)


Texto Original postado em:

ABC da Dívida Brasileira


A América Latina foi colônia européia por mais de 300 anos, e mesmo depois das declarações de independência, continuamos dependentes, explorados e oprimidos. Grande parte da riqueza que produzimos é transferida para os países ricos, que nos cobram uma grande dívida.
Os efeitos da dívida são como os de uma terceira guerra mundial, só que em vez de soldados, morrem crianças. Em vez de feridos, os hospitais estão lotados de doentes e subnutridos; as ruas, de desempregados.
Nessa guerra não se destroem pontes ou estradas, mas se eliminam fábricas, escolas e hospitais. Não se lançam bombas nessa guerra, mas nossas riquezas são saqueadas. A dívida é uma sangria permanente nas veias abertas há 500 anos na América Latina.
O que são títulos ou bônus?

Nas últimas décadas, a maior parte da dívida passou a ser formada pelos chamados “títulos”
ou “bônus”. Ou seja: quando o governo toma recursos dos emprestadores (bancos, por
exemplo), entrega a eles, em troca, um título, que é um papel, no qual consta o valor da dívida
(o chamado “valor de face”), as taxas de juros e os prazos de pagamento. Quem detém este
papel, portanto, tem o direito de receber o valor emprestado e os juros nos prazos marcados.
Porém, quem tem um título da dívida pode revendê-lo a outros investidores, dando a eles,
portanto, o direito de receber esta dívida no prazo estipulado no título. Estas operações de
revenda de títulos se dão no chamado “mercado secundário”. O valor deste título no mercado
secundário é influenciado pelo “risco-país”, ou seja, a expectativa de que o governo irá ou não
pagar a dívida. Caso haja um compromisso muito forte, por parte do governo, de que ele irá pagar todos os títulos no vencimento, o valor dos títulos no mercado secundário tende a aumentar, e pode até mesmo ficar acima do “valor de face” (pois se torna muito atrativo para os investidores receber os altos juros pagos pelos títulos).


Por outro lado, se há a crença de que o governo não irá pagar a dívida, o valor dos títulos no mercado secundário fica abaixo do “valor de face”.
O “risco-país” representa um aumento de juros que pagamos aos emprestadores para compensar o risco de, algum dia, não pagarmos a dívida. Este “risco” está representado pela parte vermelha do gráfico abaixo. Porém, sempre pagamos religiosamente esta dívida. Então, este adicional de juros é ilegítimo, e deve ser devolvido ao Brasil.

Leia mais em: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/

EUA: A realidade por trás da "recuperação" económica

A realidade por trás da "recuperação" económica
por Rick Wolff
[*]
Os meados de Agosto de 2009 foram um momento peculiar na economia dos EUA. A Wall Street, os grandes bancos e os media estiveram sobretudo a celebrar a "recuperação económica". Enquanto isso, os americanos médios estiveram a sofrer níveis recorde de desemprego, insegurança de emprego, arrestos de lares, ansiedades quanto à dívida pessoal e as preocupantes tensões e cóleras que inevitavelmente resultam daí. Um economista referiu-se aos EUA como "uma nação, duas economias nacionais" . Dois conjuntos particulares de dados económicos de Agosto revelam o aprofundamento do divisor económico por trás da conversa da "recuperação".
O primeiro conjunto de números vem do Bureau of Labor Statistcs do Departamento do Trabalho dos EUA. Eles mostram alguns factos notáveis acerca (1) da produtividade dos trabalhadores estado-unidenses – a quantidade de bens e serviços produzidos por trabalhador empregado; (2) a compensação paga aos trabalhadores estado-unidenses; e (3) as horas que eles realmente trabalharam.
Estes números mostraram como a economia foi alterada entre o primeiro trimestre (Janeiro-Março) e o segundo (Abril-Junho) de 2009. O número médio de horas trabalhadas pagas por empregado caiu em 7,6 por cento, mas o produto total caiu apenas 1,7 por cento. Isso foi porque os trabalhadores que não haviam (ainda) perdido os seus empregos estavam temerosos, de modo que trabalharam mais arduamente e mais depressa efectuando alguns das tarefas feitas pelos trabalhadores despedidos.
Com menos trabalhadores empregados a fazerem mais, o BLS relatou um ganho de 6,4 por cento na produtividade do trabalho estado-unidense. Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido e portanto 6,4 por cento mais produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários monetários subirem em somente 0,2 por cento entre o primeiro e o segundo trimestre de 2009.
Quando o BLS levou em conta a ascensão dos preços que os trabalhadores têm de pagar, os seus salários reais (os bens e serviços que eles realmente poderiam comprar) caíram em 1,1 por cento. Tomado tudo em conjunto, estes números mostram que o patronato obteve um enorme aumento na produção por cada empregado, enquanto o que eles pagaram aos seus empregados impõs-lhes uma redução nos bens e serviços que podem comprar. Não é de admirar que o segundo trimestre de 2009 fosse celebrado como uma "recuperação" pelos negócios e portanto pelos políticos e os media; os trabalhadores apenas assistem e preocupam-se. Mas os números da produtividade contam-nos ainda mais. Eles mostram um aprofundamento da desigualdade entre empregadores e empregados nos EUA.
O patronato ao obter 6,4 por cento mais de produto para venda por hora de trabalho pago ao trabalhador desfrutou cerca de 6,4 por cento mais receitas de vendas. Contudo, os seus empregados remanescentes, a trabalharem mais arduamente e mais rapidamente, obtém como pagamento salários horários que lhes permitem comprar menos bens e serviços do que antes. As respostas do patronato à actual crise económica (despedimentos colectivos e aceleração do ritmo de trabalho) portanto pioram o fosso nos rendimentos e padrões de vida entre empregadores e empregados.
Deve-se ter isto em mente da próxima vez que se ouvir líderes de negócios ou políticos a falarem acerca de como "todos nós precisamos apertar os cintos" ou "fazer iguais sacrifícios".
O aumento da desigualdade na distribuição do rendimento entre empregadores e empregados habitualmente, também, aprofunda as desigualdades políticas e culturais. O patronato agora terá relativamente mais recursos para moldar políticas do que os trabalhadores.
O patronato terá mais para utilizar a fim promover suas amenidades culturais (suas famílias desfrutarão maior acesso a actividades educacionais, artísticas, recreativas, ao passo que os trabalhadores descobrirão que o acesso a tais coisas é cada vez mais difícil). A crescente desigualdade económica, política e cultural a partir da década de 1970 ajudou a provocar a crise actual.
Agora a crise está a piorar aquela desigualdade. Recuperação? O aumento da desigualdade também ameaça qualquer "recuperação económica" que possa realmente começar. A razão para isto é que os empregadores geralmente poupam mais e gastam menos dos seus rendimentos do que os seus empregados. A economia estado-unidense assolada pela crise obtém um "estímulo" benéfico com trabalhadores a gastarem quase todos os seus rendimentos. Aquele estímulo é reduzido quando o rendimento flui mais para empregadores e menos para trabalhadores.
Numa absurda deformação do nosso contraditório sistema económico, assim como o governo gasta mais para "estimular" a nossa economia deprimida, a prática dos negócios deixa aos trabalhadores menos para gastar. Isto é uma combinação auto-derrotante que mina a recuperação real que toda a gente necessita. O segundo conjunto de número foi coligido e publicado pelo US Federal Reserve; tal conjunto refere-se à "capacidade de utilização" . Grosso modo, estes números medem a proporção da capacidade de país para produzir que está realmente a ser utilizada para a produção. Em Julho de 2009, a proporção da capacidade de utilização em toda a indústria manufactureira era de 65,4, ou aproximadamente dois terços. Mais de um terço das ferramentas, máquinas, equipamento, fábricas e espaço de escritórios, etc estava ocioso na indústria manufactureira.
Para comparação, a taxa média da capacidade de utilização da indústria manufactureira de 1972 a 2009 foi de 79,6. A crise portanto está a aumentar o enorme desperdício do nosso sistema económico – fracasso em fazer uso dele – numa porção muito significativa dos recursos produtivos do nosso país. Capacidade ociosa geralmente significa capacidade em deterioração. E isto depois de um ano de "pacotes de estímulo económico" de Bush e Obama. Considere o significado deste desperdício. Lado a lado aos 15 milhões de pessoas desempregadas de hoje (sem falar nos subempregados), temos um terço da nossa capacidade industrial também desempregada. Enquanto necessidades sociais maciças permanecem por cumprir (reconstrução de centros de cidades, proporcionar a milhões cuidados de dia, cuidados de saúde e cuidados de idosos, reparação de décadas de danos ao ambiente e assim por diante).
Do modo como este sistema económico funciona, supõe-se que tenhamos de esperar até que empresas privadas vejam lucros na recontratação de desempregados e utilização da capacidade disponível. Até então, supõe-se que assistamos e observemos e aceitemos a incapacidade deste sistema para combinar pessoas desempregadas com recursos desempregados para atender necessidades sociais óbvias. Os dois conjuntos de números divulgados neste mês de Agosto revelam a realidade por trás de toda a conversa da "recuperação". A vasta maioria do povo vive e trabalha (ou não) naquela "outra" economia nacional que não está a experimentar a "recuperação" que somos supostos aplaudir.
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).
O seu novo livro acerca da crise actual é Capitalism Hits the Fan .