domingo, 30 de agosto de 2009

EUA: A realidade por trás da "recuperação" económica

A realidade por trás da "recuperação" económica
por Rick Wolff
[*]
Os meados de Agosto de 2009 foram um momento peculiar na economia dos EUA. A Wall Street, os grandes bancos e os media estiveram sobretudo a celebrar a "recuperação económica". Enquanto isso, os americanos médios estiveram a sofrer níveis recorde de desemprego, insegurança de emprego, arrestos de lares, ansiedades quanto à dívida pessoal e as preocupantes tensões e cóleras que inevitavelmente resultam daí. Um economista referiu-se aos EUA como "uma nação, duas economias nacionais" . Dois conjuntos particulares de dados económicos de Agosto revelam o aprofundamento do divisor económico por trás da conversa da "recuperação".
O primeiro conjunto de números vem do Bureau of Labor Statistcs do Departamento do Trabalho dos EUA. Eles mostram alguns factos notáveis acerca (1) da produtividade dos trabalhadores estado-unidenses – a quantidade de bens e serviços produzidos por trabalhador empregado; (2) a compensação paga aos trabalhadores estado-unidenses; e (3) as horas que eles realmente trabalharam.
Estes números mostraram como a economia foi alterada entre o primeiro trimestre (Janeiro-Março) e o segundo (Abril-Junho) de 2009. O número médio de horas trabalhadas pagas por empregado caiu em 7,6 por cento, mas o produto total caiu apenas 1,7 por cento. Isso foi porque os trabalhadores que não haviam (ainda) perdido os seus empregos estavam temerosos, de modo que trabalharam mais arduamente e mais depressa efectuando alguns das tarefas feitas pelos trabalhadores despedidos.
Com menos trabalhadores empregados a fazerem mais, o BLS relatou um ganho de 6,4 por cento na produtividade do trabalho estado-unidense. Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido e portanto 6,4 por cento mais produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários monetários subirem em somente 0,2 por cento entre o primeiro e o segundo trimestre de 2009.
Quando o BLS levou em conta a ascensão dos preços que os trabalhadores têm de pagar, os seus salários reais (os bens e serviços que eles realmente poderiam comprar) caíram em 1,1 por cento. Tomado tudo em conjunto, estes números mostram que o patronato obteve um enorme aumento na produção por cada empregado, enquanto o que eles pagaram aos seus empregados impõs-lhes uma redução nos bens e serviços que podem comprar. Não é de admirar que o segundo trimestre de 2009 fosse celebrado como uma "recuperação" pelos negócios e portanto pelos políticos e os media; os trabalhadores apenas assistem e preocupam-se. Mas os números da produtividade contam-nos ainda mais. Eles mostram um aprofundamento da desigualdade entre empregadores e empregados nos EUA.
O patronato ao obter 6,4 por cento mais de produto para venda por hora de trabalho pago ao trabalhador desfrutou cerca de 6,4 por cento mais receitas de vendas. Contudo, os seus empregados remanescentes, a trabalharem mais arduamente e mais rapidamente, obtém como pagamento salários horários que lhes permitem comprar menos bens e serviços do que antes. As respostas do patronato à actual crise económica (despedimentos colectivos e aceleração do ritmo de trabalho) portanto pioram o fosso nos rendimentos e padrões de vida entre empregadores e empregados.
Deve-se ter isto em mente da próxima vez que se ouvir líderes de negócios ou políticos a falarem acerca de como "todos nós precisamos apertar os cintos" ou "fazer iguais sacrifícios".
O aumento da desigualdade na distribuição do rendimento entre empregadores e empregados habitualmente, também, aprofunda as desigualdades políticas e culturais. O patronato agora terá relativamente mais recursos para moldar políticas do que os trabalhadores.
O patronato terá mais para utilizar a fim promover suas amenidades culturais (suas famílias desfrutarão maior acesso a actividades educacionais, artísticas, recreativas, ao passo que os trabalhadores descobrirão que o acesso a tais coisas é cada vez mais difícil). A crescente desigualdade económica, política e cultural a partir da década de 1970 ajudou a provocar a crise actual.
Agora a crise está a piorar aquela desigualdade. Recuperação? O aumento da desigualdade também ameaça qualquer "recuperação económica" que possa realmente começar. A razão para isto é que os empregadores geralmente poupam mais e gastam menos dos seus rendimentos do que os seus empregados. A economia estado-unidense assolada pela crise obtém um "estímulo" benéfico com trabalhadores a gastarem quase todos os seus rendimentos. Aquele estímulo é reduzido quando o rendimento flui mais para empregadores e menos para trabalhadores.
Numa absurda deformação do nosso contraditório sistema económico, assim como o governo gasta mais para "estimular" a nossa economia deprimida, a prática dos negócios deixa aos trabalhadores menos para gastar. Isto é uma combinação auto-derrotante que mina a recuperação real que toda a gente necessita. O segundo conjunto de número foi coligido e publicado pelo US Federal Reserve; tal conjunto refere-se à "capacidade de utilização" . Grosso modo, estes números medem a proporção da capacidade de país para produzir que está realmente a ser utilizada para a produção. Em Julho de 2009, a proporção da capacidade de utilização em toda a indústria manufactureira era de 65,4, ou aproximadamente dois terços. Mais de um terço das ferramentas, máquinas, equipamento, fábricas e espaço de escritórios, etc estava ocioso na indústria manufactureira.
Para comparação, a taxa média da capacidade de utilização da indústria manufactureira de 1972 a 2009 foi de 79,6. A crise portanto está a aumentar o enorme desperdício do nosso sistema económico – fracasso em fazer uso dele – numa porção muito significativa dos recursos produtivos do nosso país. Capacidade ociosa geralmente significa capacidade em deterioração. E isto depois de um ano de "pacotes de estímulo económico" de Bush e Obama. Considere o significado deste desperdício. Lado a lado aos 15 milhões de pessoas desempregadas de hoje (sem falar nos subempregados), temos um terço da nossa capacidade industrial também desempregada. Enquanto necessidades sociais maciças permanecem por cumprir (reconstrução de centros de cidades, proporcionar a milhões cuidados de dia, cuidados de saúde e cuidados de idosos, reparação de décadas de danos ao ambiente e assim por diante).
Do modo como este sistema económico funciona, supõe-se que tenhamos de esperar até que empresas privadas vejam lucros na recontratação de desempregados e utilização da capacidade disponível. Até então, supõe-se que assistamos e observemos e aceitemos a incapacidade deste sistema para combinar pessoas desempregadas com recursos desempregados para atender necessidades sociais óbvias. Os dois conjuntos de números divulgados neste mês de Agosto revelam a realidade por trás de toda a conversa da "recuperação". A vasta maioria do povo vive e trabalha (ou não) naquela "outra" economia nacional que não está a experimentar a "recuperação" que somos supostos aplaudir.
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).
O seu novo livro acerca da crise actual é Capitalism Hits the Fan .

Nenhum comentário:

Postar um comentário