sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Por que tememos a gripe A


Por que tememos a gripe 1 – os antivirais
Escrito por Atila Iamarino
Para começar a jornada deste blog, e tratar do H1N1 e da gripe em geral, resolvi começar com textos que abordem ou outro lado do Influenza.
Vamos ver o que se passa por trás do vírus e das decisões que são tomadas em relação a ele.
Com vírus como o Ebola, que já chegou a matar mais de 90%, por que tememos o Influenza, que normalmente mata menos do que 0,5% dos infectados? Por que achamos que as grandes pandemias serão causadas por um vírus que pode nem causar sintomas?
Antes de tudo, temos que entender porque a maior ameaça pode ser um vírus, já que muitas doenças infecciosas graves são causadas por bactérias. Cólera, tuberculose e outras, muitas das quais ainda matam milhares de pessoas por ano. E apesar dos nossos esforços, ainda seguem causando estragos, principalmente em países subdesenvolvidos. Mas as bactérias possuem um ponto fraco: elas têm metabolismo, elas digerem e produzem moléculas.
Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. Isso quer dizer que, precisam estar dentro de uma célula para poderem se reproduzir. Eles não são capazes de realizar metabolismo, precisam cooptar o da célula para si. Já as bactérias, por mais que parasitem outros organismos, possuem um metabolismo próprio. É nessa diferença que reside o segredo dos antibióticos.
Como somos bem diferentes das bactérias, elas possuem muitas moléculas diferentes que são alvos de antibióticos. A
penicilina, por exemplo, ataca os peptideoglicanos da parede celular bacteriana. Não existe nada parecido em nosso corpo, assim a penicilina pode atacar as bactérias sem nos atingir.
Já no caso dos vírus, a situação é mais complicada. Como eles quase sempre utilizam nossas moléculas, atacá-las é garantia de graves efeitos colaterais. Problema parecido se apresenta quando tentamos combater tumores, como são nossas células crescendo descontroladamente, é muito difícil de atacá-los sem prejudicar células saudáveis. Nos resta buscar algo de único dos vírus e atacar o que não deve nos atingir. Os primeiros alvos são as enzimas.
Enzimas são proteínas que catalizam reações químicas. Elas aceleram reações que demorariam muito tempo para ocorrer. Para tal, as enzimas precisam ser capazes de se ligar ao que vão reagir, o substrato, e transformá-lo em produto. Isso demanda um formato certo, uma estrutura que comporte o substrato e favoreça a reação que ela acelera. Pense em um espremedor de alho, que cataliza a transformação do mesmo em pasta, ele precisa ter um desenho certo e ser capaz de abrigar o dente de alho para funcionar. Este formato, esta especificidade é o que usamos contra o vírus.
Drogas antivirais em sua maioria são capazes de atacar enzimas do vírus, usando a especificidade delas. Ou se passando por um substrato que não pode ser quebrado e entope a enzima – um dente de alho inquebrável no exemplo acima – ou se ligando a outro ponto da enzima e induzindo uma mudança no formato dela que acaba com a especificidade – como se estragássemos o eixo no qual o espremedor se dobra.
No
caso do HIV por exemplo, um dos alvos do tratamento é a protease do vírus, uma enzima que digere proteínas, com drogas que se ligam e a impedem de funcionar sem atacar nossas proteases. Outra classe de drogas são os terminadores de cadeia, drogas que são incorporadas pelas polimerases virais, enzimas que fazem a cópia do material genético, DNA ou RNA, impedindo-as de continuar a cópia. Nossas polimerases são menos afetadas por estes terminadores porque possuem a atividade de reparo. Quando incorporam a droga, elas são capazes de desfazer a reação e reparar o DNA, ao contrário dos vírus.
Para o influenza, os antivirais disponíveis atualmente são focados em duas proteínas. A M2 forma um poro que o vírus utiliza para escapar da vesícula por onde entrou na nossa célula, e o antiviral entope este poro. A outra proteína é a Neuraminidase. Esta cliva nosso ácido siálico, um açúcar da superfície celular que o vírus usa para entrar e precisa cortar para poder sair.
A especificidade das enzimas também é a fraqueza da nossa estratégia de combate. Bactérias são capazes de escapar de antibióticos, geralmente destruindo a droga ou jogando-a para fora da célula antes que ela faça efeito. Mas ambos requerem novos passos no metabolismo, não tão simples de serem adquiridos.
Já para os vírus, basta a enzima perder a afinidade pela droga. Com algumas mutações, o vírus é capaz de mudar sua enzima de forma que ela perde um pouco da especificidade. Agora, a droga não se liga mais como fazia antes. Isso tem um custo para o vírus, quase sempre uma enzima resistente à droga possui atividade comprometida. Ela se liga com mais dificuldade ao substrato também. Mas uma enzima menos eficaz ainda é melhor do que uma enzima impedida de funcionar, de forma que mesmo com certo custo, um
vírus resistente pode ser bem sucedido.
Enquanto isso, buscamos novas enzimas alvo, novas formas de atacar os vírus, que impossibilitem ou pelo menos dificultem o surgimento e propagação de linhagens resistentes. E principalmente, temos que
planejar a maneira como administramos os remédios atuais para não perdermos os poucos recursos que temos. As vacinas seguem como a melhor medida para prevenir e conter uma epidemia de Influenza.
Fonte: De Clercq, E. (2002). STRATEGIES IN THE DESIGN OF ANTIVIRAL DRUGS Nature Reviews Drug Discovery, 1 (1), 13-25 DOI:
10.1038/nrd703

Texto Original publicado em: http://blog.h1n1.influenza.bvsalud.org/pt/

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