Debate de 2010 é antecipado e maranhense vira principal alvo
Renato Godoy de Toledo
da Redação Brasil de Fato
A crise instaurada no Senado Federal tem circundado a figura do mandatário da casa José Sarney (PMDB-AP), ex-presidente da República e detentor de monopólios nos estados do Maranhão e Amapá. Práticas clientelistas e oligárquicas, além do amplo trânsito nas esferas de poder, não são novidades no curriculum do maranhense – tal como a biografia de muitos de seus acusadores e apoiadores.
Pode se dizer que em nível nacional, Sarney nunca soube o que é ser oposição. Iniciou sua carreira pública discretamente, elegendo-se 4º suplente de senador em 1954, pelo getulista PSD.
Durante a ditadura militar, chegou a ser líder do diretório nacional da situacionista Arena. Às vésperas do colégio eleitoral, trocou de “lado” e foi para o PMDB disputar as eleições indiretas para presidência da República como vice de Tancredo Neves, que venceu o pleito, mas morreu antes de assumir. Sarney foi “obrigado” a abandonar sua discrição na carreira política e foi o primeiro civil a governar o país depois de 21 anos de domínio militar, entre 1985-1989.
Seus cinco anos de governo foram marcados pela inflação exorbitante e pelos planos econômicos fracassados, como o Bresser, Verão. Para aumentar seu mandato de 4 para 5 anos, distribuiu concessões de rádio e TV para parlamentares.
No governo Fernando Henrique Cardoso, foi um importante cabo-eleitoral e articulador político do tucano no norte-nordeste, sendo premiado com a presidência do Senado entre 1995-1997. Foi a primeira das três vezes que Sarney comandou a casa. As demais foram entre 2003-2005 e a que se iniciou em fevereiro deste ano e persiste em continuar – ao menos até o fechamento desta edição.
2010 é agora
Se já está há 55 anos na vida pública com os mesmos métodos, por que somente agora Sarney vira o inimigo público número 1? Uma análise recorrente dá conta de que os escândalos políticos só estampam as manchetes dos grandes jornais quando não há um acerto de bastidores, ou seja, quando as arestas não são aparadas, grupos poderosos revelam os “podres” de inimigos pontuais. A vociferação do PSDB e do DEM, por exemplo, contra o ex-presidente da República pode ser considerada efêmera, pois este comportou-se como aliado durante os 8 anos do mandato de FHC. Este, aliás, mandou sinais à bancada tucana para que apoiasse a eleição do atual presidente do Senado, em fevereiro de 2009. Para o cientista político José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), o que está por trás da ofensiva contra o senador do Amapá é o início da corrida eleitoral de 2010.
De um lado, a base aliada sabe da importância de ter o apoio do PMDB para deslanchar a candidatura de Dilma Roussef, ministra-chefe da Casa Civil. Mesmo desmoralizado e com a pecha de fisiologista, o PMDB continua sendo o maior partido do país, com maior bancada legislativa e número de prefeituras. A oposição, por sua vez, busca minar esse apoio, tentando dividir ainda mais o partido.
“Sarney se construiu com base no poder criado através do uso do espaço público com interesse privado. Agora, o fato de a imprensa elegê-lo como inimigo, não pode ser desvinculado do processo eleitoral de 2010, pois tentam colar a imagem dele à do presidente Lula. É um contexto eleitoral que surge por conta desse passado do Sarney e esse presente de apoio a Lula”, analisa Moroni.
Segundo Moroni, os escândalos que movimentam a rotina de Brasília são frutos de desacordos nos bastidores, não de investigações aprofundadas. “Esses escândalos só surgem quando as elites não conseguem se acertar entre si. Quando se se acertam, essas coisas não aparecem. E é vergonhoso o papel da grande mídia. Ela não repercute apenas esses escândalos, ela faz parte da construção deles”, avalia.
Um símbolo
Na análise de Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, o foco excessivo sobre o senador maranhense deixa de revelar as irregularidades praticadas por seus pares. “Sarney é meramente um símbolo das evidentes irregularidades que ocorrem no Senado e são praticadas por muito mais gente. Mas é claro que isso não o torna inocente. O foco sobre Sarney tem a desvantagem de tirar atenção para o fato de dezenas de senadores terem se beneficiado ao longo dos anos”, opina Abramo.
A saída do presidente da casa de seu cargo, como clama opinião pública e oposição, não resolveria os problemas éticos da instituição de forma efetiva, de acordo com Abramo. “Achar que simplesmente a saída de Sarney do cargo resolveria tudo,é um absurdo. Existe um problema sistemático que não se resolve com a saída dele. Ele tem que ser responsabilizado, inclusive criminalmente. Numa situação em que agentes públicos se aproveitam do cargo para praticar corrupção, o Ministério Público tem que agir”, aponta.
O sociólogo Rudá Ricci, diretor geral do instituto Cultiva, a saída de Sarney responderia a um problema apenas conjuntural do Congresso. “[A saída] aliviaria a pressão sobre o governo federal e sobre a bancada do PT no Senado. Seria uma solução conjuntural, momentânea. Mesmo porque, a cassação de Sarney renderia uma forte reação da tropa de choque que o apoia no Senado e, talvez, de parte do PMDB, colocando em risco a coalizão presidencialista”, afirma.
A pauta do “Fora, Sarney” que ganhou as galerias do Senado, capitaneada por grupos heterogêneos, causaria uma alternância na casa sem muito efeito em termos nacionais. “A substituição teria mais efeito sobre o Maranhão que sobre o Senado ou a mudança da política nacional. Poderia dar fôlego à oposição ao governo Lula, principalmente PSDB e DEM, já que PSOL e PV aparecem como coadjuvantes”, conclui. (Leia mais na edição 338 do Brasil de Fato, já nas bancas).
Renato Godoy de Toledo
da Redação Brasil de Fato
A crise instaurada no Senado Federal tem circundado a figura do mandatário da casa José Sarney (PMDB-AP), ex-presidente da República e detentor de monopólios nos estados do Maranhão e Amapá. Práticas clientelistas e oligárquicas, além do amplo trânsito nas esferas de poder, não são novidades no curriculum do maranhense – tal como a biografia de muitos de seus acusadores e apoiadores.
Pode se dizer que em nível nacional, Sarney nunca soube o que é ser oposição. Iniciou sua carreira pública discretamente, elegendo-se 4º suplente de senador em 1954, pelo getulista PSD.
Durante a ditadura militar, chegou a ser líder do diretório nacional da situacionista Arena. Às vésperas do colégio eleitoral, trocou de “lado” e foi para o PMDB disputar as eleições indiretas para presidência da República como vice de Tancredo Neves, que venceu o pleito, mas morreu antes de assumir. Sarney foi “obrigado” a abandonar sua discrição na carreira política e foi o primeiro civil a governar o país depois de 21 anos de domínio militar, entre 1985-1989.
Seus cinco anos de governo foram marcados pela inflação exorbitante e pelos planos econômicos fracassados, como o Bresser, Verão. Para aumentar seu mandato de 4 para 5 anos, distribuiu concessões de rádio e TV para parlamentares.
No governo Fernando Henrique Cardoso, foi um importante cabo-eleitoral e articulador político do tucano no norte-nordeste, sendo premiado com a presidência do Senado entre 1995-1997. Foi a primeira das três vezes que Sarney comandou a casa. As demais foram entre 2003-2005 e a que se iniciou em fevereiro deste ano e persiste em continuar – ao menos até o fechamento desta edição.
2010 é agora
Se já está há 55 anos na vida pública com os mesmos métodos, por que somente agora Sarney vira o inimigo público número 1? Uma análise recorrente dá conta de que os escândalos políticos só estampam as manchetes dos grandes jornais quando não há um acerto de bastidores, ou seja, quando as arestas não são aparadas, grupos poderosos revelam os “podres” de inimigos pontuais. A vociferação do PSDB e do DEM, por exemplo, contra o ex-presidente da República pode ser considerada efêmera, pois este comportou-se como aliado durante os 8 anos do mandato de FHC. Este, aliás, mandou sinais à bancada tucana para que apoiasse a eleição do atual presidente do Senado, em fevereiro de 2009. Para o cientista político José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), o que está por trás da ofensiva contra o senador do Amapá é o início da corrida eleitoral de 2010.
De um lado, a base aliada sabe da importância de ter o apoio do PMDB para deslanchar a candidatura de Dilma Roussef, ministra-chefe da Casa Civil. Mesmo desmoralizado e com a pecha de fisiologista, o PMDB continua sendo o maior partido do país, com maior bancada legislativa e número de prefeituras. A oposição, por sua vez, busca minar esse apoio, tentando dividir ainda mais o partido.
“Sarney se construiu com base no poder criado através do uso do espaço público com interesse privado. Agora, o fato de a imprensa elegê-lo como inimigo, não pode ser desvinculado do processo eleitoral de 2010, pois tentam colar a imagem dele à do presidente Lula. É um contexto eleitoral que surge por conta desse passado do Sarney e esse presente de apoio a Lula”, analisa Moroni.
Segundo Moroni, os escândalos que movimentam a rotina de Brasília são frutos de desacordos nos bastidores, não de investigações aprofundadas. “Esses escândalos só surgem quando as elites não conseguem se acertar entre si. Quando se se acertam, essas coisas não aparecem. E é vergonhoso o papel da grande mídia. Ela não repercute apenas esses escândalos, ela faz parte da construção deles”, avalia.
Um símbolo
Na análise de Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, o foco excessivo sobre o senador maranhense deixa de revelar as irregularidades praticadas por seus pares. “Sarney é meramente um símbolo das evidentes irregularidades que ocorrem no Senado e são praticadas por muito mais gente. Mas é claro que isso não o torna inocente. O foco sobre Sarney tem a desvantagem de tirar atenção para o fato de dezenas de senadores terem se beneficiado ao longo dos anos”, opina Abramo.
A saída do presidente da casa de seu cargo, como clama opinião pública e oposição, não resolveria os problemas éticos da instituição de forma efetiva, de acordo com Abramo. “Achar que simplesmente a saída de Sarney do cargo resolveria tudo,é um absurdo. Existe um problema sistemático que não se resolve com a saída dele. Ele tem que ser responsabilizado, inclusive criminalmente. Numa situação em que agentes públicos se aproveitam do cargo para praticar corrupção, o Ministério Público tem que agir”, aponta.
O sociólogo Rudá Ricci, diretor geral do instituto Cultiva, a saída de Sarney responderia a um problema apenas conjuntural do Congresso. “[A saída] aliviaria a pressão sobre o governo federal e sobre a bancada do PT no Senado. Seria uma solução conjuntural, momentânea. Mesmo porque, a cassação de Sarney renderia uma forte reação da tropa de choque que o apoia no Senado e, talvez, de parte do PMDB, colocando em risco a coalizão presidencialista”, afirma.
A pauta do “Fora, Sarney” que ganhou as galerias do Senado, capitaneada por grupos heterogêneos, causaria uma alternância na casa sem muito efeito em termos nacionais. “A substituição teria mais efeito sobre o Maranhão que sobre o Senado ou a mudança da política nacional. Poderia dar fôlego à oposição ao governo Lula, principalmente PSDB e DEM, já que PSOL e PV aparecem como coadjuvantes”, conclui. (Leia mais na edição 338 do Brasil de Fato, já nas bancas).
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