por Luiz Carlos Azenha
Nas últimas semanas assistismos à flexão dos músculos da campanha de José Serra em busca de sobrevivência. Os instrumentos, não é de hoje, são a Veja, a Globo, a Folha e o Estadão. Os métodos também não são novidade: o uso de agentes públicos, de instituições oficiais, de escândalos e dossiês e do moralismo hipócrita em busca de um objetivo, que podemos chamar de "reconquista do estado". Ah, sim, fatiar o "outro lado" feito salaminho faz parte do jogo de enfraquecer para conquistar.
Tivemos o escândalo de hipocrisia no Senado, quando a mídia e a oposição descobriram que Sarney é Sarney. Enquanto os tais atos secretos podiam ser depositados exclusivamente na porta de Sarney, eles eram escandalosos. Agora, que sabemos que atos secretos foram aprovados também quando o Senado era presidido por PFL/DEM, no "governo anterior", eles se tornaram uma tentativa de chantagear a oposição. A mídia -- melhor dizer, essa mídia -- endossou a narrativa sem corar.
O PMDB se converteu de repente em uma serpente ameaçadora que ocupou o Congresso e ameaçou saltar da capa da Veja diretamente na casa dos leitores da revista, para jantar todas as criancinhas. Mas, vejam bem, apenas parte do PMDB. Só aquele PMDB que não inclui Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos e Orestes Quércia. O PMDB, por assim dizer, "do bem".
Assistimos, igualmente, a uma tentativa de canonização de Marina Silva não muito diferente daquela que testemunhei pessoalmente, em 2006, na TV Globo. "Radical", "xiita" e outros adjetivos normalmente associados ao PSOL foram convenientemente esquecidos com o objetivo de dar gás a um projeto político que era visto como útil. Mas agora, independentemente da necessidade de uma candidatura alternativa e da importância do discurso de Marina, é evidente o prazer com que essa turma acima citada recebe a novidade. Marina já vem pronta com "pesquisas eleitorais" mostrando que ela toma votos de Dilma Rousseff.
Dilma, aliás, que vai estrelar o próximo factóide. Quando as manobras da turma de Serra quase resultaram na cassação do réu confesso, Arthur Virgílio -- graças, vamos admitir, à competência política do PMDB de Lula --, os olhos da mídia corporativa se voltaram para juntar, num só pacote, três vilões: Dilma, Sarney e a Petrobras. Dilma, "a terrorista". Sarney, o "corrupto". Petrobras, "cabide de empregos". A terrorista se junta ao corrupto para dilapidar o patrimônio nacional. Esse é o enredo.
Finalmente, no campo propriamente midiático, tivemos dois movimentos distintos. Em um, num espaço de menos de uma semana dois dos jornalões publicaram editoriais pedindo o fechamento da TV Brasil. O objetivo, em minha opinião, foi mandar um recado a Franklin Martins -- cujo irmão já havia sido enredado em "escândalo" produzido pela coluna de Diogo Mainardi e devidamente repercutido, ainda que com atraso, pelo Jornal Nacional do Ali Kamel. Franklin, como se sabe, é o homem encarregado de diplomaticamente dar a volta no esquema midiático de Serra.
Na guerra das televisões, chama a atenção a origem e o timing da denúncia contra a Igreja Universal. Origem: Ministério Público paulista. Timing: Véspera de eleição, quando todos os acordos políticos são costurados. A artilharia da Globo foi desproporcional à notícia, especialmente quando engajou políticos -- os de sempre -- para cobrar uma apuração rápida da denúncia. Desde quando a Globo está interessada em um rápido andamento da Justiça? Rápido a ponto de extrair concessões ANTES de 2010?
Chama a atenção, igualmente, o método Ali Kamel: bater em alguns evangélicos, enquanto assopra outros. Lembro-me do único socialista negro que tem entrada franca em todos os telejornais da Globo: aquele que é contra as cotas raciais. E, é sempre bom notar, os vazamentos proporcionados pelo Estadão permitiram à Globo manter o assunto no ar por vários dias. É o estilo Kamel no ar: sempre que possível, usar a mão do gato para não se expor a desgastes.
Como ele é originário da imprensa escrita, precisa sempre da validação dos meios impressos para as denúncias: deu na Veja, saiu no Estadão. Está escrito. Está, por assim dizer, "documentado". É a credibilidade por associação. Com a vantagem adicional de permitir, nos corredores globais, a saída pela esquerda que todo burocrata prepara. Se der confusão, o argumento está pronto: "Mas eu só dei a notícia que o Diogo Mainardi publicou".
É importante lembrar que tudo isso tem precedente histórico: foi assim, combinando o uso de dossiês, da mídia, de agentes públicos (promotores e a Polícia Federal) que José Serra destruiu a candidatura de Roseana Sarney em 2002.
A combinação dos fatos que narrei acima, em minha modesta opinião, exprime uma tremenda instabilidade na campanha de José Serra. Subjacente a ela está a incerteza: ele será mesmo capaz de reunir as forças necessárias para derrotar Dilma e o projeto político do presidente Lula? Num quadro de recuperação econômica, é duvidoso. A agressividade acaba sendo mais importante para manter a coesão interna do projeto político do que propriamente para assustar os adversários. Mas tem, também, um efeito didático: antecipa, para quem assiste, como seria um governo Serra.
Texto original publicado em:http://www.viomundo.com.br/opiniao/no-ar-como-seria-um-governo-serra/
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