sábado, 22 de agosto de 2009

Um povoado sozinho e cercado em Honduras

Eles estão sozinhos e cercados, As patrulhas da polícia hondurenha e os caminhões do exército rodeiam dia e noite a comunidade camponesa de Guadalupe Carney. Paramilitares, à paisana e com armas de guerra, se aproximam da entrada do povoado no norte hondurenho para exigir que entreguem os supostos militares venezuelanos que, segundo a ditadura, os moradores escondem.
Por Por María Laura Carpineta, no Página 12*

Camponeses de Guadalupe: "Haverá um massacre"
Semanas atrás, uma missão internacional de direitos humanos visitou as mais de 600 famílias que vivem ali. Esta semana a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fará o mesmo. "Se ninguém intervier, haverá um massacre com incontáveis perdas de vidas humanas", avisou a missão em seu relatório.Na semana do golpe que derrubou o presidente constitucional Manuel Zelaya, a Câmara de Comércio do departamento de Colón, onde fica Guadalupe Carney, difundiu pela rádio e televisão locais um discurso pedindo uma imediata intervenção militar na comunidade camponesa.
Como confirmou a missão internacional, os empresários alegavam que era um "bastião da resistência" ao regime e de fato, que tinha de ser controlado. "Se as autoridades não o fizerem, nós faremos", foi a ameaça que consta do relatório lido na semana passada perante a CIDH.Os moradores de Guadalupe Carney estão habituados a ameaças de fazendeiros da região e sabem que não são palavras vazias.
A história desta comunidade rural, rodeada por montanhas e vales verdejantes e pelos desertos do norte hondurenho, é uma história de luta e de mártires. É como explicou pelo telefone o líder camponês Lawrence Cruz, a história da reforma agrária inatingível.Durante os violentos anos 1980, o Estado utilizou estes 5.700 hectares para instalar o Centro de Formação Militar, onde forças norte-americanas preparavam soldados hondurenhos para combater as guerrilhas de países vizinhos, a Frente Sandinista, da Nicarágua, e a Farabundo Marti, em El Salvador.
O campo de treino durou apenas alguns anos. O governo hondurenho fechou-o e entregou as terras ao Instituto Nacional Agrário, para distribuir entre os camponeses da região. Os hectares margeando o rio Aguán são os mais produtivos. Em 2000, 700 agricultores tomaram aquelas terras, ilegalmente ocupadas por latifundiários de Trujillo, capital do departamento de Colón, e batizaram a gleba em homenagem ao padre Guadalupe Carney, um jesuíta americano morto pelos militares em 1983 por liderar movimentos rurais.Algumas famílias latifundiárias se foram, mas outras ficaram para reagir. Mais de uma dezena de camponeses foram mortos em conflitos com os pecuiaristas ao longo dos anos.
O caso mais recente foi na última noite de Natal. Dois homens invadiram a rua principal da comunidade, onde centenas de pessoas uma festa, e mataram duas delas. "Depois disso, o presidente Zelaya enviou o exército para nos proteger", contou Cruz, que é membro da Central Nacional de Trabalhadores do Campo. "O presidente ajudou muito", recordou.Zelaya conseguiu no ano passado que o Congresso finalmente aprovasse a lei para a desapropriação dos 5.700 hectares e entregou os primeiros títulos a moradores da comunidade.
Além disso, selecionou-os para receber subvenções para o desenvolvimento agrícola dadas pela Alba, o bloco regional liderado pela Venezuela e Cuba, no qual Zelaya ingressou no ano passado. Entregou-lhes tratores, fertilizantes e sementes, todos comprados com petrodólares venezuelanos."Agora, os mesmos soldados que cuidaram de nós durante seis meses, e que conhecem a comunidade, dizem que estamos escondendo soldados venezuelanos e armas", disse Cruz.
Apesar da sua raiva, ele não perde a voz doce e calma. "Estamos num local estratégico para os militares, empresários e narcotraficantes", acrescentou.A comunidade fica a poucos passos da estrada que conduz a Puerto Castilla.

Por ali saem os carregamentos de bananas da americana Standard Fruit Company e, como denunciaram sucessivos governos hondurenhos, por ali passa uma das principais rotas do narcotráfico no país. Desde o golpe de 28 de junho último, os moradores bloqueiam a estrada e, conseqüentemente, o comércio, durante dois ou três dias em quase todas as semanas.Eles podem sair da comunidade, mas apenas em grupos numerosos e, exceto casos urgentes, não à noite. "Puseram barreiras na estrada e passam todo o tempo patrulhando a entrada do povoado. Com toda a atenção que as organizações internacionais atrairam, eles não se animam a entrar, mas nos fustigam constantemente", disse o líder camponês de 54 anos, pai de 11 filhos.Cruz fala todos os dias com os companheiros em Tegucigalpa e aguarda ansioso pela visita da Corte Interamericana. Mas ele sabe que, apesar da solidariedade estão sozinhos, num remoto vale do norte, sem governo nem justiça a quem recorrer.
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