terça-feira, 25 de agosto de 2009

A antiga bandeira marca um ponto: revisão dos índices de produtividade.

Pressionado pelo MST, o governo altera as regras e facilita a reforma agrária
Desde o início do primeiro mandato de Lula, o MST enfrenta a dura realidade de ver um antigo aliado, a quem ajudou a eleger e com quem mantém um canal constante de diálogo, deixar em segundo plano a principal bandeira do movimento, a reforma agrária.
Pergunte-se a uma liderança do MST sobre o desempenho do governo Lula nessa área e a resposta será acompanhada de um rosário de queixas. O governo privilegia o agronegócio monocultor de exportação e intensivo em agrotóxicos. E a sua política agrícola, aliada à lentidão nos assentamentos, tem contribuído para o que os militantes consideram uma espécie de “contrarreforma”, ou seja, uma crescente concentração fundiária, especialmente para as fazendas com mais de 2 mil hectares. “O MST e a Via Campesina avaliam que a reforma tem caminhado a passos de tartaruga”, comenta Marina dos Santos, da coordenação nacional dos dois movimentos.
“Ao dar prioridade para a soja e a cana-de-açúcar, o governo deixou pouco Espaço ao desenvolvimento da agroindústria no interior do País. Por isso manteremos as manifestações, porque os governos só se movem na base da pressão.”
Ainda que esteja perdendo esta guerra, Marina e seus companheiros acabam de sentir o gosto de uma batalha vencida, na esteira dos protestos que agitaram algumas regiões do País, com a invasão de prédios públicos e o acampamento de 3 mil manifestantes em Brasília, entre os dias 10 e 19 de agosto.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) anunciou, na terça-feira 18, que vai atualizar a fórmula de cálculo usada para medir a produtividade das propriedades rurais, de modo a definir quais são consideradas improdutivas e, portanto, passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.
Baseada no censo agropecuário de 1975, a fórmula utilizada atualmente é tida como um dos entraves à reforma agrária. A sua não revisão, em contrapartida, estaria estimulando o surgimento de assentamentos nas regiões Norte e Nordeste, onde a produtividade média é muito inferior à do Sul e Sudeste
E existe maior quantidade de terras públicas.
Segundo os movimentos sociais, o maior problema neste caso é que os assentamentos ficam distantes dos principais mercados consumidores. Além disso, o governo também aceitou outros dois pontos da pauta do MST. Decidiu abrir uma exceção e suspendeu o contingenciamento de 338 milhões de
reais do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) destinados à compra de imóveis para criar novos assentamentos.
O governo federal desapropriou ainda uma área tida como emblemática para o movimento, a fazenda Nova Alegria, na cidade de Felisburgo (MG), invadida desde 2004, onde um confronto resultou na morte de cinco integrantes do MST. “A desapropriação da Nova Alegria é importante porque foi a primeira realizada com base em um crime ambiental, não por uma questão de produtividade”, afirma o ministro Guilherme Cassei, do Desenvolvimento Agrário. Além da baixa produção por hectare e de questões ambientais, as desapropriações também podem ocorrer pelo não cumprimento da legislação trabalhista. “No caso das questões ambientais, havia uma controvérsia jurídica muito grande, e agora estamos aos poucos conseguindo avançar”, afirma o ministro.
No caso da revisão dos índices de produtividade, criticada pelas associações dos produtores rurais, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Cassel considera que as reações não condizem com a realidade dos números. E dá como exemplo o que se
Passa em algumas cidades produtoras localizadas nas regiões Centro-Oeste e Sul do
País.
Em Sorriso, em Mato Grosso, o índice mínimo de produtividade considerado aceitável é de 1,2 mil quilos por hectare. Passará para algo em torno de 2,4 mil quilos por hectare a partir da publicação da portaria, o que deverá ocorrer em dez dias. A produtividade média, no ano passado, foi de 3.062 quilos por hectare.
No caso do arroz produ zido no Rio Grande do Sul, na cidade de Uruguaiana, o índice mínimo passará de 3,4 mil quilos por hectare para 5,6 mil quilos– a média registrada em 2008 foi de 8,3 mil quilos por hectare.

“A revisão está sendo feita de um modo bastante equilibrado, com muito cuidado. Como os índices estavam bem defasados, os novos indicadores só prejudicarão quem tiver descuidado muito da produção”, diz Cassel.
Reivindicada há anos, a revisão saiu para se contrapor a um projeto de lei que tramita no Congresso para tirar do governo federal a prerrogativa da atualização dos indicadores agropecuários.
Para tentar mais uma vez adiar a decisão, o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho, argumentou que a crise financeira mundial estaria reduzindo a lucratividade do agronegócio. Citou como exemplo o fechamento de frigoríficos, especialmente na região Centro-Oeste, como exemplo dos problemas enfrentados. “Vemos essa atualização com preocupação e apreensão, pois é uma fórmula perversa que não dá chance de defesa ao produtor”, afirmou Ramalho.
Na quinta-feira 20, na sede do Incra, em Brasília, os superintendentes regionais do instituto estiveram em reuniões com representantes do MST, dando continuidade às negociações.
Na mesa, as reivindicações relativas à infraestrutura nas regiões onde estão localizados os assentamentos, uma das críticas recorrentes dos movimentos sociais ao estilo de reforma agrária mais frequente no País. “Queremos garantias de assistência técnica aos assentados, com o apoio necessário
À produção e comercialização”, diz Marina dos Santos. “Por isso, queremos que o governo apresente um plano de médio prazo para a implantação da infraestrutura necessária.”
Cassel, por sua vez, rebate as críticas, segundo as quais o governo tem agido de forma morosa nas desapropriações. E cita números para reforçar o seu argumento. “Realizar a reforma agrária é algo complicado, sempre muito controverso, marcado por paixões. Respeito quem esperava mais do governo
Lula, mas o fato é que do total de famílias assentadas, de 900 mil no País, cerca de 60% o foram nos últimos sete anos”, afirma o ministro. “Agora, inclusive porque a demanda por terras não é tão grande, estamos conseguindo comprar áreas de melhor qualidade e criar uma política agrícola para os assentamentos.”

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