sexta-feira, 21 de agosto de 2009

América Latina: Inimigo à porta



por Luis Britto Garcia [*]
Os Estados Unidos não podem ocupar militarmente toda a América Latina e o Caribe. Seu exército conta com dois milhões de efectivos; os nossos apenas com um milhão e meio. Para ocupar-nos deveriam mobilizar um número equivalente, descuidando teatro de operações vitais ou recrutando-os. Ambas as operações são logística e economicamente inviáveis. Também colocariam intratáveis problemas de controle social e contra-insurgência.
O Império mantém a sua hegemonia mediante a pressão sobre os governos cúmplices, a penetração cultural que a apresenta como desejável e as bases que facilitam a intervenção militar. Como disse Bush ao formular a nova Estratégia de Segurança Nacional: "Os Estados Unidos precisarão de bases e estações dentro e mais além da Europa Ocidental e do Noroeste da Ásia, assim como também acordos de acesso temporário para a deslocação das forças dos Estados Unidos a grande distância" (Bush 2002).
A ocupação militar do mundo Os Estados Unidos ocupam em propriedade ou em arrendamento 6000 bases militares no seu território e 872 fora dele. Estas alojavam 253.288 soldados, um número equivalente de familiares e pessoal de apoio e 44.446 estrangeiros contratados, e constavam de 44.870 quartéis, hospitais, depósitos e outras estruturas de sua propriedade, além de 4.844 em arrendamento. Decisões soberanas encerraram algumas: pelos acordos sobre o canal do Panamá, o Império desocupou a base Howard em 1999; o Brasil negou-lhe a projectada base de Alcántara no Maranhão, e Rafael Correa ordenou-lhes que desalojassem a base de Manta no Equador.
Mas restam ao Comando Sul as base de Guantánamo em Cuba, Vieques em Porto Rico, Soto Cano em Honduras, Comalapa em El Salvador, e no Peru as de Iquitos, que domina a Amazónia, assim como as de Santa Lúcia Huallaga, Santa Lúcia e Palmapampa. Outra das bases dos Estados Unidos funciona no Paraguai: os soldados ocupantes desfrutam de impunidade para violar as leis paraguaias.
O Comando Sul opera também 17 bases terrestres de radares: quatro na Colômbia, três no Peru e várias móveis ou de localização secreta nos Andes e no Caribe. Bases contra a América Latina Nos princípios do Terceiro Milénio, os Estados Unidos instalam as bases aéreas Rainha Beatriz em Aruba e Hato Rey em Curaçao, em resposta à recusa de Chávez a permitir a instalação de bases e os sobrevoos na Venezuela. Na Colômbia, onde avança uma intervenção militar maciça, já funcionavam a base aérea Las Tres Esquinas e a de Larandia: aeronaves militares estado-unidenses operam nos aeroportos de Aplay, Melgar, Cali, El Dorado, Palanquero, Medellín, Barranquilla e Cartagena.
A partir de uma delas, e apoiado com tecnologia e pessoal estado-unidense, a Colômbia lançou seu ataque contra o Equador em princípios de 2008. Os Estados Unidos têm o domínio total sobre estes enclaves. Assim, a agência EFE em Bogotá informa que "A 22 de Abril o embaixador dos EUA na Colômbia, William Brownfield, reuniu-se com o ministro colombiano da Defesa, Juan Manuel Santos, e comunicou-lhe que o Departamento de Estado decidiu "levantar o veto que desde Janeiro de 2003 aplicava à base aérea de Palanquero, no centro da Colômbia, que estava sancionada desde 1999 quando aviões que decolaram dali bombardearam por erro um povoado e mataram 18 camponeses".
Os Estados Unidos sancionam, impõem ou levantam vetos à bases militares em território colombiano e os seus soldados estão imunes às leis da Colômbia. Ao seu colar de enclaves ali acrescenta agora as bases de Malambo, Palanquero, Apiay, Tumaco, Bahía Málaga, Tolemaida e Fuerte Larandia. A ressurreição de Manta O Comando Sul obteve a Base Aérea de Manta do regime entreguista do presidente equatoriano Noboa, na costa noroeste, que dominava o Putumayo, estendia a vigilância aérea pela região andina e proporcionava inteligência ao exército colombiano e aos esquadrões da morte treinados e dirigidos pelos EUA. Segundo Pace, Manta "é a chave para reajustar nossa zona de responsabilidade (AOR), nossa arquitectura (o aparelho militar) e para estender o alcance da nossa cobertura aérea de DM e T (Detecção, Controle e Seguimento) nas Zonas Fonte (de produção de droga)" (Zibechi, 2005).
O presidente Correa ordenou de forma categórica a desocupação de Manta. No seu lugar, os Estados Unidos projectam instalar mais duas na Colômbia com iguais capacidades, uma delas em Cartagena para as operações da IV Frota do Atlântico. Meio milhão de efectivos Em 2007 a Colômbia mantinha 459.687 funcionários em trabalhos de Defesa e Segurança e gastava anualmente na guerra 6,5% do seu PIB, uns 22 mil milhões de dólares por ano, segundo Juan Camilo Restrepo e Pedro Medellín (semanário Voz, edição 2427, cit. por Álvaro Angarita: "Cresce a despesa militar. Guerra devora o orçamento", 27/02/2008, www.geocities.com/vozxcol/voz.pdf). Em 2009 o Departamento de Estado destinará 520 milhões de dólares ao Plano Colômbia. Alguém pode acreditar que esta formidável mobilização conjunta da primeira potência militar do mundo e do país militarizado da América Latina são para derrotar dez mil insurgentes e uns quantos traficantes? Tudo aponta para as reservas de hidrocarbonetos, de água e de biodiversidade da Venezuela, do Equador e do Brasil. Bases inúteis O próprio objectivo define a sua inutilidade.
Nem a Colômbia nem os Estados Unidos podem dominar com êxito o desmesurado Brasil e os seus aliados. Boas para a espionagem, o atentado e a intervenção, as bases têm um limite. Há mais de um século os Estados Unidos mantêm encravada em Cuba a base de Guantánamo. Seus marines não saem dali porque sabem que encontrarão a resistência compacta de um povo irredutível.
É difícil seguir a via pacífica quando o adversário escolhe a violenta. Antes que das bases de fora, ocupemo-nos em organizar a resistência e inutilizar os enclaves do Império no nosso país.

O povo armado, nunca será vexado.
16/Agosto/2009


[*] Venezuelano. Narrador, ensaísta, dramaturgo, desenhista, explorador submarino, autor de mais de 60 títulos.

O original encontra-se em http://luisbrittogarcia.blogspot.com/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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