Esperamos que retorne o debate sobre qual o modelo de agricultura que interessa ao povo brasileiro.
por Michelle Amaral da Silva
Editorial Jornal Brasil de Fato (n°346)
O censo agropecuário de 2006, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), põe uma luz sobre os dois modelos agrícolas em disputa hoje no nosso país. Nele está evidenciado que: a agricultura familiar, ocupando apenas 24% da área agrícola, produz 38% da riqueza desse setor produtivo; emprega 75% da mão de obra no campo; responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café , 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Do outro lado, a agricultura não familiar, o chamado agronegócio, representa apenas 15,6% do total dos estabelecimentos agrícolas, mas monopoliza 75,7% da área agrícola e impõe ao país um modelo, há cinco séculos, centrado na grande propriedade, na monocultura extensiva e no interesse de atender o mercado externo. Se é verdade que o setor agroexportador é responsável por um significativo saldo na balança comercial, é impossível ignorar a que custos – econômicos, sociais e ambientais - essas divisas externa são obtidas. A depredação ambiental, trabalhadores mantidos em regime de semi-escravidão, concentração da renda e da riqueza, anistia das dívidas dos ruralista há cada cinco anos, expulsão de milhares de famílias do campo, são apenas alguns exemplos do que nos custa a manutenção do modelo do agronegócio.
Um modelo agrícola que tem, num dos seus alicerces de sustentação, a violência contra os trabalhadores que ousam se contrapor a essa forma de produzir no campo. Já na República Oligárquica (1889 – 1930), a questão social era caso de polícia, nas melhores terras não se podiam plantar alimentos, as melhores terras destinadas apenas para o plantio do café para exportação, a população pobre do campo era vista como jecas tatus, merecedores apenas de um sentimento de pena e de ações assistencialistas. Mas o criador do Jeca, Monteiro Lobato, soube identificar a causa da pobreza e da ignorância do seu personagem: os vermes que o jeca tinha na barriga, a elite os tinha na cabeça, sentenciou o escritor.
O golpe militar de 1964 não poupou forças para reprimir e extinguir os movimentos populares do campo, da década de 50, que passaram a exigir “reforma agrária na lei ou na marra”. A ditadura militar liquidou com os movimentos organizados dos trabalhadores e iniciou-se, logo a seguir, o período histórico em que houve o maior numero de assassinatos de trabalhadores rurais, agentes, pastorais, presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais, padres, freiras e advogados que se posicionaram a favor da reforma agrária e da causa da agricultura familiar. A violência dos coturnos dos quartéis, associada com a certeza da impunidade dos crimes cometidos pelo braço armado do latifúndio, assegurou que a agricultura brasileira fosse modernizada, mantendo intocável suas estrutura fundiária.
A partir dos anos 1990, com as transformações ocorridas na economia capitalista, sob o rótulo do neoliberalismo, as os grupos agro-industriais transnacionais e o capital financeiro tomaram conta agricultura brasileira, de olho em nossas reservas de riquezas naturais e dos enormes lucros decorrentes da exportação dos produtos primários brasileiros. Mas os métodos para enfrentar os que se opõem, não mudaram. Apenas receberam uma aliada, a mídia. É necessário, perseguir, criminalizar e, se possível, extinguir os que ousam se opor ao agronegócio e defendam a agricultura familiar e a soberania alimentar do nosso país e, principalmente, quem ousa organizar os pobres do campo.
A forma como a mídia tratou os acontecimentos da ocupação da fazenda da agro-indústria Cutrale, em São Paulo, só pode ser compreendida dentro dos marcos de disputas desses dois modelos de agricultura. Os dados do censo agropecuário e o que representam, ficaram em segundo plano. Montou-se um aparato midiático para impactar a sociedade com imagens que, de acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram fabricadas para tal objetivo. A chamada grande mídia eximiu-se do dever de informar a sociedade. Tomou partido e, ainda de acordo com o MST, foi conivente com uma farsa montada para criminalizar as famílias que acamparam naquela fazenda.
Em nota divulgada, o MST afirma que não promoveu a depredação na fazenda e muito menos tocou nos pertences e nas moradias dos trabalhadores que residem na área. A nota faz alguns questionamentos, com a versão insistentemente vinculada na mídia, que qualquer jornalismo sério e comprometido coma verdade faria: a Policia Militar de SP não tem nenhuma imagem filmada da depredação? Como seria possível desmontar os tratores, como foram apresentados, não tendo equipamentos necessários para isso? Como seria possível furtar 15 mil litros de combustíveis, escoltados pela PM e sendo transportados em cima de uma carroceria de caminhão? Por que tendo recebido imagens da destruição dos pés de laranja ainda no dia 28 de setembro, somente no dia 5 de outubro a Rede Globo resolveu exibi-las? Por que os integrantes do MST foram impedidos de acompanhar a entrada da PM na fazenda, logo após a saída das famílias acampadas? O que realmente aconteceu na fazenda após a saída das famílias acampadas? Apenas uma comissão independente, como exige o próprio MST, poderá dar respostas à essas perguntas.
Para completar o espetáculo circense, os três parlamentares, paladinos do atraso, defensores do latifúndio, entraram imediatamente em cena para tentar constituir uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o MST. O deputado federal do Demo-GO, Ronaldo Caiado, chegou a dizer que essa CPI é para averiguar se o MST recebe dinheiro do governo para repassar à candidatura da ministra Dilma Roussef. Nada pode ficar mais evidente, no ato falho do parlamentar Caiado.
Esperamos que retorne o debate sobre qual o modelo de agricultura que interessa ao povo brasileiro. Certamente a escolha recairá sobre uma agricultura que garanta a produção de alimentos saudáveis, assegure a preservação ambiental e promova a distribuição da riqueza e renda produzida. Conquistas – para a sociedade – incompatíveis com o modelo de agricultura do agronegócio.
por Michelle Amaral da Silva
Editorial Jornal Brasil de Fato (n°346)
O censo agropecuário de 2006, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), põe uma luz sobre os dois modelos agrícolas em disputa hoje no nosso país. Nele está evidenciado que: a agricultura familiar, ocupando apenas 24% da área agrícola, produz 38% da riqueza desse setor produtivo; emprega 75% da mão de obra no campo; responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café , 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Do outro lado, a agricultura não familiar, o chamado agronegócio, representa apenas 15,6% do total dos estabelecimentos agrícolas, mas monopoliza 75,7% da área agrícola e impõe ao país um modelo, há cinco séculos, centrado na grande propriedade, na monocultura extensiva e no interesse de atender o mercado externo. Se é verdade que o setor agroexportador é responsável por um significativo saldo na balança comercial, é impossível ignorar a que custos – econômicos, sociais e ambientais - essas divisas externa são obtidas. A depredação ambiental, trabalhadores mantidos em regime de semi-escravidão, concentração da renda e da riqueza, anistia das dívidas dos ruralista há cada cinco anos, expulsão de milhares de famílias do campo, são apenas alguns exemplos do que nos custa a manutenção do modelo do agronegócio.
Um modelo agrícola que tem, num dos seus alicerces de sustentação, a violência contra os trabalhadores que ousam se contrapor a essa forma de produzir no campo. Já na República Oligárquica (1889 – 1930), a questão social era caso de polícia, nas melhores terras não se podiam plantar alimentos, as melhores terras destinadas apenas para o plantio do café para exportação, a população pobre do campo era vista como jecas tatus, merecedores apenas de um sentimento de pena e de ações assistencialistas. Mas o criador do Jeca, Monteiro Lobato, soube identificar a causa da pobreza e da ignorância do seu personagem: os vermes que o jeca tinha na barriga, a elite os tinha na cabeça, sentenciou o escritor.
O golpe militar de 1964 não poupou forças para reprimir e extinguir os movimentos populares do campo, da década de 50, que passaram a exigir “reforma agrária na lei ou na marra”. A ditadura militar liquidou com os movimentos organizados dos trabalhadores e iniciou-se, logo a seguir, o período histórico em que houve o maior numero de assassinatos de trabalhadores rurais, agentes, pastorais, presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais, padres, freiras e advogados que se posicionaram a favor da reforma agrária e da causa da agricultura familiar. A violência dos coturnos dos quartéis, associada com a certeza da impunidade dos crimes cometidos pelo braço armado do latifúndio, assegurou que a agricultura brasileira fosse modernizada, mantendo intocável suas estrutura fundiária.
A partir dos anos 1990, com as transformações ocorridas na economia capitalista, sob o rótulo do neoliberalismo, as os grupos agro-industriais transnacionais e o capital financeiro tomaram conta agricultura brasileira, de olho em nossas reservas de riquezas naturais e dos enormes lucros decorrentes da exportação dos produtos primários brasileiros. Mas os métodos para enfrentar os que se opõem, não mudaram. Apenas receberam uma aliada, a mídia. É necessário, perseguir, criminalizar e, se possível, extinguir os que ousam se opor ao agronegócio e defendam a agricultura familiar e a soberania alimentar do nosso país e, principalmente, quem ousa organizar os pobres do campo.
A forma como a mídia tratou os acontecimentos da ocupação da fazenda da agro-indústria Cutrale, em São Paulo, só pode ser compreendida dentro dos marcos de disputas desses dois modelos de agricultura. Os dados do censo agropecuário e o que representam, ficaram em segundo plano. Montou-se um aparato midiático para impactar a sociedade com imagens que, de acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram fabricadas para tal objetivo. A chamada grande mídia eximiu-se do dever de informar a sociedade. Tomou partido e, ainda de acordo com o MST, foi conivente com uma farsa montada para criminalizar as famílias que acamparam naquela fazenda.
Em nota divulgada, o MST afirma que não promoveu a depredação na fazenda e muito menos tocou nos pertences e nas moradias dos trabalhadores que residem na área. A nota faz alguns questionamentos, com a versão insistentemente vinculada na mídia, que qualquer jornalismo sério e comprometido coma verdade faria: a Policia Militar de SP não tem nenhuma imagem filmada da depredação? Como seria possível desmontar os tratores, como foram apresentados, não tendo equipamentos necessários para isso? Como seria possível furtar 15 mil litros de combustíveis, escoltados pela PM e sendo transportados em cima de uma carroceria de caminhão? Por que tendo recebido imagens da destruição dos pés de laranja ainda no dia 28 de setembro, somente no dia 5 de outubro a Rede Globo resolveu exibi-las? Por que os integrantes do MST foram impedidos de acompanhar a entrada da PM na fazenda, logo após a saída das famílias acampadas? O que realmente aconteceu na fazenda após a saída das famílias acampadas? Apenas uma comissão independente, como exige o próprio MST, poderá dar respostas à essas perguntas.
Para completar o espetáculo circense, os três parlamentares, paladinos do atraso, defensores do latifúndio, entraram imediatamente em cena para tentar constituir uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o MST. O deputado federal do Demo-GO, Ronaldo Caiado, chegou a dizer que essa CPI é para averiguar se o MST recebe dinheiro do governo para repassar à candidatura da ministra Dilma Roussef. Nada pode ficar mais evidente, no ato falho do parlamentar Caiado.
Esperamos que retorne o debate sobre qual o modelo de agricultura que interessa ao povo brasileiro. Certamente a escolha recairá sobre uma agricultura que garanta a produção de alimentos saudáveis, assegure a preservação ambiental e promova a distribuição da riqueza e renda produzida. Conquistas – para a sociedade – incompatíveis com o modelo de agricultura do agronegócio.
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