em pequenas reservas, desarticulando a forma tradicional de vida e
organização do povo (Foto: André)
Por André Campos
Leia matéria de abertura:
Diante de um quadro de áreas exíguas, superpovoadas e desgastadas, o corte da cana ganha força como alternativa para indígenas do Mato Grosso do Sul. Como conseqüência, a própria mobilização por territórios é enfraquecida
Nas usinas de Mato Grosso do Sul, a mão-de-obra indígena é recrutada entre os índios Terenas e, principalmente, em comunidades de povos Guaranis - cujos membros se subdividem em dois grupos étnicos, Nhandevas e Kaiowás, perfazendo cerca de 40 mil pessoas. Trabalhar fora das aldeias é realidade antiga para os Guaranis. No fim do século XIX, instalou-se em seu território tradicional, no sul do estado, a Companhia Matte Laranjeira, que utilizou indivíduos da etnia - então atraídos por roupas e ferramentas, ainda em estágio inicial de contato - na coleta da erva-mate nativa.A partir da década de 1940, destaca-se a participação deles na derrubada de matas e no roço de pastagens, num sistema que ficou conhecido como "changa". Tal situação começaria a mudar 30 anos depois, quando a expansão do agronegócio mecanizado e a quase extinção de áreas ainda por desmatar reduziram a oferta de trabalho no campo. É quando surge o setor sucroalcooleiro, de longe a principal alternativa de assalariamento atual.
Nas usinas de Mato Grosso do Sul, a mão-de-obra indígena é recrutada entre os índios Terenas e, principalmente, em comunidades de povos Guaranis - cujos membros se subdividem em dois grupos étnicos, Nhandevas e Kaiowás, perfazendo cerca de 40 mil pessoas. Trabalhar fora das aldeias é realidade antiga para os Guaranis. No fim do século XIX, instalou-se em seu território tradicional, no sul do estado, a Companhia Matte Laranjeira, que utilizou indivíduos da etnia - então atraídos por roupas e ferramentas, ainda em estágio inicial de contato - na coleta da erva-mate nativa.A partir da década de 1940, destaca-se a participação deles na derrubada de matas e no roço de pastagens, num sistema que ficou conhecido como "changa". Tal situação começaria a mudar 30 anos depois, quando a expansão do agronegócio mecanizado e a quase extinção de áreas ainda por desmatar reduziram a oferta de trabalho no campo. É quando surge o setor sucroalcooleiro, de longe a principal alternativa de assalariamento atual.
As causas e as conseqüências
Para Antônio Brand, coordenador do Programa Kaiowá/Guarani da Universidade Católica Dom Bosco, não é apenas dinheiro que atrai os indígenas. Num contexto de crise cultural - em que a perda de territórios levou a uma desarticulação de relações tradicionais de organização, trabalho e cooperação dentro dos grupos indígenas -, o aspecto coletivo das atividades tem, segundo o pesquisador, um apelo significativo. "É uma aventura, de certa forma, especialmente para os mais jovens", observa. "Além de ser o único jeito de conseguir alguns objetos importantes para seu prestígio dentro da reserva, é certamente a melhor forma de quebrar a monotonia e vivenciar novas experiências".
O corte de cana, no entanto, difere de outras atividades agrícolas do passado, conforme explica o acadêmico. Quando voltam das usinas, não raro os indígenas ficam apenas alguns dias nas aldeias, partindo logo em seguida para uma nova empreitada. "Antes, iam trabalhar uma semana, dez dias, e depois voltavam. Agora, é cada vez mais uma dedicação exclusiva".
Um dos efeitos mais evidentes desse "distanciamento" é a diminuição das roças internas, já combalidas por décadas de políticas assistencialistas caóticas e mal planejadas - com freqüentes atrasos na chegada das sementes fornecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), por exemplo. Além disso, o próprio superpovoamento das terras indígenas (TIs), que impossibilita a rotatividade do cultivo, torna o solo cada vez menos produtivo devido ao uso excessivo.
O corte de cana, no entanto, difere de outras atividades agrícolas do passado, conforme explica o acadêmico. Quando voltam das usinas, não raro os indígenas ficam apenas alguns dias nas aldeias, partindo logo em seguida para uma nova empreitada. "Antes, iam trabalhar uma semana, dez dias, e depois voltavam. Agora, é cada vez mais uma dedicação exclusiva".
Um dos efeitos mais evidentes desse "distanciamento" é a diminuição das roças internas, já combalidas por décadas de políticas assistencialistas caóticas e mal planejadas - com freqüentes atrasos na chegada das sementes fornecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), por exemplo. Além disso, o próprio superpovoamento das terras indígenas (TIs), que impossibilita a rotatividade do cultivo, torna o solo cada vez menos produtivo devido ao uso excessivo.
Em Dourados, dificuldades na roças internas reforçam opção pelo assalariamento rural (Foto: André Campos)
A combinação desses fatores reforça a opção pelo assalariamento em tempo integral, assim como a dependência de outros elementos externos às aldeias. Dependência essa que se manifesta, por exemplo, em relação às cestas básicas, principal resposta do poder público frente às mortes por subnutrição infantil de Guaranis que sazonalmente retornam ao noticiário nacional.
A distribuição da renda da cana-de-açúcar, por sua vez, também é problemática. Muitas vezes, o dinheiro permanece apenas nas mãos dos homens, financiando um consumo de álcool que, com freqüência assustadora, surge associado a brigas, assassinatos e desestruturação familiar. A violênciaEm 2007, de acordo com o levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - entidade ligada à Igreja Católica - foram 53 os Guaranis assassinados em Mato Grosso do Sul, a maioria devido a desentendimentos entre eles próprios. Somente entre os 13 mil moradores da TI Dourados, a maior do estado, localizada no município de mesmo nome, foram 21 as pessoas mortas. Caso fosse um município independente, seria certamente o mais violento do Brasil. Como se não bastassem elos já existentes, o facão usado nos canaviais surge com freqüência como a arma utilizada nos crimes.
Egon Heck, coordenador do Cimi no estado, é ainda mais incisivo. Ele vê uma conexão entre o trabalho nas usinas e os casos de violência que hoje assolam as comunidades Guaranis - famosas também pelos alarmantes índices de suicídios, muito maiores do que a média nacional. "Não é uma alternativa de vida, é uma alternativa que mata". Há ainda o próprio impacto físico da atividade. De acordo com Zelik Trajber, coordenador técnico da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Dourados (MS), problemas de coluna e outras patologias ósseas e musculares - sem mencionar os acidentes e casos de tuberculose nos alojamentos - são uma rotina entre os trabalhadores indígenas. "É muito violento, o cortador não agüenta 35 anos para depois se aposentar", atesta. Para piorar, segundo ele, o acesso à aposentadoria por invalidez praticamente inexiste.
Nos últimos anos, houve melhorias nas condições de trabalho nas destilarias, de acordo com o "cabeçante" (espécie de líder que faz a intermediação com os contratantes) L. R., da TI Dourados. Ele reitera, porém, a opinião comum de que a opção pelo corte da cana é, na verdade, uma falta de opção. "Não temos escolha. Quase não temos terra", argumenta. Os territóriosE, quando o assunto é terra, a própria vida nos canaviais coloca-se, de certo modo, como entrave às mobilizações políticas. "Levar o índio para a usina é um jeito de tirá-lo da luta por demarcação", coloca o nhandeva Otoniel Ricardo, liderança comunitária na aldeia de Caarapó (MS).
A distribuição da renda da cana-de-açúcar, por sua vez, também é problemática. Muitas vezes, o dinheiro permanece apenas nas mãos dos homens, financiando um consumo de álcool que, com freqüência assustadora, surge associado a brigas, assassinatos e desestruturação familiar. A violênciaEm 2007, de acordo com o levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - entidade ligada à Igreja Católica - foram 53 os Guaranis assassinados em Mato Grosso do Sul, a maioria devido a desentendimentos entre eles próprios. Somente entre os 13 mil moradores da TI Dourados, a maior do estado, localizada no município de mesmo nome, foram 21 as pessoas mortas. Caso fosse um município independente, seria certamente o mais violento do Brasil. Como se não bastassem elos já existentes, o facão usado nos canaviais surge com freqüência como a arma utilizada nos crimes.
Egon Heck, coordenador do Cimi no estado, é ainda mais incisivo. Ele vê uma conexão entre o trabalho nas usinas e os casos de violência que hoje assolam as comunidades Guaranis - famosas também pelos alarmantes índices de suicídios, muito maiores do que a média nacional. "Não é uma alternativa de vida, é uma alternativa que mata". Há ainda o próprio impacto físico da atividade. De acordo com Zelik Trajber, coordenador técnico da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Dourados (MS), problemas de coluna e outras patologias ósseas e musculares - sem mencionar os acidentes e casos de tuberculose nos alojamentos - são uma rotina entre os trabalhadores indígenas. "É muito violento, o cortador não agüenta 35 anos para depois se aposentar", atesta. Para piorar, segundo ele, o acesso à aposentadoria por invalidez praticamente inexiste.
Nos últimos anos, houve melhorias nas condições de trabalho nas destilarias, de acordo com o "cabeçante" (espécie de líder que faz a intermediação com os contratantes) L. R., da TI Dourados. Ele reitera, porém, a opinião comum de que a opção pelo corte da cana é, na verdade, uma falta de opção. "Não temos escolha. Quase não temos terra", argumenta. Os territóriosE, quando o assunto é terra, a própria vida nos canaviais coloca-se, de certo modo, como entrave às mobilizações políticas. "Levar o índio para a usina é um jeito de tirá-lo da luta por demarcação", coloca o nhandeva Otoniel Ricardo, liderança comunitária na aldeia de Caarapó (MS).
Reunião para discutir a realidade dos Guaranis: luta por mais terrirórios é questão central (Foto: André Campos)
Além das oito reservas demarcadas até 1928 - que perfazem um total de 18 mil hectares, onde vivem mais de 80% dos guaranis do estado - há outros 22 mil hectares conquistados em mobilizações a partir da década de 1980. Existem, também, 63 mil hectares já identificados em favor desses índios, mas cuja posse ainda não ocorreu devido a impedimentos como ações na Justiça contra a demarcação. A título de comparação, a TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, possui 1,7 milhão de hectares, onde vivem cerca de 18 mil índios.
A disputa políticaO diretor-secretário da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Dácio Queiroz, classifica como "nada mais que ideológica" a atuação da Funai na identificação de TIs. "São pessoas comprometidas em ver os índios, a qualquer preço, retomando o Brasil", vocifera. Ex-prefeito de Antônio João (MS), ele próprio é parte em litígio que envolve guaranis - a área kaiowá Ñande Ru Marangatu, homologada pelo presidente Lula em 2005, incide sobre fazenda de sua posse, mas uma decisão judicial mantém as terras com os fazendeiros. A Famasul afirma que, à luz da lei, não podem ser reconhecidos como TIs aldeamentos desfeitos antes da Constituição de 1988, mesmo que em passado recente - fato que inviabilizaria diversas reivindicações atuais.Dácio Queiroz contesta ainda a política indigenista brasileira. "A Famasul entende que o índio está sendo reduzido à condição de uma sub-raça, uma espécie de reserva humana para estudos antropológicos", afirma. Na esteira do setor sucroalcooleiro, ele defende a expansão da mão-de-obra indígena para outras atividades, dentro de uma política de inclusão. "O que eles não merecem é o que o Cimi e a Funai praticam, o segregacionismo e a subcondição."
"Esperamos a capacitação e a integração de índios na agricultura brasileira", reforça Leôncio Brito, presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários e Indígenas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em solo sul-mato-grossense, ele cita a área homologada aos Kadiwéus - 538 mil hectares onde vivem cerca de 1,2 mil índios - para questionar a relação entre terras e qualidade de vida. "Será que o índice de desenvolvimento humano deles condiz com a riqueza da qual são donos?", indaga.Há quem veja com desconfiança a idéia de que o mercado de trabalho é a saída para as comunidades Guaranis. "Considerando o preconceito contra os povos indígenas, eles estarão sempre em uma situação muito inferior nessa disputa", acredita Antônio Brand. E como atividades de monocultura tendem, no longo prazo, à mecanização, ele teme também que tal mentalidade aprofunde ainda mais a já frágil dependência externa das aldeias em relação a políticas assistenciais e trabalhos pouco qualificados. "A meu ver, se quisermos pensar na autonomia dos povos indígenas, mais do que nunca se afirma a necessidade de garantir seus territórios", declara.
Egon Heck, por sua vez, enfatiza que políticas públicas não podem se opor ao legítimo desejo de autonomia dos índios, que anseiam pela reconstrução do tekoha - palavra da língua Guarani que designa o território onde é possível viver o modo de ser da etnia, preservando relações familiares, econômicas e culturais. Enquanto o homem repensa sua relação com o planeta, ele defende a importância de respeitar modelos distintos de desenvolvimento. "Em vez de torná-los como nós, deveríamos aprender com os Guaranis."
Fonte:http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1388
Para o pesquisador Antônio Brand, por trás desse arranjo há um projeto político visando contornar o conflito fundiário. "O direcionamento da mão-de-obra para fora das aldeias ocorre hoje de forma mais elaborada, com as destilarias se localizando mais próximas das comunidades", exemplifica.
Entre 1915 e 1928, foram criadas no Mato Grosso do Sul oito reservas para os Guarani Kaiowás e os Guarani Nhandevas. O objetivo, pautado pela lógica de integrar os índios à sociedade, era ali reassentar os nativos espalhados pela região - e tornar tais locais verdadeiros bolsões de mão-de-obra. Dessa forma, liberavam-se as demais terras para a colonização.
De fato, nas décadas seguintes, para lá foram sendo gradualmente levados os Guaranis que ainda viviam nas florestas, removidos quando sua presença esbarrava na expansão da fronteira agrícola. Anos e anos deste processo tornaram tais reservas as áreas demarcadas com maior concentração de indígenas no país. A comunidade indígena de Dourados, pressionada pela expansão urbana, convive lado a lado com a cidade de mesmo nome.
Jorge da Silva, de 53 anos, rezador kaiowá nascido em Dourados, relata a transformação do cotidiano local. "Antigamente, a gente comia as coisas da nossa origem, caça e peixe. Agora, isso acabou", reflete. A disposição atual da aldeia, quase uma favela rural, é, segundo ele, razão de muitos conflitos - motivados inclusive pela convivência imposta com etnias distintas, como a dos Terenas, que também tiveram que se instalar na mesma área. "Agora é parede com parede, e o índio não gosta. Assim começam as brigas".
A desarticulaçãoNa cultura kaiowá, a figura do rezador desempenha papel fundamental em rituais como, por exemplo, o batismo das crianças e a bênção das sementes. Jorge da Silva conta que o dom da reza é algo que passa de pai para filho, sendo a quebra dessa transmissão, atualmente, um dos elementos que revelam a desarticulação da organização tradicional. "Tem muita gente que não quer mais, já largou porque começou a ter vergonha", conta. "O meu sogro rezava todo dia, e o filho dele acabou por aí andando de motoca igual branco." Para Antônio Brand, o agrupamento nessas reservas criou uma "realidade inadministrável" sob a ótica guarani. "Toda a organização tradicional, da economia e da religião, está centrada em núcleos macrofamiliares de 200 ou 300 pessoas no máximo", descreve. "É impossível para um guarani pensar em se organizar num ajuntamento tão grande."
Entre 1915 e 1928, foram criadas no Mato Grosso do Sul oito reservas para os Guarani Kaiowás e os Guarani Nhandevas. O objetivo, pautado pela lógica de integrar os índios à sociedade, era ali reassentar os nativos espalhados pela região - e tornar tais locais verdadeiros bolsões de mão-de-obra. Dessa forma, liberavam-se as demais terras para a colonização.
De fato, nas décadas seguintes, para lá foram sendo gradualmente levados os Guaranis que ainda viviam nas florestas, removidos quando sua presença esbarrava na expansão da fronteira agrícola. Anos e anos deste processo tornaram tais reservas as áreas demarcadas com maior concentração de indígenas no país. A comunidade indígena de Dourados, pressionada pela expansão urbana, convive lado a lado com a cidade de mesmo nome.
Jorge da Silva, de 53 anos, rezador kaiowá nascido em Dourados, relata a transformação do cotidiano local. "Antigamente, a gente comia as coisas da nossa origem, caça e peixe. Agora, isso acabou", reflete. A disposição atual da aldeia, quase uma favela rural, é, segundo ele, razão de muitos conflitos - motivados inclusive pela convivência imposta com etnias distintas, como a dos Terenas, que também tiveram que se instalar na mesma área. "Agora é parede com parede, e o índio não gosta. Assim começam as brigas".
A desarticulaçãoNa cultura kaiowá, a figura do rezador desempenha papel fundamental em rituais como, por exemplo, o batismo das crianças e a bênção das sementes. Jorge da Silva conta que o dom da reza é algo que passa de pai para filho, sendo a quebra dessa transmissão, atualmente, um dos elementos que revelam a desarticulação da organização tradicional. "Tem muita gente que não quer mais, já largou porque começou a ter vergonha", conta. "O meu sogro rezava todo dia, e o filho dele acabou por aí andando de motoca igual branco." Para Antônio Brand, o agrupamento nessas reservas criou uma "realidade inadministrável" sob a ótica guarani. "Toda a organização tradicional, da economia e da religião, está centrada em núcleos macrofamiliares de 200 ou 300 pessoas no máximo", descreve. "É impossível para um guarani pensar em se organizar num ajuntamento tão grande."
Conflito de gerações reflete dilema sobre o futuro dosGuaranis no Mato Grosso do Sul (Foto: André Campos)
Além das oito reservas demarcadas até 1928 - que perfazem um total de 18 mil hectares, onde vivem mais de 80% dos guaranis do estado - há outros 22 mil hectares conquistados em mobilizações a partir da década de 1980. Existem, também, 63 mil hectares já identificados em favor desses índios, mas cuja posse ainda não ocorreu devido a impedimentos como ações na Justiça contra a demarcação. A título de comparação, a TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, possui 1,7 milhão de hectares, onde vivem cerca de 18 mil índios.
A disputa políticaO diretor-secretário da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Dácio Queiroz, classifica como "nada mais que ideológica" a atuação da Funai na identificação de TIs. "São pessoas comprometidas em ver os índios, a qualquer preço, retomando o Brasil", vocifera. Ex-prefeito de Antônio João (MS), ele próprio é parte em litígio que envolve guaranis - a área kaiowá Ñande Ru Marangatu, homologada pelo presidente Lula em 2005, incide sobre fazenda de sua posse, mas uma decisão judicial mantém as terras com os fazendeiros. A Famasul afirma que, à luz da lei, não podem ser reconhecidos como TIs aldeamentos desfeitos antes da Constituição de 1988, mesmo que em passado recente - fato que inviabilizaria diversas reivindicações atuais.Dácio Queiroz contesta ainda a política indigenista brasileira. "A Famasul entende que o índio está sendo reduzido à condição de uma sub-raça, uma espécie de reserva humana para estudos antropológicos", afirma. Na esteira do setor sucroalcooleiro, ele defende a expansão da mão-de-obra indígena para outras atividades, dentro de uma política de inclusão. "O que eles não merecem é o que o Cimi e a Funai praticam, o segregacionismo e a subcondição."
"Esperamos a capacitação e a integração de índios na agricultura brasileira", reforça Leôncio Brito, presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários e Indígenas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em solo sul-mato-grossense, ele cita a área homologada aos Kadiwéus - 538 mil hectares onde vivem cerca de 1,2 mil índios - para questionar a relação entre terras e qualidade de vida. "Será que o índice de desenvolvimento humano deles condiz com a riqueza da qual são donos?", indaga.Há quem veja com desconfiança a idéia de que o mercado de trabalho é a saída para as comunidades Guaranis. "Considerando o preconceito contra os povos indígenas, eles estarão sempre em uma situação muito inferior nessa disputa", acredita Antônio Brand. E como atividades de monocultura tendem, no longo prazo, à mecanização, ele teme também que tal mentalidade aprofunde ainda mais a já frágil dependência externa das aldeias em relação a políticas assistenciais e trabalhos pouco qualificados. "A meu ver, se quisermos pensar na autonomia dos povos indígenas, mais do que nunca se afirma a necessidade de garantir seus territórios", declara.
Egon Heck, por sua vez, enfatiza que políticas públicas não podem se opor ao legítimo desejo de autonomia dos índios, que anseiam pela reconstrução do tekoha - palavra da língua Guarani que designa o território onde é possível viver o modo de ser da etnia, preservando relações familiares, econômicas e culturais. Enquanto o homem repensa sua relação com o planeta, ele defende a importância de respeitar modelos distintos de desenvolvimento. "Em vez de torná-los como nós, deveríamos aprender com os Guaranis."
Fonte:http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1388
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