Por Michelle Amaral da Silva com Contribuição de Pablo Polese de Queiroz
A repressão generalizada aos movimentos sociais, no Brasil, nada mais é que a forma de ação defensiva do capital multinacional
Há mais de um ano o Brasil todo e, de forma mais aberta, o Estado do Rio Grande do Sul, sob o governo de Yeda Crusius (PSDB), têm sido palco dos mais truculentos atos de repressão a manifestos populares, notadamente aqueles levados a cabo pela Via Campesina e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse movimento crescente de criminalização dos movimentos sociais, Mídia, Ministério Público e Brigada Militar têm sido os três “braços” de “manutenção da ordem” da política da governadora do Rio Grande do Sul.
Quanto ao interesse estatal em reprimir os movimentos sociais, na exata medida em que a ação destes possa representar uma ameaça aos ganhos exorbitantes das multinacionais, nada de novo, afinal, conforme a precisa colocação de Maria Orlanda Pinassi, professora de Sociologia da UNESP e pesquisadora dos movimentos sociais contemporâneos, “a história nos mostra que o Estado freqüentemente serve de testa de ferro ao capital”.
A supressão de direitos e a condenação de organizações sociais à vala comum da ilegalidade são prerrogativas que os brasileiros bem conhecem dos tempos ditatoriais. A retirada violenta de trabalhadores rurais de áreas cedidas, utilizando para isso armas de fogo, já causou a morte de inúmeros trabalhadores cujo maior crime era estar lutando, dentro da lei, para ter de onde tirar o próprio sustento.
Esse processo de repressão e criminalização ininterrupta do MST demonstra que setores conservadores preparam uma “limpeza” no campo brasileiro para garantir que o país se converta em principal produtor de matérias primas exportáveis pelo agronegócio. O país já começa a sofrer os impactos ambientais e sociais de um modelo de crescimento econômico centrado no incentivo ao latifúndio e total descaso à agricultura familiar. Basta ver o espaço ocupado por plantações de cana-de-açúcar, soja e eucalipto, e verificar o nexo direto entre exploração madeireira na Amazônia e transformação da floresta em pasto para a Pecuária expulsa do Centro-oeste e sudeste justamente pelo agronegócio.
No interior dessa problemática o trabalho de Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro reconhecido, parece ser uma mediação importante para o entendimento da crescente criminalização que se vem impondo aos movimentos sociais do campo e das cidades.
Em suas análises sobre a particularidade do capitalismo brasileiro, Florestan Fernandes, ainda em fins dos anos 1960, chegou a resultados muito diferentes aos dados pelas teorias prevalecentes que, abstraindo-se as variantes, apregoam ser o Brasil “atrasado” frente aos países centrais em virtude de sua revolução burguesa deficitária e que, portanto, caberia ao povo realizar as transformações de que nossa burguesia teria histórica incapacidade, por exemplo, a consolidação de uma Reforma Agrária.
A contraposição do sociólogo paulista seria de que, em verdade, nossa burguesia é sim extremamente competente, desde que se considere a especificidade da revolução brasileira, no interior da divisão internacional do trabalho, onde necessariamente o Brasil não poderia seguir os preceitos do “modelo clássico”, cujo processo de modernização capitalista amparava-se na democracia liberal, sendo o maior exemplo dado pela França, em 1789. Para Florestan, não se trata de realizar aquilo que a burguesia brasileira deixara incompleto, nem se trata de superar os elementos históricos que nos destinaram ao atraso frente aos países capitalistas centrais. Trata-se de reconhecer que o nosso capitalismo, estruturalmente “dependente, subdesenvolvido e imperializado”, potencializa a exploração dos trabalhadores com base numa política historicamente antidemocrática.
A revolução brasileira, de periferia, seria um fenômeno predominantemente político, uma criação e consolidação das estruturas de poder garantidoras da hegemonia burguesa, que controla e submete a seus interesses toda a estrutura político-econômica da nação.
A especificidade de nosso capitalismo residiria no fato de que aqui a dominação capitalista externa se soma à dominação interna de modo que os setores sociais dominantes internamente superexploram, e conseqüentemente superdominam, a massa da população, a fim de garantir seus privilégios e a partilha do excedente econômico com as burguesias dos países hegemônicos centrais. Portanto o significado, segundo Florestan, da dependência estrutural do Brasil frente aos países centrais está claro: trata-se da instauração de um padrão de acumulação capitalista típico da relação de parceria desigual entre as burguesias, onde o capital externo abocanha a maior parte dos lucros e o capital nacional contenta-se com as migalhas restantes. Tal padrão Florestan designa com precisão como “sobre-apropriação repartida do excedente econômico”. Sobre-exploração e autocracia burguesa, tais são os elementos que, conjugados, constituem o capitalismo selvagem à brasileira.
Em resposta a críticas que lhe foram dirigidas, Florestan Fernandes impressiona por sua atualidade quando afirma que “a sociedade de classes engendrada no capitalismo da periferia é incompatível com a universalidade dos direitos humanos.” Ele, assim, constrói a noção de democracia restrita realizada por um Estado autocrático-burguês, mediante o que a transformação capitalista se completa com desavergonhada visibilidade em benefício de “uma reduzida minoria privilegiada e dos interesses estrangeiros com os quais ela se articula institucionalmente”.
É nesse sentido que podemos ler na Carta dos Movimentos Sociais do Rio Grande do Sul apresentada em 24/06/2008 à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e Assembléia Legislativa: o “lucro das papeleiras suecas, norueguesas, norte-americanas, das grandes empresas, está acima de qualquer coisa. A produção de papel para a exportação, no Espírito Santo, na Bahia, no Rio Grande do Sul, está acima da vida de milhares de pessoas, expulsas de suas terras. A terra esturricada de sede, infestada de formigas, árida, não abala, não toca, não afeta a classe dominante desta velha colônia”.
Florestan Fernandes, ao apreender a especificidade da revolução burguesa no Brasil, formula a tese da associação entre desenvolvimento capitalista dependente e regimes políticos de natureza autocrática. Grosso modo, as nações capitalistas hegemônicas com suas gigantescas empresas multinacionais e com toda uma rede internacional de instituições econômicas, políticas, militares e culturais, teriam se articulado com as burguesias dependentes de forma que estas conseguissem ter maior poder de autodefesa frente às pressões populares internas e de auto-privilegiamento político e econômico.
A burguesia brasileira, enquanto burguesia periférica, com o apoio irrestrito dos centros imperialistas, teria reestruturado as funções do Estado, tornando-o totalmente subserviente aos interesses do capital, seja nativo ou estrangeiro. Esse é o sentido do neoliberalismo: Estado mínimo para o social e máximo para o capital. Com o Estado mais que nunca atrelado ao capital, através da repressão aos movimentos de cunho democrático-popular, se universaliza o uso tirânico, de forma cada vez mais indiscriminada, das estruturas coercitivas estatais.
Assim, a burguesia brasileira em parceria subordinada aos centros imperialistas, teria realizado com êxito assombroso a revolução autocrático-burguesa brasileira, sendo que a recorrente repressão e rechaço aos movimentos que defendem os interesses populares seria uma conseqüência histórica da forma sob a qual o desenvolvimento capitalista se cristalizou, no Brasil.
O Estado brasileiro se consolidou enquanto guardião defensor dos interesses de classe tanto da burguesia nacional quanto dos setores imperialistas estrangeiros. Os recorrentes casos de repressão aos movimentos sociais em todo o mundo, mas em especial nos países periféricos, assim como os recentes casos envolvendo o MST, são claros exemplos da atualidade e pertinência da análise do sociólogo paulista. Segundo Florestan Fernandes, o Estado, sob a autocracia burguesa, “não é funcional para a defesa da igualdade dos cidadãos perante a lei ou a ordem política estabelecida. Portanto, ele só é instrumental para a imposição de uma estabilidade política que se mantém pela força bruta e pela ameaça potencial, e que, por sua vez, constitui o requisito político para a intensificação da acumulação capitalista e a aceleração do desenvolvimento econômico”.
Se a revolução burguesa no Brasil, em relação aos ganhos para a classe trabalhadora, se configurou em verdade como uma contra-revolução defensiva, resultando no Capitalismo Selvagem, então nada há que se esperar da burguesia brasileira, a não ser a crescente barbárie. Assim, conforme a enfática colocação de Florestan, “a alternativa para a ‘história como liberdade’, na periferia, [e hoje em dia também no centro, acrescentaríamos], só poderá vir do Socialismo”.
A repressão generalizada aos movimentos sociais, no Brasil, nada mais é que a forma de ação defensiva do capital multinacional, visando garantir sua sobrevivência, seus superlucros, visando perpetuar seu domínio (altamente destrutivo para o meio ambiente, e degradante para a humanidade) e impedir a todo custo qualquer tipo de ganho substantivo para a classe trabalhadora, cada vez mais constituída de desempregados.
Pablo Polese de Queiroz é professor na rede de ensino público de Campinas.
A repressão generalizada aos movimentos sociais, no Brasil, nada mais é que a forma de ação defensiva do capital multinacional
Há mais de um ano o Brasil todo e, de forma mais aberta, o Estado do Rio Grande do Sul, sob o governo de Yeda Crusius (PSDB), têm sido palco dos mais truculentos atos de repressão a manifestos populares, notadamente aqueles levados a cabo pela Via Campesina e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse movimento crescente de criminalização dos movimentos sociais, Mídia, Ministério Público e Brigada Militar têm sido os três “braços” de “manutenção da ordem” da política da governadora do Rio Grande do Sul.
Quanto ao interesse estatal em reprimir os movimentos sociais, na exata medida em que a ação destes possa representar uma ameaça aos ganhos exorbitantes das multinacionais, nada de novo, afinal, conforme a precisa colocação de Maria Orlanda Pinassi, professora de Sociologia da UNESP e pesquisadora dos movimentos sociais contemporâneos, “a história nos mostra que o Estado freqüentemente serve de testa de ferro ao capital”.
A supressão de direitos e a condenação de organizações sociais à vala comum da ilegalidade são prerrogativas que os brasileiros bem conhecem dos tempos ditatoriais. A retirada violenta de trabalhadores rurais de áreas cedidas, utilizando para isso armas de fogo, já causou a morte de inúmeros trabalhadores cujo maior crime era estar lutando, dentro da lei, para ter de onde tirar o próprio sustento.
Esse processo de repressão e criminalização ininterrupta do MST demonstra que setores conservadores preparam uma “limpeza” no campo brasileiro para garantir que o país se converta em principal produtor de matérias primas exportáveis pelo agronegócio. O país já começa a sofrer os impactos ambientais e sociais de um modelo de crescimento econômico centrado no incentivo ao latifúndio e total descaso à agricultura familiar. Basta ver o espaço ocupado por plantações de cana-de-açúcar, soja e eucalipto, e verificar o nexo direto entre exploração madeireira na Amazônia e transformação da floresta em pasto para a Pecuária expulsa do Centro-oeste e sudeste justamente pelo agronegócio.
No interior dessa problemática o trabalho de Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro reconhecido, parece ser uma mediação importante para o entendimento da crescente criminalização que se vem impondo aos movimentos sociais do campo e das cidades.
Em suas análises sobre a particularidade do capitalismo brasileiro, Florestan Fernandes, ainda em fins dos anos 1960, chegou a resultados muito diferentes aos dados pelas teorias prevalecentes que, abstraindo-se as variantes, apregoam ser o Brasil “atrasado” frente aos países centrais em virtude de sua revolução burguesa deficitária e que, portanto, caberia ao povo realizar as transformações de que nossa burguesia teria histórica incapacidade, por exemplo, a consolidação de uma Reforma Agrária.
A contraposição do sociólogo paulista seria de que, em verdade, nossa burguesia é sim extremamente competente, desde que se considere a especificidade da revolução brasileira, no interior da divisão internacional do trabalho, onde necessariamente o Brasil não poderia seguir os preceitos do “modelo clássico”, cujo processo de modernização capitalista amparava-se na democracia liberal, sendo o maior exemplo dado pela França, em 1789. Para Florestan, não se trata de realizar aquilo que a burguesia brasileira deixara incompleto, nem se trata de superar os elementos históricos que nos destinaram ao atraso frente aos países capitalistas centrais. Trata-se de reconhecer que o nosso capitalismo, estruturalmente “dependente, subdesenvolvido e imperializado”, potencializa a exploração dos trabalhadores com base numa política historicamente antidemocrática.
A revolução brasileira, de periferia, seria um fenômeno predominantemente político, uma criação e consolidação das estruturas de poder garantidoras da hegemonia burguesa, que controla e submete a seus interesses toda a estrutura político-econômica da nação.
A especificidade de nosso capitalismo residiria no fato de que aqui a dominação capitalista externa se soma à dominação interna de modo que os setores sociais dominantes internamente superexploram, e conseqüentemente superdominam, a massa da população, a fim de garantir seus privilégios e a partilha do excedente econômico com as burguesias dos países hegemônicos centrais. Portanto o significado, segundo Florestan, da dependência estrutural do Brasil frente aos países centrais está claro: trata-se da instauração de um padrão de acumulação capitalista típico da relação de parceria desigual entre as burguesias, onde o capital externo abocanha a maior parte dos lucros e o capital nacional contenta-se com as migalhas restantes. Tal padrão Florestan designa com precisão como “sobre-apropriação repartida do excedente econômico”. Sobre-exploração e autocracia burguesa, tais são os elementos que, conjugados, constituem o capitalismo selvagem à brasileira.
Em resposta a críticas que lhe foram dirigidas, Florestan Fernandes impressiona por sua atualidade quando afirma que “a sociedade de classes engendrada no capitalismo da periferia é incompatível com a universalidade dos direitos humanos.” Ele, assim, constrói a noção de democracia restrita realizada por um Estado autocrático-burguês, mediante o que a transformação capitalista se completa com desavergonhada visibilidade em benefício de “uma reduzida minoria privilegiada e dos interesses estrangeiros com os quais ela se articula institucionalmente”.
É nesse sentido que podemos ler na Carta dos Movimentos Sociais do Rio Grande do Sul apresentada em 24/06/2008 à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e Assembléia Legislativa: o “lucro das papeleiras suecas, norueguesas, norte-americanas, das grandes empresas, está acima de qualquer coisa. A produção de papel para a exportação, no Espírito Santo, na Bahia, no Rio Grande do Sul, está acima da vida de milhares de pessoas, expulsas de suas terras. A terra esturricada de sede, infestada de formigas, árida, não abala, não toca, não afeta a classe dominante desta velha colônia”.
Florestan Fernandes, ao apreender a especificidade da revolução burguesa no Brasil, formula a tese da associação entre desenvolvimento capitalista dependente e regimes políticos de natureza autocrática. Grosso modo, as nações capitalistas hegemônicas com suas gigantescas empresas multinacionais e com toda uma rede internacional de instituições econômicas, políticas, militares e culturais, teriam se articulado com as burguesias dependentes de forma que estas conseguissem ter maior poder de autodefesa frente às pressões populares internas e de auto-privilegiamento político e econômico.
A burguesia brasileira, enquanto burguesia periférica, com o apoio irrestrito dos centros imperialistas, teria reestruturado as funções do Estado, tornando-o totalmente subserviente aos interesses do capital, seja nativo ou estrangeiro. Esse é o sentido do neoliberalismo: Estado mínimo para o social e máximo para o capital. Com o Estado mais que nunca atrelado ao capital, através da repressão aos movimentos de cunho democrático-popular, se universaliza o uso tirânico, de forma cada vez mais indiscriminada, das estruturas coercitivas estatais.
Assim, a burguesia brasileira em parceria subordinada aos centros imperialistas, teria realizado com êxito assombroso a revolução autocrático-burguesa brasileira, sendo que a recorrente repressão e rechaço aos movimentos que defendem os interesses populares seria uma conseqüência histórica da forma sob a qual o desenvolvimento capitalista se cristalizou, no Brasil.
O Estado brasileiro se consolidou enquanto guardião defensor dos interesses de classe tanto da burguesia nacional quanto dos setores imperialistas estrangeiros. Os recorrentes casos de repressão aos movimentos sociais em todo o mundo, mas em especial nos países periféricos, assim como os recentes casos envolvendo o MST, são claros exemplos da atualidade e pertinência da análise do sociólogo paulista. Segundo Florestan Fernandes, o Estado, sob a autocracia burguesa, “não é funcional para a defesa da igualdade dos cidadãos perante a lei ou a ordem política estabelecida. Portanto, ele só é instrumental para a imposição de uma estabilidade política que se mantém pela força bruta e pela ameaça potencial, e que, por sua vez, constitui o requisito político para a intensificação da acumulação capitalista e a aceleração do desenvolvimento econômico”.
Se a revolução burguesa no Brasil, em relação aos ganhos para a classe trabalhadora, se configurou em verdade como uma contra-revolução defensiva, resultando no Capitalismo Selvagem, então nada há que se esperar da burguesia brasileira, a não ser a crescente barbárie. Assim, conforme a enfática colocação de Florestan, “a alternativa para a ‘história como liberdade’, na periferia, [e hoje em dia também no centro, acrescentaríamos], só poderá vir do Socialismo”.
A repressão generalizada aos movimentos sociais, no Brasil, nada mais é que a forma de ação defensiva do capital multinacional, visando garantir sua sobrevivência, seus superlucros, visando perpetuar seu domínio (altamente destrutivo para o meio ambiente, e degradante para a humanidade) e impedir a todo custo qualquer tipo de ganho substantivo para a classe trabalhadora, cada vez mais constituída de desempregados.
Pablo Polese de Queiroz é professor na rede de ensino público de Campinas.
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