Por Noam Chomsky
Quando certos jornalistas são postos em causa, de facto respondem imediatamente: "Ninguém me pressionou, eu escrevo o que quero". É verdade. Só que, se eles tomassem posições contrárias à norma dominante, deixariam de escrever os seus editoriais.
Quando certos jornalistas são postos em causa, de facto respondem imediatamente: "Ninguém me pressionou, eu escrevo o que quero". É verdade. Só que, se eles tomassem posições contrárias à norma dominante, deixariam de escrever os seus editoriais.
Claro que esta regra não é absoluta; eu próprio publico às vezes artigos na imprensa americana, os Estados Unidos não são um país totalitário. Mas qualquer pessoa que não satisfaça determinadas exigências mínimas não tem nenhuma possibilidade de aceder à condição de comentador estabelecido.
É aliás umas das grandes diferenças entre o sistema de propaganda dum Estado totalitário e a forma de proceder em sociedades democráticas. Exagerando um pouco, nos países totalitários o Estado decide sobre a linha a seguir, devendo toda a gente conformar-se com essa linha. As sociedades democráticas operam de outra maneira. A "linha" nunca é enunciada como tal, é subentendida. De certa forma, procede-se assim a uma "lavagem ao cérebro em liberdade". Até mesmo os debates "empolgados" que há nos grandes media se situam no quadro dos parâmetros implícitos consentidos, os quais têm nas suas margens muitos pontos de vista contrários.
O sistema de controlo nas sociedades democráticas é muito eficaz; instila a linha directriz como o ar que se respira. Não nos apercebemos disso, chegando por vezes a imaginar que estamos perante um debate particularmente vigoroso. No fundo, este sistema é infinitamente mais eficaz do que os sistemas totalitários.
Vejamos, por exemplo, o caso da Alemanha no início da década de 1930. Houve quem esquecesse que a Alemanha era então o país mais avançado da Europa, na vanguarda no respeitante às artes, às ciências, às ciências, às técnicas, à literatura, à filosofia. Mas depois, em muito pouco tempo, deu-se um retrocesso completo, e a Alemanha tornou-se o Estado mais assassino e mais bárbaro da história humana.
Tudo isto se realizou instilando medo: medo dos bolcheviques, dos judeus, dos americanos, dos ciganos, em suma: de todos quantos, segundo os nazis, ameaçavam o âmago da civilização europeia, ou seja, "os herdeiros directos da civilização grega". Pelo menos, foi isso que o filósofo Martin Heidegger escreveu em 1935. Ora a maior parte dos media alemães que bombardearam a população com esse género de mensagens adoptou as técnicas de marketing criadas por… publicitários americanos.
Não esqueçamos como uma ideologia se impõe sempre. Para dominar, não basta a violência – impõe-se uma justificação de outra natureza. Quando uma pessoa exerce o poder sobre outra – quer seja um ditador, um colono, um burocrata, um marido ou um patrão –, precisa sempre duma ideologia justificadora, e é sempre a mesma: essa dominação é exercida "para bem" do dominado. Por outras palavras, o poder apresenta-se sempre altruísta, desinteressado, generoso.
Na década de 1930, as regras da propaganda nazi consistiam, por exemplo, em escolher palavras simples, repeti-las sem descanso, associando-as a emoções, sentimentos, temores. Quando Hitler invadiu os sudetas [em 1938], fê-lo invocando os mais nobres e caritativos propósitos: a necessidade duma "intervenção humanitária" para impedir a "limpeza étnica" dos germanófonos e para tornar possível que todos vivessem sob a "asa protectora" da Alemanha, isto é, com o apoio da potência mundial mais avançada nas artes e na cultura.
Em matéria de propaganda, se em certo sentido nada mudou desde os tempos da antiga Atenas, a verdade é que houve bastantes aperfeiçoamentos. Os instrumentos da propaganda foram-se tornando muito mais refinados, em particular e paradoxalmente nos países mais livres do mundo: o Reino Unido e os Estados Unidos. Foi nestes países, e não noutros, que surgiu na década de 1920 a indústria moderna das relações públicas, isto é: o fabrico da opinião, ou propaganda.
Com efeito, no respeitante aos direitos democráticos (voto das mulheres, liberdade de expressão, etc.) estes dois países tinham progredido tanto que a aspiração à liberdade já não podia continuar a ser contida apenas pela violência estatal. Por esse motivo, os seus dirigentes viraram-se para as técnicas da "fábrica do consentimento". A indústria das relações públicas produz, no sentido exacto da palavra, consentimento, aceitação, submissão. Controla as ideias, os pensamentos, as mentes. Por comparação com o totalitarismo, é um grande progresso: é muito mais agradável uma pessoa suportar um anúncio publicitário do que ver-se numa sala de torturas. […]»
É aliás umas das grandes diferenças entre o sistema de propaganda dum Estado totalitário e a forma de proceder em sociedades democráticas. Exagerando um pouco, nos países totalitários o Estado decide sobre a linha a seguir, devendo toda a gente conformar-se com essa linha. As sociedades democráticas operam de outra maneira. A "linha" nunca é enunciada como tal, é subentendida. De certa forma, procede-se assim a uma "lavagem ao cérebro em liberdade". Até mesmo os debates "empolgados" que há nos grandes media se situam no quadro dos parâmetros implícitos consentidos, os quais têm nas suas margens muitos pontos de vista contrários.
O sistema de controlo nas sociedades democráticas é muito eficaz; instila a linha directriz como o ar que se respira. Não nos apercebemos disso, chegando por vezes a imaginar que estamos perante um debate particularmente vigoroso. No fundo, este sistema é infinitamente mais eficaz do que os sistemas totalitários.
Vejamos, por exemplo, o caso da Alemanha no início da década de 1930. Houve quem esquecesse que a Alemanha era então o país mais avançado da Europa, na vanguarda no respeitante às artes, às ciências, às ciências, às técnicas, à literatura, à filosofia. Mas depois, em muito pouco tempo, deu-se um retrocesso completo, e a Alemanha tornou-se o Estado mais assassino e mais bárbaro da história humana.
Tudo isto se realizou instilando medo: medo dos bolcheviques, dos judeus, dos americanos, dos ciganos, em suma: de todos quantos, segundo os nazis, ameaçavam o âmago da civilização europeia, ou seja, "os herdeiros directos da civilização grega". Pelo menos, foi isso que o filósofo Martin Heidegger escreveu em 1935. Ora a maior parte dos media alemães que bombardearam a população com esse género de mensagens adoptou as técnicas de marketing criadas por… publicitários americanos.
Não esqueçamos como uma ideologia se impõe sempre. Para dominar, não basta a violência – impõe-se uma justificação de outra natureza. Quando uma pessoa exerce o poder sobre outra – quer seja um ditador, um colono, um burocrata, um marido ou um patrão –, precisa sempre duma ideologia justificadora, e é sempre a mesma: essa dominação é exercida "para bem" do dominado. Por outras palavras, o poder apresenta-se sempre altruísta, desinteressado, generoso.
Na década de 1930, as regras da propaganda nazi consistiam, por exemplo, em escolher palavras simples, repeti-las sem descanso, associando-as a emoções, sentimentos, temores. Quando Hitler invadiu os sudetas [em 1938], fê-lo invocando os mais nobres e caritativos propósitos: a necessidade duma "intervenção humanitária" para impedir a "limpeza étnica" dos germanófonos e para tornar possível que todos vivessem sob a "asa protectora" da Alemanha, isto é, com o apoio da potência mundial mais avançada nas artes e na cultura.
Em matéria de propaganda, se em certo sentido nada mudou desde os tempos da antiga Atenas, a verdade é que houve bastantes aperfeiçoamentos. Os instrumentos da propaganda foram-se tornando muito mais refinados, em particular e paradoxalmente nos países mais livres do mundo: o Reino Unido e os Estados Unidos. Foi nestes países, e não noutros, que surgiu na década de 1920 a indústria moderna das relações públicas, isto é: o fabrico da opinião, ou propaganda.
Com efeito, no respeitante aos direitos democráticos (voto das mulheres, liberdade de expressão, etc.) estes dois países tinham progredido tanto que a aspiração à liberdade já não podia continuar a ser contida apenas pela violência estatal. Por esse motivo, os seus dirigentes viraram-se para as técnicas da "fábrica do consentimento". A indústria das relações públicas produz, no sentido exacto da palavra, consentimento, aceitação, submissão. Controla as ideias, os pensamentos, as mentes. Por comparação com o totalitarismo, é um grande progresso: é muito mais agradável uma pessoa suportar um anúncio publicitário do que ver-se numa sala de torturas. […]»
[Noam Chomsky, Ainda Mais Eficaz que as Ditaduras, a Lavagem dos Cérebros em Liberdade: Lisboa, Monde Diplomatique, edição portuguesa, Agosto de 2007;
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