quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Política de tortura tucana

Por Eduardo Sales de Lima
Palavras de baixo calão, uso ostensivo de cachorros, da cavalaria, estilhaços de bombas lançadas por brigadianos. Um sem-terra assassinado. Dezenas de militantes feridos. Agosto, mais um mês de práticas fascistas da Brigada Militar gaúcha, concentradas, sobretudo, nos dias 12 e 21 de agosto, após manifestações de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocorridas na cidade de São Gabriel (RS). Em 12 de agosto, o MST ocupou a prefeitura de São Gabriel para, sobretudo, reivindicar melhores condições de saúde às crianças que vivem no assentamento São Paulo II. Desde dezembro de 2008, três delas morreram por negligência médica. Roberto*, presente ao local e levado pela polícia à delegacia de São Gabriel, lembra, em depoimento, que apesar da grande imprensa ter informado que a desocupação fora pacífica, pelo menos uma criança ficou com braço quebrado, e várias pessoas ficaram com hematomas pelo corpo. Além disso, recorda a tortura psicológica sofrida pelos manifestantes quando os brigadianos apontavam seus revólveres “para nossas cabeças”.
Choques elétricos Voltamos à prefeitura de São Gabriel. Roberto* conta que tomou o seu primeiro choque de uma pistola que transmitia impulsos elétricos. “O primeiro choque que eu tomei foi em defesa de uma criança. Eles estavam mirando a pistola de choque para uma criança de aproximadamente 12 anos, aí eu fiquei na frente e levei o choque”, conta.
Algumas lideranças foram deslocadas da ocupação na prefeitura para a delegacia da cidade.“Eu estava junto. Separaram 12 lideranças. Além de espancar muito, usaram uma nova arma para imobilizar aqueles que chamam de bandidos”, relata Nina Tonin, coordenadora estadual do MST. Segunda ela, a pistola que libera impulsos elétricos era usada à queima-roupa, quando deveria ser utilizada à 40 metros. “Muitos desmaiavam, porque estavam algemados, e havia as grades”, conta.
Na delegacia, chegou a ser montado um “corredor polonês” pelo qual as pessoas foram obrigadas a passar enquanto recebiam chutes e cacetadas. André*, outro militante levado à delegacia, também tomou choques. “Diziam palavras de baixo calão: 'grita agora seus f.d.p., vagabundos; lá fora vocês gritavam, aqui dentro vocês estão quietos'”, conta. Segundo ele, “quando a polícia civil estava presente, eles eram uns santinhos, quando ela saía, eles começavam a tortura de novo”, relata. Diante desses e outros depoimentos, a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República vai denunciar a tortura de crianças e o uso de armas de choque elétrico na ação de policiais militares do Rio Grande do Sul, tanto do dia 12 como do dia 21, que resultou na morte do sem-terra Elton Brum. “Assassináveis” Nove dias depois, ocorria o despejo da ocupação da Fazenda Southall, também em São Gabriel (RS), onde todos os 250 manifestantes sem-terra foram identificados pela Brigada Militar. “No despejo foi usada outra forma [de tortura], o espancamento, a cavalaria, os cachorros que rasgaram roupas de pessoas”, lembra Nina Tonin. Somado a tudo isso, um militante foi assassinado. Era Elton Brum. Porém, o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado Dionilso Marcon (PT), disse, no dia 26 de agosto, que a Brigada Militar matou o homem errado. Ele quer que a governadora Yeda Crusius e a Secretaria de Segurança Pública (SSP) revelem o nome do assassino de Elton Brum e digam qual colono deveria morrer no seu lugar. Marcon afirmou publicamente que Brum foi morto por engano e que o sem-terra que deveria ter sido assassinado também é negro. “Há uma lista de outras pessoas para serem mortas”, revelou Marcon. Ele também disse que a Brigada Militar havia informado, primeiramente, que o cadáver era de São Gabriel, e que retificaram dizendo que o rapaz era de Canguçu. Ele lembra que quem o informou, “amarelou”. Premeditação Para Nina Tonin, a hipótese de existir, de fato, uma lista, não deve ser descartada, porém ressalta que é “difícil responder com objetividade” acerca do assunto. Por seu lado, colegas do atirador afirmaram que ele estava sendo agredido. Logo em seguida, isso foi desmentido pela própria Brigada Militar, segundo Nina. “Isso revela que Adão [Paiani] pode ter razão”, conclui, apontando para a denúncia do ex-ouvidor agrário do Rio Grande do Sul sobre o verdadeiro assassino de Elton Brum. Para o deputado petista, o assassinato não foi um resposta a nenhum tipo de agressão. “Eles chegaram às sete horas da manhã, com armas de fogo. Não foi despreparo. Foi uma morte planejada, uma morte política. É costumeiro a Brigada agir assim. ”, diz ao Brasil de Fato. Agora, o que mais preocupa a integrante da coordenação estadual do MST gaúcho, Nina Tonin, é que “tudo indica que o processo de investigação está sendo montado nos moldes de Eldorado do Carajás [PA], porque quem está conduzindo as investigações é o Ministério Público Estadual [MPE]”, alerta, referindo-se ao caráter parcial do MPE do Rio Grande do Sul. Intensificação Para se ter uma ideia, há pouco mais de três anos, em março de 2006, a Brigada Militar, sob a direção do subcomandante Lauro Binsfeld, queimou os alimentos de 1.800 famílias sem-terra acampadas em Coqueiros do Sul, norte do Estado. As famílias foram impedidas de sair do acampamento até para procurar serviços médicos. Essa situação provocou, no dia 14, a morte de uma criança de 5 meses, por desidratação. O inquérito relacionado à prática de tortura coletiva empreendida no caso 2006 foi arquivado pelo Ministério Público de Carazinho. Mas as práticas descritas não são novidade. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligado à presidência da república, após ter recebido em setembro de 2008 diversos documentos e dossiês contendo denúncias sobre a atuação violenta da Brigada Militar, apontou, em relatório, que ficou comprovado que a ação repressiva da Brigada Militar se intensificou a partir de 2005. Desde então, os comandos brigadianos mantêm identificação de possíveis lideranças de acampamentos e assentamentos. Tal instrução foi considerada inconstitucional pelo CDDPH.
* Nome fictício.
Fonte: Jornal Brasil de Fato

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