terça-feira, 29 de setembro de 2009

De onde vêm os vírus e o que os torna mais ou menos perigosos?

Os vírus que nos infectam podem já estar conosco ao longo de nossa história evolutiva, ou saltar recentemente de outros animais. O HTLV por exemplo, já infectava o ancestral comum entre humanos e chimpanzés antes de nossa divergência. De forma geral, tais vírus dificilmente causam doenças graves. Os hospedeiros e eles já tiveram tempo suficiente para atingir um ponto onde, embora o vírus consiga se replicar e infectar, ele não debilita o portador a ponto de diminuir as chances de ser transmitido.
Outros vírus podem circular apenas em humanos, mas terem sido transmitidos de animais há um longo tempo. Parece ser o caso da varíola, que nos foi transmitida de vacas ou camelos por volta de 10000 a.C., mas conviveu conosco tempo suficiente para que as pessoas mais resistentes à doença fossem selecionadas. Isso explica a enorme
mortalidade de Incas e outros povos das Américas, que nunca haviam sido expostos antes, com a chegada dos Espanhóis, que conviveram com o vírus por milhares de anos. Aliás, a morte de tantos Incas por causa da varíola mostra o que acontece quando um vírus novo passa a infectar seres humanos.
Os vírus que matam uma porcentagem enorme dos infectados, como o Marburg ou o Ebola, ambos filovírus causadores das terríveis febres hemorrágicas, são geralmente vírus que saltaram recentemente de outros animais para humanos. Em alguns casos chegam a matar mais da metade dos doentes. Esta mortalidade mostra que o vírus ainda não está adaptado ao hospedeiro humano. Quando ele entra em uma pessoa, causa tanto estrago, e tão rapidamente que a transmissão para as próximas vítimas é comprometida. Por mais que fiquemos impressionados com os sintomas, como falência dos órgãos e vômito sanguinolento, isso torna fácil reconhecer um infectado e isolá-lo.
Os morcegos frugívoros Rousettus aegyptiacus,
considerados hospedeiros naturais do Marburg, mostram o que seria um vírus já bem estabelecido. O vírus isolado destes morcegos em uma caverna de Uganda possui uma diversidade muito maior do que a encontrada em humanos, além de ser encontrado em morcegos saudáveis. Situação que indica um equilíbrio entre parasita e hospedeiro.
Embora nos preocupemos muito com estas zoonoses (vírus que saltam de animais para humanos), e outras como a febre amarela, geralmente são doenças com sintomas reconhecíveis e com pouca transmissão entre humanos. Por isso, tendem a causar graves estragos localmente, mas não se espalham globalmente com facilidade.
Outro fator que deve ser levado em conta são os vetores. Vetores são os intermediários que trazem o vírus de um reservatório para humanos. Os mais frequentes são os pernilongos, transmissores de várias doenças como dengue e febre do Oeste do Nilo. Doenças que dependem de vetores estão restritas a locais onde os vetores ocorrem, e podem ser prevenidas com o combate ao vetor, como as campanhas de controle do Aedes aegypti para prevenção da dengue.
E o Influenza? No caso do Influenza, são vários destes fatores que jogam a favor do vírus. Seu reservatório natural são as aves aquáticas, portadoras do vírus em seu sistema digestivo que possuem a maior diversidade de HA (H1-H16) e NA (N1-N9). Estas aves são migratórias e espalham o vírus pelo mundo todo, principalmente através dos lagos onde várias espécies se encontram. Com isso, o vírus consegue circular mundialmente em pouco tempo e estar sempre em contato com o ser humano.
Os vetores do Influenza também são especiais. São os animais de criação, principalmente porcos e patos. Além de conviver em contato com aves selvagens, não são animais que podemos erradicar como forma de prevenção. Esta situação é agravada pelas técnicas de criação dos porcos, a mistura de animais de várias localidades e a convivência de uma grande densidade deles, que favorecem a transmissão e circulação do Influenza.
Outro agravante é o rearranjo. O rearranjo é a mistura entre dois ou mais vírus que infectam uma mesma célula, e misturam seus genes ao sair. Além do porco possuir o mesmo tipo de receptor celular que nós, ele pode ser infectado por vírus humanos e de aves, servindo de intermediário onde o vírus pode se adaptar a humanos e ser transmitido com mais facilidade. O hospedeiro ideal para o vírus se rearranjar e adquirir proteínas que são novas para nosso sistema imune.
As mutações também favorecem o vírus. O Influenza possui como material genético o RNA e para replicá-lo ele usa sua própria RNA polimerase, que é propensa ao erro. Com isso, a cada ciclo de replicação o vírus muta seu material genético e muda suas proteínas. Muda o suficiente para que nossos anticorpos não reconheçam mais o vírus depois de alguns anos, assim a população suscetível a ele não diminui e a cadeia de transmissão se mantém.
A variação do vírus também contribui para que a vacina não seja eficiente por muito tempo. Enquanto para combater o vírus da varíola bastou apenas uma vacina, que foi distribuída mundialmente e erradicou a doença da humanidade, para combatermos o Influenza precisamos desenvolver vacinas novas anualmente, e os seis meses entre o isolamento do vírus circulante e a distribuição da vacina podem ser suficientes para ela perder eficiência por causa das mutações do vírus.
Por último, está a transmissão do vírus. Embora os patos e porcos possam servir de vetores para o vírus aviário, uma vez adaptado aos humanos ele transmite-se perfeitamente bem. Some-se a isso o fato de que os sintomas da gripe são comuns a várias outras doenças e que cerca de 1/3 dos doentes não desenvolve sintomas (embora possam transmitir o vírus) e temos uma situação de difícil controle.
Espirros, tosse e mãos sujas com muco carregado de Influenza são formas de transmissão bem eficientes. E são agravadas pela nossa crescente aglomeração em locais públicos, veículos de transporte e outros. Assim, o vírus não só é transmitido facilmente como dispõe de uma população suscetível crescente e convivendo intimamente.
O que nos preocupa afinal é essa confluência de fatores. Um grande reservatório natural, intermediários dos quais não podemos nos desfazer, variabilidade suficiente para escapar de nossa imunidade e da vacina em intervalos regulares, chances de rearranjo e introdução de genes inéditos do vírus na população humana e uma transmissão fácil e rápida, agravada pela facilidade crescente de viagens e grandes aglomerações.
Fontes:
Wolfe, N., Dunavan, C., & Diamond, J. (2007). Origins of major human infectious diseases Nature, 447 (7142), 279-283 DOI:
10.1038/nature05775Carrat, F., Vergu, E., Ferguson, N., Lemaitre, M., Cauchemez, S., Leach, S., & Valleron, A. (2008). Time Lines of Infection and Disease in Human Influenza: A Review of Volunteer Challenge Studies American Journal of Epidemiology, 167 (7), 775-785 DOI: 10.1093/aje/kwm375

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