sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Honduras: “cada toque de recolher é um toque de morte”




Ex-reitor da Universidade Nacional Autônoma, Juan Almendares denuncia torturas e diz que Zelaya não voltou ao poder devido ao forte apoio do Exército aos golpistas
Por:
João Peres
Em Honduras, a repressão policial deixou pelo menos dois mortos nos últimos dias (Foto: HablaHonduras.com)
Fundador de diversas organizações de direitos humanos, Juan Almendares vê repetir-se em seu país uma cena que trás um passado não tão distante na história latino-americana. Feridos arrancados de hospitais, dura repressão a manifestações públicas e gente sendo perseguida.
Médico e ex-reitor da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, ele articula uma ação para tentar salvar a vida de dezenas de pessoas. Nos últimos dias, movimenta-se pela capital Tegucigalpa e telefona para outras partes do país tentando montar uma rede que garanta atendimento a feridos fora dos hospitais. Ir para as unidades oficiais, com presença de militares, significa, na melhor das hipóteses, não ser atendido. Há ainda a possibilidade de ser torturado ou, o que se torna a cada dia mais comum, levado pelas forças armadas hondurenhas.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, Juan Almendares afirma acreditar que o presidente deposto Manuel Zelaya voltará ao poder e lembra que o líder do governo golpista, Roberto Micheletti, nunca foi uma figura que teve apoio popular.
Para o defensor dos direitos humanos, a situação atual é um “Pinochetazo” do século 21, ou seja, algo nos moldes do que ocorreu no Chile em 1973, quando Salvador Allende foi derrubado e morto, e milhares de pessoas foram levadas para estádios da capital Santiago, algumas delas sendo executadas a mando do ditador Augusto Pinochet.
Juan Almendares acredita que Zelaya não retornou ao poder pelo amplo apoio dado pelo Exército aos golpistas. Vale lembrar que as forças armadas hondurenhas foram treinadas na Escola das Américas, recebendo as técnicas estadunidenses incentivadas por Henry Kissinger, secretário de Estado responsável pela derrubada de diversas democracias latino-americanas.

RBA - Como está a situação em Tegucigalpa?
É uma situação bastante grave. As Forças Armadas incursionaram nas comunidades pobres de quase todo o país com a intenção de desmobilizar a resistência. Atiraram bomba lacrimogênea nas casas e há muitos feridos.
Homem torturado expõe marcas deixadas por policiais (Foto: Walter Javier Rodriguez)


Mulher agredida durante a marcha de resistencia desde a Universidad Pedagógica Nacional Francisco Morazán(UPNFM)

O que estamos vivendo é uma violação sistemática dos direitos humanos. Fazemos um chamado mundial e uma campanha nacional para ver se é possível que se organizem grupos médicos de enfermeiras, psicólogos, trabalhadores sociais, para que possam ir aos bairros. Porque, se vão aos hospitais, estão militarizados e os policiais levam os feridos. Temos uma situação de terror, é um “Pinochetazo” do século 21, não há respeito aos direitos humanos. Cada toque de recolher é um toque de morte, de violência, que afeta toda a população, gera tortura psicológica da comunidade. Levam milhares de pessoas, torturam-nas e depois soltam, e ficam fichadas e logo passam a serem ameaçadas. Não há liberdade de expressão, os principais meios de comunicação são controlados pelos golpistas, e os outros são interrompidos, ameaçados.

RBA - O senhor enviou à ONU um pedido de ajuda. Que caminho deve ser adotado?
Sim, a iniciativa é boa porque desrespeitaram a imunidade diplomática: a Embaixada do Brasil e o presidente legítimo de Honduras, sua família, foram constantemente aterrorizados com aparatos modernos de barulho que produzem estímulos subliminares que provocam muito estresse. Usam tecnologias de guerra, as técnicas aprendidas pelos soldados na Escola das Américas.

RBA - Nestes últimos três meses, como foi a vida?
Devemos dizer que a resistência é mais forte a cada dia. Mesmo com estado de sítio, as manifestações foram grandiosas, a população tem um alto espírito, mas a repressão se recrudesceu e o país vive uma crise financeira profunda. O golpe, a única coisa que fez foi diminuir a entrada de alimentos. Há um rechaço da população aos golpistas porque realmente está afetando os que poderiam simpatizar com o golpe.

RBA - Como explicar que Zelaya não tenha voltado ao poder?
É preciso explicar de uma maneira muito simples. Os golpistas têm apoio militar, somos um país ocupado militarmente pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos têm sua base militar aqui. Ainda que o presidente Barack Obama tenha dado mensagens positivas, os falcões do Pentágono ainda controlam a parte militar.

RBA - Contra essas forças, o povo não pode?
O espírito da resistência é a luta não-violenta. Mas as grandes mobilizações, que são heroicas, debilitaram o Exército, que está esgotado e não poderá controlar o povo de Honduras. A resistência tem muita força. É um povo que historicamente sofreu muito e é um país ocupado pelos Estados Unidos, mas que disse “basta”. Os meios de comunicação de massa não podem mais convencer a sociedade. A realidade convenceu as pessoas de que se trata de um grupo parasitário do Estado, de guarda-costas das transnacionais e que realmente não respeitam a vida. Há um repúdio ao Exército.

RBA - Como era a atuação de Roberto Micheletti antes do golpe?
É um personagem que tem mais de um quarto de século no Congresso da República, não tem popularidade, perdeu as eleições primárias, tem repúdio popular, é autoritário e não representa os interesses do povo hondurenho.
Agora, na verdade, o repúdio é maior. Não tem respaldo e representa uma aliança das forças mais conservadoras das hierarquias católica e evangélica, que apoiaram este golpe e que fizeram silêncio frente todas atrocidades do regime militar.

RBA - Se Zelaya volta ao poder, há como ter eleições em novembro?
Na realidade, qualquer eleição que seja patrocinada por este regime é rechaçada pelo povo e pelo mundo. Definitivamente, penso que a pressão é enorme para que Zelaya volte ao poder, tanto do povo quanto da comunidade internacional, e é preciso haver algum tipo de ajuste no processo para garantir melhor as eleições.

Texto original publicado em:

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