Para que não digam que não os avisei: há anos escrevo que todo país com hidrocarbonetos tem uma guerra no seu futuro e que o plano mestre dos Estados Unidos é atiçar um conflito entre a Colômbia e a Venezuela para ficar com as ruínas de ambas. Mas um prognóstico não é uma fatalidade. Já examinámos as debilidades que podem vitimar-nos. Estudemos as forças que podem salvar-nos.
Um conflito contra a Venezuela é um conflito contra a região. Disse Bolívar que para nós a Pátria e a América. A intrusão de forças estrangeiras invade-nos a todos. São objectos das bases militares dos Estados Unidos os hidrocarbonetos, a água doce e a biodiversidade do Equador , Brasil e Venezuela e então os da Bolívia, Paraguai, Argentina e o resto da América do Sul. O Brasil é, conforme o ano, a sexta ou a sétima economia do mundo, o oitavo produtor de armamentos e entre os seus 176 milhões de habitantes poderia erguer-se um exército que a partir da sua força actual de 361.928 soldados superará amplamente os 459.687 efectivos que registava o orçamento da Colômbia em 2007. O Grande Exército de Napoleão afundou-se nas vastidões da Rússia; os 8.547.000 km2 do Brasil poderiam ser o túmulo de muito paramilitar. Qualquer agressão nuclearia em torno do Brasil quase toda a região; a União Europeia, a Rússia e a China pressionariam contra o desequilíbrio de poder na zona. Por outro lado, do nosso lado estaria Cuba, que derrotou os Estados Unidos em Playa Girón e o apartheid na África do Sul. É demasiado para uma figurinha que alega não poder controlar o seu próprio território.
Pois o pretexto ou o álibi para abrir as portas ao exército do Estados Unidos seria a incapacidade das forças colombianas para dominar uns quantos cartéis de delinquentes comuns e uma insurgência política de pouco mais de dez mil homens. Em lugar de aplicar a lei aos irregulares, o poder instituído ilegalizou-se transmutando-se em paramilitar, parajudicial, parapolítico, narcopolítico. Mal pode pretender controlar o bairro quem não governa a própria casa. Não cabem dois galos no mesmo galinheiro e se dois exércitos compartilham o mesmo território é porque um está a fazer o papel de galinha. Antes de abrir as portas a um ocupante estrangeiro, um governo que perdeu o controle da situação deveria renunciar por incompetência, deixar a passagem ao seu próprio povo soberano, o sector que mais sofreu numa contenda civil que se prolonga há sessenta anos. Um patriota renuncia ao governo, mas não à soberania.
E, com efeito, na República vizinha ocorreu uma abdicação completa da soberania. Se por esta entendemos a inalienável potestade de se dar leis próprias, executá-las e julgar as controvérsias sobre a sua aplicação, os três atributos deixaram de existir para o governo – não para o povo – do país irmão. Expirou a potestade de legislar, pois foi entregue em acordos secretos que o presidente não se atreve a tornar públicos. Faleceu a faculdade de executá-las, pois soldados estrangeiros sob comando estrangeiros atribuem-se o controle da insurgência e do narcotráfico, que é competência dos poderes públicos locais. Morreu o direito de julgar controvérsias, pois os soldados estrangeiros gozam de imunidade frente às leis da República Irmã e não podem ser processados por seus tribunais.
Sobre o circo, não discuto com o palhaço e sim com o dono. O proprietário das bases estado-unidenses é os Estados Unidos. Planeia envolver-se agora mesmo em outra guerra? Já está atolado em dois conflitos maiores. Ambos começaram com falsos pretextos. Os dois arrancam com a promessa de uma vitória em poucas semanas. Os dois arrastam-se há mais de seis anos. Em ambos as suas forças estão desmoralizadas, drogam-se, suicidam-se, desertam. Em nenhum o final está à vista. Apenas se abre a câmara de horrores e o mundo se espanta perante as torturas, os assassinatos de civis, as deportações em massa. Os Estados Unidos debatem-se entre a crise financeira, o desemprego e a perspectiva de uma insurreição social. Votaram nas eleições por uma mudança: não é provável que aceitem o mesmo remédio.
Se o dono do circo não responde, divirtamo-nos com os palhaços. As bravatas belicosas, os anelos marciais e o escudar-se por trás das botas do polícia do mundo podem parecer projectos napoleónicos, mas na arena todo gesto bombástico dissimula misérias. A ameaça grandiloquente é o malabarismo para fazer pelo aro um Tratado de Livre Comércio e a reeleição de um equilibrista. Cada um é do tamanho dos seus estratagemas.
Perante intenções tão mesquinhas, evitemos grandes frases, pronunciamentos bombásticos. E, melhor, poupemo-nos a frases e pronunciamentos. A oligarquia vizinha só entende a linguagem dos factos. Bastou uma defesa enérgica das águas territoriais para que retirassem a fragata Caldas [1] .
Sobrou um controle do contrabando de extracção para que apresentassem desculpas pelo sequestro de Granda [2] . Será suficiente um moderado filtro aduaneiro para que a oligarquia que se nutre da nossa gasolina e de alimentos subsidiados e exporta anualmente bens no valor de seis mil milhões de dólares para a Venezuela puxe as orelhas ao seu porta-voz brigão e o mande desculpar-se qual ovelha mansa.
Entre ambos os países há um acúmulo de interesses, negócios e postos de trabalho que não podem ser sacrificados a uma estratégia reeleicionista de um político. Vigiemos as bases militares de além fronteiras: destruamos as bases paramilitares que nos ocuparam sem disparar um tiro. Não concedamos imunidade judicial a soldados estrangeiros, nem imunidade judicial e tributária a capitais estrangeiros. Guerra avisada mata quem não se prepara.
Uma áspera corda se ata no pescoço de quem serve de instrumentos dos Estados Unidos. Os talibans e Sadam Hussein foram armados pelo Império, para a seguir serem por ele bombardeados e linchados. Assim paga o diabo a quem o serve.
Enquanto isso, façamo-nos fortes.
[1] Refere-se a um incidente em 1987 quando esta fragata colombiana invadiu águas territoriais da Venezuela.
[2] Acerca do sequestro em 2004 do comandante Rodrigo Granda, em Caracas, por agentes da polícia política colombiana, ver:
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O original encontra-se em:
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