por James Petras [*]
Chury: Bem, Petras, conta-me os temas em que estás a trabalhar agora...
Petras: Em primeiro lugar, o mais importante que estamos a analisar é o processo eleitoral na Colômbia. Esse é o tema principal que temos tratado porque a própria esquerda semeou muita confusão sobre os resultados do processo eleitoral. Ou melhor, não trataram o resultado eleitoral num contexto mais amplo e é isso que o que devemos discutir. Porque o facto mais destacado é que 56% do eleitorado não votou. Ou seja, 56% consciente ou inconscientemente tomaram a posição das FARC. Não digo que estejam informados pelas FARC nem necessariamente que seja simpatizantes, mas por várias razões compartilham a ideia de que não vale a pena votar nas eleições principalmente porque ambas as opções eram muito desfavoráveis e nada ofereciam ao povo.
Para entender isso creio que devemos voltar uns anos atrás, particularmente aos últimos 10 anos do governo de Uribe e inclusive antes. Este resultado eleitoral tem como contexto o deslocamento de 4,3 milhões de pessoas. Tem o contexto de uma repressão feroz que matou mais de 1.800 sindicalistas, incluindo dirigentes. Mataram centenas de activistas de direitos humanos, advogados e jornalistas. E isso influi muito sobre a atitude das pessoas para com as eleições. Em dois sentidos: sentem-se aterrorizados pelo governo e alguns, neste contexto, pressionados a votar porque os militares estavam presentes em todos os lugares de votação. Os paramilitares e os políticos vinculados ao paramilitarismo, que chega ao próprio governo, influenciavam em todos os lugares de votação.
Mas antes de mais nada devemos entender que quando se organiza uma eleição isso é um processo de debate, de reivindicar e não reivindicar as necessidades do povo. E num contexto de terrorismo prolongado e generalizado não se pode avaliar o que sentem as pessoas, o que um contexto pacífico e democrático pode permitir. Neste contexto temos um país militarizado, 300 mil soldados, mais polícias, mais paramilitares, não é um contexto democrático para eleições.
E além disso o Estado utiliza todos os mecanismos, os meios de comunicação e incomunicação, utilizam tudo o que são as prebendas do Estado circulando nos bairros para conseguir algum voto. E também temos o facto de que o candidato presidencial, o que ganhou, o "Diabo" Santos, é uma pessoa envolvida nos assassinatos, foi o ministro da Defesa que organizou os chamados "falsos positivos", estimulando os militares a matar civis para mostrar que o exército teve grandes êxitos matando subversivos.
Descobrimos em pouco tempo que muitas das vítimas nada tinham a ver com a guerrilha nem com os grupos simpatizantes. Eram simplesmente civis, camponeses principalmente e gente pobre, escolhidos para assassinatos para mostrar que o exército teve grandes êxitos no combate. O senhor Santos é implicado e julgado neste contexto.
Os diários, tanto no Uruguai como no México, dizem que a direita arrasa. Arrasa o que? O voto em Santos foi simplesmente 30,8% do eleitorado. Se consideramos os que não votaram, os 70% que conseguiu, os 70% de 44% não chegam ao que eles dizem, chegam a 30 e poucos por cento.
E é preciso analisar os lugares onde votaram e não votaram. Nos grandes bairros popular o absentismo foi quase de 65%. O mesmo se passou em sectores rurais, algumas províncias tiveram quase 75% de absentismo.
Onde conseguiram uma maioria esmagadora de votantes foi nos bairros influentes, os bairros da classe média acomodada, e na classe média baixa em menor percentagem. Mas nos bairros altos conseguiram uns 70% ou 75%. Então há uma grande diferença entre os sectores populares e as regiões no resultado das votações. Muitos sindicalistas, particularmente nas províncias, não votaram por nenhum dos dois. E o mesmo se passou com alguns grupos de direitos humanos.
Agora, para disfarçar este processo eleitoral ilegítimo, os oficialistas utilizaram dois pretextos. Primeiro disseram que as chuvas reduziram a participação. Se alguém não quiser molhar-se por um candidato isso é um bom indicador do desprestígio que tem o sistema eleitoral.
E segundo, o campeonato mundial, não afecta todas as horas do dia, há tempo para ver as partidas e há tempo para votar. Assim, estas desculpas para justificar a baixíssima participação não têm legitimidade.
Por que os diário estão a dar tanta publicidade, disfarçando o facto de que o pior assassino do governo Uribe ganha as eleições com uns 30,8% do eleitorado. Por que? Creio que indica estarem preparados para apoiar-se numa nova política de acomodação com o imperialismo norte-americano. É um sinal de que no próximo período o senhor Santos, com Obama e a direita na América Latina, estão preparados para uma nova ofensiva. E os meios de comunicação, inclusive os jornais supostamente progressistas, estão dispostos a entrar nesse jogo.
Chury: Petras, passemos a outra das realidades que estamos a analisar e de que tens geralmente informação muito profunda. Parecem haver-se aplacado as repercussões dos delitos de lesa humanidade cometidos por Israel. O sionismo tem tanto poder sobre os meios de comunicação que já está a conseguir a amnésia e o esquecimento no mundo. Como se pode analisar isto?
Petras: Há duas razões. Primeiro, o poder que tem Israel a partir da quinta coluna das organizações sionistas e da grande maioria das organizações judias que são filiadas ao sionismo. Chega a tal ponto a força do sionismo que a partir dos Estados Unidos está a globalizar-se. Uma expressão disso é o forte trabalho que o sionismo norte-americano faz sobre o governo de Kirchner [presidenta da Argentina] e particularmente através do novo chanceler, senhor Héctor Timerman.
Timerman é a ligação entre o sionismo norte-americano e Israel com a política argentina. E a senhora Kichner nomeou Timerman, primeiro como embaixador nos Estados Unidos e agora como chanceler em substituição de Taiana, um funcionário que em certa medida mantinha alguma posição de distância em relação ao sionismo. Agora tem um funcionário a tempo inteiro a trabalhar por Israel e coordenando a política com os sionistas dos Estados Unidos. Aqui o vimos actuar uma forma muito vergonhosa, pior do que qualquer outro embaixador em Washington pelas suas relações promíscuas e íntimas com os sionistas e este problema vai repercutir na América Latina.
Aqui estão a dar repercussão nos meios publicitários ao facto de Israel, sob enorme pressão, estar a permitir entrar comida e medicamentos, pelo menos algumas linhas de alimentos de consumo em Gaza. O que não está a permitir são maquinarias para que os palestinos não só possam consumir como possam produzir, cultivar, exportar, possam abrir fábricas que estão todas fechadas. Há que continuar o boicote os protestos. Este fim-de-semana, na cidade Oakland, perto de San Francisco, Califórnia, que é o quito porto mais importante dos EUA, os portuários organizaram um boicote a um navio de Israel: não deixaram descarregar a mercadoria e isso foi um grande êxito. A companhia requereu um processo judicial para terminar o boicote. O juiz decidiu que Israel era um violador de direitos humanos e que têm razão aqueles que organizaram o boicote.
A consciência do assassinato da flotilha é muito generalizada. Os outros crimes diários que Israel comete, como o de ontem, a morte de um pai de família com três filhos, ou ante ontem outros palestinos na fronteira. As atrocidades de Israel não saem na primeira página e nem na segunda. Se há alguma reportagem é uma pequena notícia nas páginas internas. Aqui, em caso algum temos uma condenação a Israel nos meios de comunicação.
Agora a campanha dos sionistas no New York Times, no Washington Post e no Wall Street Journal, que são quase jornais da embaixada de Israel e cem por cento a favor de qualquer crime, lançaram uma propaganda feroz contra a Turquia. Se se pensar por um momento, há três todo o grupo de Israel aqui nos Estados Unidos actuava a favor da Turquia. De repente a Turquia critica Israel pelos assassinatos dos seus cidadãos e os assassinatos em Gaza, de repente a maquinaria faz uma volta de 180 graus e passa a dizer que a Turquia é um país de terroristas islâmicos, os mortos na flotilha eram islâmicos. E lançaram uma campanha lançando lixo sobre o primeiro-ministro da Turquia. Não têm vergonha nenhuma.
Quando Israel muda a linha eles dão um giro de 180 graus. Os sionistas são piores que os piores momentos do estalinismo. Não têm nada independente na cabeça, são apenas voz de Israel e é uma coisa espantosa. Não importa se é um cirurgião, um prémio Nobel, se é um famoso actor ou director de Holliwood, têm toda esta mentalidade de fidelidade incondicional a qualquer acto de delinquência do Estado de Israel. O servilismo aqui é incrível.
Chury: Houve críticas para com o presidente Correa, do Equador, pelos problemas que estão os movimentos indígenas, particularmente pela lei da água. O que sabe disso?
Petras: Correa é um político com tinturas reformistas pela sua política reivindicacionista, atando algumas concessões a programas sociais, subvenções, mas no âmbito macroeconómico é uma política destrutiva. Convidaram a multinacionais mineiras e explorarem a jazidas e muitas delas estão nos territórios tradicionais dos indígenas.
Agora cometeu dois erros. Primeiro, sem consultar os indígenas assinou estes contratos marginalizando as condições ambientais, as condições de pesca e de água do povo indígena.
Segundo, tomou estas decisões com beligerância para com os opositores e críticos, actuando com uma agressividade que não tolera uma reconsideração. E isso provou a ira dos grupos indígenas.
E terceiro, os grupos indígenas têm muita experiência nestas histórias de exploração, tanto de agrotóxicos e petróleo como de outras minas que no passado contaminaram enormes regiões de cultivos, ar, água e terras dos povos. Então, não falam de forma teórica, tiveram experiências negativas.
E para o Equador, para Correa, é uma política destrutiva. O que ele quer é estimular o crescimento a partir das exportações mineiras para compensar a queda nas exportações industriais e agrícolas. Primeiro porque não mudaram a moeda, continua a utilizar o dólar, o que torna caras as exportações não tradicionais como as manufacturas. E isso também criou uma situação em que Correa mantém um discurso populista, crítico de aspectos da política externa dos EUA, mas por outro lado é muito amistoso para com as multinacionais.
Ultimamente deu meia volta em relação à política norte-americana, abraçando Hillary Clinton e dizendo que estão a caminho de melhoria das relações. Temos que ver até que ponto isso é influenciado pela sua política mineira. Está-se a combinar agora a resolução da contradição entre uma política interna mineira conservadora com uma crítica ao imperialismo. Agora parece que há uma aproximação com o governo de Obama-Clinton juntamente com este projecto de explorar a mineração. 25/Junho/2010
O original encontra-se em http://www.lahaine.org/index.php?blog=3&p=46482
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
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