Entretanto, pouco mais da metade são atendidas em hotéis, repúblicas sociais, instituições conveniadas e albergues.
Po Aline Scarso da Radioagência NP
Em São Paulo, o Censo da População de Rua referente ao ano de 2009 indicou existem 13.666 pessoas em situação de rua. Destas, quase metade não consegue atendimento na única política pública da prefeitura municipal para a questão. Apenas pouco mais de 7 mil moradores de rua são atendidos em hotéis, repúblicas sociais, instituições conveniadas e albergues.
Conforme dados da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), pelo menos 1842 crianças e adolescentes vivem nas ruas da cidade. Em média, já estão nas ruas há três anos, a maioria entre 12 a 17 anos. Quinze por cento das crianças têm menos de seis anos.
Para a socióloga Maria Antonieta da Costa Vieira, apesar da situação caótica, a indiferença reina na cidade.
"Não é problema das ruas, é um problema da sociedade. Só que para determinados segmentos sociais – de baixa renda, com uma situação de desestruturação familiar – a rua passa a ser uma saída. A visão da sociedade é extremamente preconceituosa. As soluções apontadas são soluções higienistas, de ‘limpa, tira, coloca em uma instituição’.”
Maria Antonieta da Costa Vieira e a economista Silvia Maria Schor são pesquisadoras da Fipe e participaram da coordenação do Censo de moradores de Rua. No processo de pesquisa, observaram que não basta ter trabalho para manter o ser humano longe da penosa vida das ruas. Para Silvia Maria, a falta de proteção da família e o uso de drogas podem influenciar na mesma medida.
“Você não sabe se a pessoa perdeu o emprego porque começou a beber ou começou a beber porque perdeu o emprego. Ou se a pessoa começou a se dar mal no trabalho porque a situação na família já estava difícil. Muito provável é um processo interativo e as mudanças vão acontecendo juntas.”
De acordo com o Censo, a idade média dos que estão na rua é de 40 anos. Cerca de 65% é parda e negra e 93% sabe ler e escrever. Setenta por cento são oriundos do estado de São Paulo, de outros estados do Brasil, e até mesmo do exterior. O restante são moradores da própria cidade.
Morar na rua tem um custo mínimo para a manutenção da vida: comida, remédios, cigarros. Segundo as pesquisadoras, poucos são os que vivem somente de esmolas. Ainda de acordo com Silvia Maria Schor, quase 70%, trabalha catando latinha, desabastecimento de caixas no Ceasa, fazendo bico de segurança. Em média, ganham R$ 19 por dia, renda insuficiente para sair das ruas.
“A degradação física vai progredindo e cada vez menos os moradores de rua têm chances de ocupação ou mais regular ou menos informal. Um jovem que fica na rua por muito tempo, para se reintegrar na sociedade novamente, fica muito difícil. As pessoas perdem a noção de tempo cronológico. Não sabem o dia da semana ou quanto tempo estão na rua. O futuro pra eles é o que estão vivendo naquele momento.”
Violência e drogas
De acordo com o coordenador da Rede Rua, Alderón Pereira, a organização recebe frequentemente denúncias de violência cometidas contra os moradores de rua. A maior parte da violência é cometida por integrantes da Polícia Militar e agentes de segurança.
“A população de rua sofre muita violência. Nós sabemos de casos que a Polícia bateu e quebrou a perna de fulano, que atirou. Os jatos de água são bem comuns. Tem uma política da prefeitura de higienização, de limpeza da cidade, de esconder essa realidade.”
Quarenta e cinco por cento dos moradores de rua entrevistados já se meterem em briga com espancamento e luta corporal. Vinte e sete por cento já foram roubados. Quatorze por cento já receberam facada, tiro ou paulada. A experiência com crack é maior entre jovens de 18 a 30 anos de idade. Drogas e violência são condições impostas para enfrentar a difícil vida nas ruas.
Resposta do governo é pífia
Segundo Silvia, a situação de São Paulo não é muito diferente das principais capitais mundiais, como Nova Iorque (EUA), Tóquio (Japão) e Paris (França). Na Europa, até mesmo um observatório foi criado para monitorar o aumento da população nas ruas do continente. A crise econômica mundial agravou ainda mais a situação pelo mundo, e também em São Paulo, com parte da população jogada no desemprego.
De acordo com Alderón, a escassez de vagas em albergues dificulta ainda mais a vida de quem procura por esse serviço. Para pernoitar as frias madrugadas da capital paulista, uma pessoa pode passar até uma hora na fila e não encontrar vagas.
“A lei da população de rua da cidade de São Paulo estabelece que no máximo deveriam ter cem pessoas por abrigo. Hoje nós temos abrigos com 1.2 mil pessoas, outros com 250, 150. A realidade da lei ainda está longe de ser atingida.”
Segundo Alderón, apesar de ter melhorado a qualidade dos equipamentos e condições, os albergues continuam sendo serviços terceirizados pela prefeitura, que firma convênios com instituições sociais.
“A política de moradia tem que estar ligada à política de saúde, habitação. O que funciona em São Paulo é a assistência social, ou seja, a política de emergência social.”
Para Maria Antonieta, morador de rua não é apenas um problema da assistência social.
“O morador de rua tem problema de saúde, de trabalho, de habitação, ou seja, é necessária uma abordagem intersecretarial que possa atacar esse problema. Não é só arranjando um albergue.”
Sem propostas do governo pela frente, a vida deve continuar difícil nas ruas de São Paulo. A violência continuará e pode aumentar com o crescimento do repúdio dos demais moradores da cidade. Um novo projeto de ouvidoria comunitária que funciona no Brás, todas as quintas-feiras, pretende sistematizar e mapear as denúncias de violência contra essa população. Os dados devem dar a noção da gravidade e da quantidade de violação de direitos.
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