quinta-feira, 8 de julho de 2010

Reincidente, fazendeiro usou dívida de jogo para escravizar


Fiscalização constatou endividamento de trabalhadores com compra de comida e instrumentos de trabalhos. Jogatina promovida por aliciador descontava até R$ 600 de salários.

Por Rodrigo Rocha

Dez trabalhadores foram resgatados de uma fazenda de criação de gado em Santa Luzia (MA), em uma operação realizada em 17 de maio pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Além de submetidos a condições precárias de trabalho e alojamentos, os trabalhadores ainda contraíram dívidas com a compra de produtos na cantina da fazenda e pelo jogo de cartas organizado pelo aliciador.

Os resgatados eram empregados da Fazenda Nativa III, de propriedade de Antonio Barbosa de Carvalho, e trabalhavam principalmnete na limpeza dos pastos. Vindos de cidades próximas, o período de permanência na fazenda variava de um a três anos. Segundo o procurador do trabalho Rosivaldo da Cunha Oliveira, que acompanhou a operação, o proprietário chegou a retirar os trabalhadores da fazenda assim que soube que a fiscalização se aproximava da sua propriedade. Além de fazendeiro, Carvalho é proprietário de uma revenda de pneus em Santa Inês (MA), sendo conhecido na região pela alcunha de "Antonio dos Pneus".

Apesar da tentativa do proprietário de ocultar as provas da exploração dos trabalhadores, a fiscalização conseguiu apreender documentos como as anotações da cantina onde os empregadores adquiriam alimentos, e comprovantes de compra de equipamentos de proteção individual (EPI) e ferramentas de trabalho. Além de serem obrigados a pagar por equipamentos que deveriam ser fornecidos gratuitamente pelo empregador, os trabalhadores, segundo o procurador do trabalho, pagavam valores acima do mercado pelo alimento que adquiriam na cantina. "A alimentação fornecida (pelo fazendeiro) não era suficiente, então eles tinham que comprar na cantina."

A fiscalização também conseguiu encontrar o local onde os trabalhadores estavam alojados, há 6 km da sede da fazenda, num local bastante isolado, acessível apenas a pé ou no lombo de jegue. As condições de alojamento também eram extremamente precárias, e os trabalhadores não tinham acesso à água potável e banheiro. "Não se pode chamar aquilo de alojamento, era esconderijo mesmo. Eles estavam escondidos num local de difícil acesso, e com aquele tipo de trabalho, sem as mínimas condições de saúde e higiene, a situação era totalmente degradante", completa Rosivaldo.

Casebre abrigava os trabalhadores (Foto:MPT-RN)
Antonio dos Pneus afirmou à fiscalização que a situação já estaria sendo resolvida, mas, de acordo com o procurador, o valor proposto para o pagamento dos funcionários era bem inferior ao que eles tinham direito.

Os trabalhadores resgatados não tinham contato direto com o proprietário da fazenda, que era intermediada por um aliciador ( "gato"), que não foi localizado. Mas o que surpreendeu os fiscais foi o fato de que, além de se endividarem na compra de comida, EPIs e ferramentas de trabalho, os trabalhadores ficavam mais presos ao empregador devido ao jogo de azar promovido na fazenda. O "gato" controlava e bancava um jogo de cartas em que os trabalhadores chegavam a contrair dívidas de mais de R$600,00 em um único mês, descontadas diretamente dos salários dos empregados.

Reincidência
Não é a primeira vez que o nome de Antonio dos Pneus está envolvido em exploração de trabalho degradante. O fazendeiro foi flagrado com trabalhadores submetidos a situação análoga a de escravo em 2007, em outra propriedade sua, a Fazenda Canaã, no município de Bom Jardim (MA).

Ferramentas e armas para caça encontradas no
alojamento (Foto: MPT-RN)
Na ocasião, a fiscalização, que ocorreu em fevereiro daquele ano, libertou 32 pessoas. O fazendeiro chegou a assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC), comprometendo-se a regularizar a situação dos trabalhadores e a pagar, além dos salários e verbas rescisórias, multas de R$400,00 por dano moral a cada trabalhador. "Esse senhor, mesmo tendo ocorrências anteriores, me parece que não está dando a mínima atenção às leis do trabalho e à fiscalização do trabalho," completa o procurador.

Dessa forma, o MPT entendeu que apenas a assinatura de um TAC não seria suficiente e está entrando com uma ação civil pública demandando o empregador em juízo para que não repita aquelas condições de trabalho em suas fazendas, "assim como também que venha a reparar o dano social e o dano moral por conta desse tipo de prática". Na ação ainda consta o pedido de uma indenização de R$500 mil por danos morais. Os trabalhadores libertados tiveram seus contratos de trabalho rompidos e receberam cerca de R$50 mil em indenizações.

Trabalho irregular em TO
Na mesma operação foram flagrados na Fazenda Santa Maria, no município de São Miguel do Tocantins (TO), nove trabalhadores em situação irregular de trabalho, sem EPI e sem registro em Carteira de Trabalho. A fiscalização, contudo, fez um acordo com o fazendeiro para regularização da situação. Como alguns empregados estavam sem equipamento de proteção na aplicação de herbicidas nos pastos, o que poderia provocar danos a saúde, foi proposto ao proprietário o pagamento de indenizações por danos morais. Segundo o MPT, a quantia paga variou de três a seis salários mínimos.

Houve ainda a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta, onde o empregador se comprometeu a observar a legislação do trabalhista, fornecer EPI a todos os empregados, manter os registros e o pagamento dos salários em dia, e fazer o pagamento das diferenças salariais, cujo montante final chagou a mais de R$40 mil.

Notícias Relacionadas:
Empregados de fazenda consumiam água infestada de rãs no Maranhão
Fazenda com 30 mil cabeças de gado mantinha 28 escravos
Fiscalização liberta trabalhadores de propriedade no Acre

Prefeito e reincidente são envolvidos em casos de escravidão
Maranhenses viviam como escravos em fazenda de soja

Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1765

Nenhum comentário:

Postar um comentário