terça-feira, 22 de junho de 2010

Trabalhador vive em cativeiro por 14 anos


Por Leonardo Sakamoto

O que são 14 anos na vida de alguém? Uma filha ou filho crescendo e chegando ao ensino médio. Três Copas do Mundo e uma Copa América. Um financiamento de casa própria. Seu time na fila, sem ganhar um campeonato decente de futebol. Uma pessoa sem poder deixar o emprego.

É isso mesmo. Um trabalhador foi libertado de 14 anos de cativeiro pela Superintendência Regional do Trabalho em Goiás, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Encontrado morando em um barraco montado com restos de madeira, folhas de palmeira e lonas velhas, sem banheiro, com fogões improvisados para cozinhar, vivia na companhia de ratos, baratas e escorpiões. Ele foi aliciado para a extração de areia de rios próximos a Mineiros (GO), produção posteriormente vendida para a construção civil. Os responsáveis pelo serviço Abner Jesus Moreira e Abimael Jesus Moreira tiveram que pagar o montante devido e vão responder pelo crime. A maioria das dragas estavam irregulares do ponto de vista ambiental e foram interditadas.

As operações que resultaram na retirada do trabalhador, e que ocorreram nos últimos dois meses, resgataram outras 101 pessoas tanto na dragagem de areia quanto na colheita de milho no estado. Um dos casos envolveu a Du Pont do Brasil, que teve que pagar R$ 300 mil em dívidas trabalhistas e afirmou, em nota à jornalista Bianca Pyl, da Repórter Brasil, que trouxe a notícia a público, que irá analisar as multas e provar que não houve crime, uma vez que se pautaria pelo respeito “às leis, ao meio ambiente e à saúde, segurança e integridade de seus funcionários”.

Segundo Roberto Mendes, auditor fiscal que coordenou a fiscalização, a maioria dos trabalhadores foram aliciados no Piauí e Maranhão e trazidos por “gatos”, contratadores de mão-de-obra a serviço de empregadores, até Goiás.

A história assusta, mas não é a recordista em tempo de cativeiro. Em março de 2009, um trabalhador foi resgatado de 20 anos de trabalho forçado em uma fazenda de gado em Alegre, Espírito Santo. Eram obrigados a comprar alimentos do próprio empregador, o que os mantinha em situação de servidão por dívida. “Acredita-se que o principal motivo para que os trabalhadores se mantivessem na propriedade era o alcoolismo, fomentado pelo fornecimento de bebidas alcoólicas por parte do empregador”, afirmou na época o coordenador da ação, o auditor fiscal Afonso Celso Gonçalves.

Em 2003, participei de uma situação semelhante, quando acompanhei uma ação de libertação de trabalhadores na fazenda Ponta da Serra, no Pará. Lá foi encontrado Francisco Moreira. Pelos seus 19 anos como carpinteiro da fazenda sem direitos trabalhistas e com a audição comprometida por causa do serviço, recebeu R$ 40 mil, descontados os impostos. Aos 64 anos, já tinha passado da idade de se aposentar, mas tinha medo de parar de trabalhar por não ter a carteira de trabalho assinada.

Fonte: http://blogdosakamoto.com.br/2010/06/18/trabalhador-permanece-em-cativeiro-por-14-anos/

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