domingo, 13 de junho de 2010

Campeonato mundial: que vença um país sem fanáticos


(Sugestão: na leitura do artigo experimente substituir mentalmente a palavra "México" por "Portugal")
por Pedro Echeverría
[*]
"O Campeonato Mundial é um grande circo. Mas o povo precisa de pão". Qual será o estado de espírito após o Campeonato Mundial? É uma coisa estranha. Apesar de haver grande excitação acerca do Campeonato, experimentamos tremendas dificuldades. Não sou uma desmancha-prazeres, com certeza. O povo precisa de pão e circo, e isto é um grande circo. Deixem-no desfrutar. Mas e o pão? Será uma coisa boa para a África do Sul? É difícil avaliar qual será o benefício posterior. Tomem-se os estádios – será que realmente precisamos deles? E o que fazer com eles? O dinheiro que está a ser gasto podia proporcionar habitação para muitos que estão a viver em barracos.
1. O mundial de futebol ainda não se iniciou, mas a rádio e a TV não param, durante horas, a sua campanha de alienação para tentar embrutecer mais os fanáticos. Bastou um triunfo da selecção mexicana para que não pudéssemos ouvir outra coisa senão locutores enlouquecidos da Televisa, TV Azteca, Rádio Fórmula e outros media a gritarem que "como o México não há dois". A realidade é que como o México não há dois países mais miseráveis, mais desempregados, mais mal governados e com maiores deficiências em serviços de saúde, educação ou assistência social.
Não pude escutar Aristegui, nem nada mais. Quanto tempo tardará esse famoso campeonato mundial para deixar de ouvir o nacionalismo brutal, para deixar de ouvir as vozes triunfantes em rádios e televisões que só estão ao serviço do capital? Quanto tempo devo esperar para não observar o crescimento do fanatismo e da alienação do nosso povo?
2. Se tivesse deus pedir-lhe-ia com toda devoção que a equipe de futebol do México perdesse na primeira volta do campeonato mundial, porque do contrário já não poderei ouvir os noticiários que – apesar de deformados e manipulados – me põem ao par sobre algo do que acontece no país e no mundo. Durante um mês – não sei quanto dura – terei desligado esses media para não ter de suportar os locutores selvagens e comentários tontos.
Penso que uma vez afastado o México pareceria que o famoso mundial havia chegado ao fim, ainda que a rádio e a TV – como empresas comerciais gigantescas – não deixassem de nos lixar lançando bajulações ao brasileiros ou outra equipe que lhes proporcionasse lucros. Os governos e os empresários diriam que é preciso sermos "patriotas" para continuar a alienar o povo e assim continuar a oprimi-lo; a única coisa que sempre procuraram e conseguido é fazer a população mais tonta para melhor controlá-la.
3. Sempre aplaudi a perda da equipe mexicana para que os fanáticos se tornem mais críticos, se indignem ou pouco mais pela situação de pobreza, desemprego e miséria em que vive 70 por cento da população e para que comecem a ver e reconhecer que o México está lixado em todos os aspectos por culpa de um punhado de ricos que sempre dominaram o poder. Por que me enoja que a equipe mexicana ganhe? Porque os fanáticos – que são muitos – enlouquecem de alegria, gritam como louco "México, México" como se vivessem num país de justiça, de igualdade e felicidade esquecendo que são miseráveis e explorados e que a sua família apenas consegue comer. Os governos escondem-se quando a equipe perde, mas quando ganha passeiam-se entre as multidões, levantam a mão à equipe e – com o dinheiro do povo – presenteiam os jogados com casas e automóveis. Essa loucura e alienação é construída pelos media e pelo governo.
4. Aparentemente o futebol não é senão uma droga legal efectiva para manter submissa a população. O fanatismo futeboleiro provoca confrontos, destroços, mortos e assassinatos, mas os milhares de milhões de lucros empresariais e a alienação da população são muito superiores em valor para que a classe política continue a controlar a situação.
Faz-me recordar os escravocratas da Roma antiga que para manter controlados e entretidos os escravos ofereciam-lhes "pão e circo", ou seja, davam-lhes festas nos grandes circos ou estádios para verem e aplaudirem os leões a estriparem os cristãos (então rebeldes) ou como os mesmos escravos destroçavam-se lutando entre si.
Os escravos de agora possuem circos mais variados criados pela TV como novos heróis a partir de propaganda e publicidade intensas. Ídolos com pé de barros que com a publicidade são convertidos em heróis de multidões.
5. Será por acaso proibido que os fanáticos gozem momentos de alegria que também servem para fazer esquecer as suas penas? Não, obviamente não. Mas não têm porque festejar a sua escravidão e a sua submissão enquanto aqueles acima deles – os que oprimem e manipulam – gozam escarnecendo da sua estupidez e ignorância e aproveitando-se ela.
Quantos multimilionários surgiram por causa da opressão e alienação dos nossos povos? Quantos desses capitais milionários servem para armar exércitos e polícias, assim como para manter mais meios de informação a fim de dar continuidade ao sistema? A liberdade humana, que é libertação, nada tem a ver com "a liberdade" para submeter-se ao tirano, que é (ao mesmo tempo) a liberdade para regressar à escravidão. Que tal se submeter-se ao tirano provoca em muitos mais satisfações do que estarem a confrontar-se permanentemente para libertar-se?
6. Talvez em nenhum país do mundo os meios de informação sejam confrontados por negócio tão gigantesco, talvez tão pouco haja outro país no qual um futebolista tenha rendimentos mil ou duas mil vezes superiores ao de qualquer trabalhador. Confesso minha absoluta ignorância nesta matéria de futebol pois só sei que o salário mínimo de um trabalhador é apenas de quatro dólares por dia, ao passo que um alto político ou um futebolista levam muitos milhões de dólares ao bolso. De onde sai esse dinheiro que acumulam e espatifam?
De mais lugar nenhum senão da exploração do trabalho de milhões de mexicanos que por terem um salário adequado vivem na pobreza e na miséria, mal atendendo às suas famílias. Mas para isso servem os negócios da propaganda e da publicidade que mantêm de boca aberta o público da rádio e televisão. Para que estes, alienados, corram a consumir o que a publicidade lhes mete na cabeça.
7. O futebol deveria ser um desporto mais e os triunfos ou derrotas das equipes do país não deveriam causar enlouquecimentos de alegria ou tragédias. Mas no México o futebol é um enorme negócio, assim como o pão e o circo que oferecem aos fanáticos. Os meios de informação construíram o fanatismo para aproveitar-se dele. Por isso agradar-me-ia que no futebol triunfassem sempre países como a Suíça, Noruega, Dinamarca o qualquer nação onde não existissem o fanatismo brutal e os ricos não pudessem utilizá-lo como instrumento de opressão e submissão. Não sei o que sucede com este desporto/negócio no Brasil, Argentina ou Peru, não sei até que grau será utilizado – como aconteceu no México durante mais de 50 anos – para que as empresas acumulem capitais gigantescos e aproveitem-se para manter o público idiotizado enquanto o submetem. Poderá alterar-se algum dia essa realidade construída pelo capitalismo?
07/Junho/2010 O original encontra-se em

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