Por Ariovaldo Umbelino Oliveira
No seio dos movimentos sociais no campo brasileiro várias são as frentes de organização e luta contra a expropriação, subordinação e exploração. Estas várias frentes dão a impressão de uma pulverização desses movimentos. Embora às vezes fragmentado, o movimento social no campo caminha dando mostras de que cada dia está mais articulado.
A posição do Estado tem sido buscar a desarticulação dos movimentos. Quer pela ação repressiva, quer pela sumária ignorância dos acontecimentos, o Estado tem atuado de modo a tentar conter seus avanços.
Entretanto, a sociedade civil, na luta cotidiana, vem forjando organizações de apoio e resistência, cruciais para garantir aqui, no centro da sociedade nacional, um espaço de luta e/ou de apoio a esses movimentos.
No conjunto podemos identificar os seguintes movimentos no campo hoje: a luta das nações indfgenas, dos posseiros, dos peões, dos camponeses subordinados, dos desapropriados nas grandes obras do Estado, dos "brasiguaios", dos sem-terras, dos seringueiros, dos bóias-frias e da presença do "trabalho escravo" particularmente nas carvoarias.
Desta forma, o campo brasileiro vai, no seio das contradições do desenvolvimento capitalista no pafs, forjando sua unidade de luta na diversidade das suas origens. É pois este o caminho para a sua compreensão e entendimento: diverso e contraditório.
A distribuição territorial desses movimentos é também importante para sua compreensão. O Brasil, com sua dimensão continental, tem comportado essa diversidade de movimentos em partes diferentes de seu território. A localização, portanto, dos diferentes movimentos no território pode ser um caminho para montarmos um quadro geral e simultâneo deles. A geografia pode e deve contribuir para encaminhar esta questão.
A história da luta dos povos indígenas pela sua possibilidade de sobrevivência tem, no mínimo, a mesma idade da chamada história (oficial) do Brasil.
A formação do Brasil foi feita através da destruição de muitas nações indígenas. Os territórios libertos dos ''filhos do sol" foram transformados em território brasileiro para a expansão capitalista. Os territórios libertos dos "filhos do sol" foram transformados em reservas/ parques-prisões. Primeiro foi a tentativa da escravidão pelos bandeirantes-jagunços do sertão, depois o confinamento ou a morte sumária, pela violência ou pela ignorância. A sua história tem sido uma história de genocídios, ou etnocídios como preferem alguns.
É por isto que há a história dos povos indígenas...
É uma História triste.
É uma História de sofrimento.
É uma História de dominação.
É uma História
da qual todo mundo tem que ter vergonha.
É uma História
da qual o governo tem que ter vergonha.
É uma História
da qual as Missões têm que ter vergonha. Por isso,
é uma História que o branco sempre escondeu.
(CIMI) 1984:11)
Esconder a história da destruição das nações indígenas foi estratégia da nossa sociedade para enaltecer o avanço e a conquista capitalista do território índio.
A luta histórica, portanto, pela terra índia, confunde-se com a luta igualmente histórica pela sobrevivência índia. O poeta Pedro Tierra assim retratou esta história:
Tive terra
não tenho.
Tive casa
não tenho.
Tive pátria
venderam.
Tive filhos
estão mortos
ou dispersos.
Tive caminhos
foram fechados.
Esta história, de destruição e dominação, fez com que dos 5 milhões de índios restassem hoje pouco mais de 220 mil. Estes estão distribuídos por vários pontos do país, mas concentrados, de forma significativa, na Amazônia. O mapa 8 mostra essa distribuição.
A Amazônia é o último território índio do país. É sobretudo lá que os povos indígenas lutam para garanti-lo. A violência branca capitalista continua tentando arrancar destes povos o último pedaço de seus territórios livres.
Nas outras regiões do país a luta das nações indígenas "aprisionadas" em reservas é pela garantia de suas terras e pela recuperação da cultura índia destruída pelos valores ocidentais.
Do ponto de vista lingüístico pode-se dividir os povos indígenas em grandes troncos: Tupi, Jê, Aruak e outras famílias lingüísticas não classificadas. Do ponto de vista cultural entretanto, 18 são as grandes áreas de concentração nas nações indígenas, conforme o mapa abaixo.
Localização das Aldeias Indígenas e Agrupamentos Culturais
Fonte: CIMI/CEDI - Des.:Orita/87.
No noroeste da Amazônia estão os Tukano, os Baniwa e os Maku. Na área Roraima I, nas terras do lavrado encontramos os Ingarikó, Taurepang, Makuxi e Wapixana. Na área de Roraima II, nas terras das matas existem os Waiwai, Waimiri-Atroari e os Yanomami. Na área do Amapá e norte do Pará estão os Palikur, Galibi do Uaça, Karipuna e Waiãpi, além de tribos arredias rio alto Trombetas na divisa com Suriname e a Guiana. Na área do Solimões habitam os Ticuna, Miranha, Cambeba, Majoruna, Canamari, Cocama, Maku e outros arredios ainda não contatados. Na área do Javari encontramos os Marubo, Mayorúna, Matis, Quixito, Canamari e outros povos arredios. Na área do Jutaí/Juruá/Purus existem os Kulina, Katukima, Canamari, Tukano, Deni, Apurinã, Paumari, Marimã, Jamamadi, Juma, Catauixi e outras tribos arredias no município de Canutama. Na área do Tapajós/Madeira estão os Mura, Pirahã, Torá, Munduruku, Parintintim, Tenharim, Sateré-Mawé, Kajabi e também vários arredios. No sudeste do Pará habitam os Anambé, Assurini, Arawaté, Juruna, Gavião, Kayapó, Parakanã, Suruí, Tembé e os Xipaia/Kuruaya. No Maranhão encontramos os Guajajara, Urubu-Kaapor, Guajá, Tembé, Gavião, Krikati, Timbira, Canela Apaniekra e Canela Rankokamekra.
No nordeste brasileiro restam os Tremembé, Tapeba, Tokó, Potiguara, Truká, Atikum e Kariri-Xokó entre outras. No Acre estão os Machineri, Jaminauá, Kaxinauá, Kulina, Katuquina, lauanaua, Kampa, Poianauá, Nuquini, Yaminauá, Apurinã e Arara. Em Rondônia e no oeste do Mato Grosso habitam os Cinta-Larga, Suruí, Zoró, Gavião,Arara, Karitiana, Karipuna, Kaxarari, Uru-eu-wau-wau, Pakaa-Nova, Mequem, Urubu, e outras tribos arredias (em Rondônia), Salumã, Myky, Apiaká, Rikbaktsa, Iranxe, Kayabi, Pareci, Umutina e Nambiquara (no oeste de Mato Grosso). No Parque Indígena do Xingu vivem osAweti, Kalapalo, Kuikuro, Mehinaku, Matupi, Mahukwa, Yawalapiti, Kamayurá, Waurá, Trumai, Txikão, Suyá, Tapayuna, Kayabi, Juruna, Krenakare e Txukarramãe. Em Goiás e leste de Mato Grosso encontramos os Bakairi, Bororo, Xavante, Javaé, Karajá, Guarani, Tapirapé, Avá Canoeiro, Xerente, Krahô e Apinayé. Na área do leste brasileiro temos os Guarani, Krenack, Pataxó, Maxakali, Pataxó-Hã-Hã-Hãe, Tupiniquim e Xakriabá. Na área do Mato Grosso do Sul estão os Guarani, Kadiweu, Terena, Guató e Camba. E por fim no Sul do Brasil resistem os Xokleng, Terena, Kaingang e Guarani.
Hoje a luta desses povos indígenas pode ser dividida e agrupada em luta pela demarcação das terras; luta contra invasões e grilagens das terras demarcadas; luta contra a Funai que arrenda para particulares terras das reservas; e luta contra garimpeiros e empresas de mineração e madeireiras à procura dos recursos florestais e minerais das terras indígenas.
Entretanto, a primeira grande luta dos povos indígenas tem sido a luta pela demarcação de suas terras. Esta tem sido uma luta histórica, pois apesar dos povos indígenas serem os primeiros habitantes destas terras, seus territórios não foram respeitados, sendo invadidos e tomados.
A partir de 1934 as constituições brasileiras passaram a reconhecer o direito dos índios ao território. No entanto o seu não cumprimento tem sido uma constante. Programas governamentais de desenvolvimento, grandes obras (estradas e barragens), titulação de terras com certidões negativas (que dizem não existir índios nas terras) são emitidas pelos órgãos públicos e por particulares. Grileiros agem impunemente, procurando tomar terras indígenas. Em 1973 o então presidente Médici promulgou o Estatuto do índio, que previa um prazo de cinco anos para que o Estado brasileiro demarcasse todos os territórios indígenas. Entretanto, até 1986, menos de 10% das terras tinham sido homologadas, isto é, assinadas pela presidência da República e devidamente registradas em cartório, O mapa 9, referente às terras indígenas, revelava que no geral 60% dos territórios indígenas ainda não estão demarcados: 38% no Sul, 58% no Sudeste/Nordeste e 50% no Centro-Oeste e mais 75% no Norte do Brasil.
Para que esta luta pela demarcação das terras indígenas fosse ocorrendo, tiveram papel importante instituições de apoio à causa índia, dentre as quais destacam-se o CIMI - Conselho Indigenista Missionário - o CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação -, a Comissão Pró-Indio, ABA - Associação Brasileira de Antropologia -, a OPAN - Operação Anchieta - e a ANAI - Associação Nacional de Apoio ao Índio. Estas organizações não têm medido esforços no sentido de aglutinar frações da sociedade civil no sentido de pressionar o governo brasileiro para que, no mínimo, cumpra a lei com relação à questão indígena.
No entanto, o fato mais importante dos últimos tempos foi a organização da UNI - União das Nações Indígenas. Alcançada com dificuldade, pois os próprios índios estão divididos, a UNI tem procurado coordenar e representar os povos indígenas interna e externamente.
É importante frisar que os povos indígenas no mundo todo têm se reunido para tentar unificar seu movimento. Para isto foi fundamental a reunião do Conselho Mundial dos Povos Indígenas realizada em PortAlbemi em 1975, quando divulgaram a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. A partir daí, aumentaram as manifestações nacionais e internacionais em defesa da causa índia. Pode-se dizer que o ponto culminante foi a Declaração de princípios sancionada pela ONU - Organização das Nações Unidas em Genebra , em julho de 1985.
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
1. As nações e povos indígenas compartem com toda a humanidade o direito à vida, do mesmo modo que o direito a estar livres de toda opressão, discriminação e agressão.
2. Nenhum ESTADO exercerá jurisdição alguma sobre uma nação ou sobre o território destes, a não ser que se faça de total acordo com os desejos livremente exprimidos do referido povo ou nação.
3. As nações e povos indígenas têm direito a controlar e gozar permanentemente dos territórios ancestrais-históricos. Tudo isto incluindo o direito ao solo e ao subsolo, às águas interiores e litorâneas, aos recursos renováveis e não-renováveis e às economias baseadas nestes recursos. 4. Nenhum ESTADO negará a uma nação, comunidade ou povo indígena que resida dentro de suas fronteiras o direito a participar na vida do ESTADO, qualquer que seja o modo ou o grau em que o povo indígena possa escolher.
5. As nações e povos indígenas têm direito a receber educação e a negociar com os ESTADOS nas suas próprias línguas e de criar suas próprias instituições educativas.
6. Tratados e outros acordos livremente realizados com as nações ou povos indígenas serão reconhecidos e aplicados do mesmo modo e de acordo com as mesmas leis e princípios dos tratados com outros ESTADOS. (Organização das Nações Unidas – ONU Genebra, julho de 1985)
No processo de ampliação da luta e de organização dos povos indígenas no Brasil, um conjunto de direitos fundamentais tem que ser garantido pela sociedade brasileira. O respeito a estes direitos pode ser o início do resgate desta dívida social histórica para com as nações indígenas.
DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS
Este programa mínimo aponta para os direitos fundamentais dos povos indígenas, e foi elaborado pela UNI- União das Nações Indígenas
A garantia dos direitos territoriais e culturais próprios dos povos indígenas, bem como o acesso à plena participação na vida do país, são princípios básicos para que se possa construir uma sociedade democrática.
Primeiros ocupantes desta terra, os índios foram os primeiros destituídos dos seus direitos fundamentais. O resgate da dívida social no Brasil começa aqui:
1. RECONHECIMENTO DOS DIREITOS TERRITORIAIS dos povos indígenas como primeiros habitantes do Brasil. Os índios devem ter garantida a terra, que é o seu "habitat", isto é, o lugar onde vivem segundo sua cultura e onde viverão suas futuras gerações. Este direito deve ter primazia sobre outros, por ter origem na ocupação indígena, que é anterior à chegada dos europeus.
2. DEMARCAÇÃO E GARANTIA DAS TERRAS INDÍGENAS. Conforme a Lei n° 6.001/73, terminou em 21 de dezembro de 1978 o prazo para a demarcação de todas as terras indígenas. Hoje, apenas 1/3 das terras está demarcado. Contudo, só a demarcação não basta: é preciso que as terras, uma vez demarcadas, sejam efetivamente garantidas, para evitar as invasões constantes que até hoje ocorrem.
3. USUFRUTO EXCLUSIVO, PELOS POVOS INDIGENAS, das riquezas naturais existentes no solo e subsolo dos seus territórios. De nada vale a demarcação e garantia de suas terras, se os índios não puderem decidir livremente como usar as riquezas do solo e subsolo de seus territórios. Eles têm o direito, como povos diferenciados, de escolher como empregar estas riquezas. O progresso do Brasil se fez às custas da destruição dos índios e da invasão de suas terras. Agora, deve-se respeitar os povos que resistiram, assegurando-lhes condições para uma vida digna e para a livre construção do seu futuro.
4. REASSENTAMENTO, EM CONDIÇÕES DIGNAS E JUSTAS, DOS POSSEIROS pobres que se encontram em terras indígenas. Os índios não desejam resolver seus problemas às custas dos trabalhadores rurais pobres, que foram empurrados para as terras indígenas. Por isso, reivindicam que os posseiros pobres tenham garantido o reassentamento em condições que não os desamparem ou os obriguem a invadir novamente territórios indígenas.
5. RECONHECIMENTO E RESPEITO ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS dos povos indígenas com seus projetos de futuro, além das garantias da plena cidadania.
O Brasil é um país pluriétnico, isto é, um país que tem a sorte de abrigar, entre outros, 170 povos indígenas diferentes. Esta riqueza cultural precisa ser garantida em beneficio das gerações futuras de índios e não-índios. Para isso devemos reconhecer as organizações sociais e culturais indígenas, assegurando-lhes a legitimidade para defenderem seus direitos e interesses e garantindo-lhes a plena participação na vida do País Como podemos verificar, a luta dos povos indígenas não é e não pode ser apenas a luta desses povos, mas a luta da sociedade brasileira em geral. Isto porque o tempo passa e o governo não assume o compromisso constitucional de concluir a regularização das terras dos povos indígenas.
A melhor prova de que há desrespeito por parte do Estado em relação à essa questão está expressa nos dados da tabela 4: a década de noventa continua conhecendo o comportamento irredutível do governo na regularização das terras indígenas, e mais da metade dessas terras estão apenas identificadas, isto para não falar da existência de mais de 30 áreas ainda não identificadas.
Por mais incrível que possa parecer, tem sido a comunidade financeira internacional (Banco Mundial por exemplo), que tem imposto ao governo brasileiro a obrigatoriedade da demarcação das terras indígenas, como cláusula contratual para liberação de empréstimos financeiros. Essa imposição por parte de organizações internacionais decorre do fato de que as entidades de defesa dos povos indígenas têm denunciado a utilização das terras indígenas para outros fins.
Assim, de um total de 214 áreas indígenas temos, no Brasil, 30% com presença de garimpos, 70% atingidas por pedidos de exploração mineral, 40% com presença de projetos de hidrelétricas e 50% afetadas por projetos ou construção de estradas.
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