Escorregamentos e enchentes seguem matando. E daí?
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.
Por Álvaro Rodrigues dos Santos(*)
A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.
Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.
A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas.
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.
Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.
Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.
Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.
Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).
O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos.
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.
Por Álvaro Rodrigues dos Santos(*)
A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.
Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.
A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas.
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.
Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.
Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.
Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.
Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).
O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos.
Nesse cenário, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos.
Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda. [...]
Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda. [...]
* É geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia da mesma entidade; autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos" e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. Artigo publicado originalmente no portal Ambiente Brasil
Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15412
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