Blog Passa Palavra
Mais um verão chegou e velhas enchentes voltaram. As catástrofes pouco têm de natural, mas muito da lógica do capital.
Mais um verão chegou e velhas enchentes voltaram.
Mais um verão chegou e velhas enchentes voltaram.
Há quase um ano o Brasil acompanhou atento e solidariamente a destruição de Santa Catarina pelas águas. Na terça-feira, 08/12/09, São Paulo literalmente parou, estava intrafegável pelos transbordamentos dos rios Tietê e Pinheiros, somando 100 km de congestionamentos e 7 mortes. E agora no Início do ano de 2010 novamente a tragédia se repete. (São Paulo, Rio de Janieiro, São Luiz de Paraitinga... (grifo meu)*
As catástrofes pouco têm de natural, mas muito da lógica do capital. O modelo de desenvolvimento implementado, ao ter por único norte o lucro de qualquer forma possível, tira proveito das destruições do planeta, seja como desgraça ou nas conseqüências delas.
Por um lado, temos as autoridades governamentais que buscam se isentarem de suas responsabilidades ao culparem a natureza pelas tragédias, escondendo assim uma série de (não) políticas públicas que permitiram tal ocorrência. Evita-se uma discussão séria sobre os motivos – através do argumento de “não politizar a situação”, liberando a gestão pública e os interesses empresariais de responsabilidades. As catástrofes aparecem quase como um castigo divino, que nada têm a ver com o modelo de desenvolvimento aplicado e que se continua a aplicar.
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, culpou a natureza, que fez chover mais do que deveria, tal qual o governador José Serra, que em setembro também culpou a natureza. Como eles não têm força para mandar prendê-la, as tragédias se repetem. Nada a ver com a tentativa de cortes na varrição de lixo, com o alargamento das pistas da Marginal, que colocou abaixo 18,9 hectares de área permeável (equivalente a 19 campos de futebol), ou com o fato de não ter sido gasto nenhum centavo dos R$ 87.325 milhões orçados para a conservação e manutenção de canais e galerias, que auxiliam no escoamento das águas das chuvas, nem tampouco o orçamento reservado para áreas de risco geológico ser quase dez vezes menor que os gastos com publicidade, como denunciou a Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/).
Por outro lado, tentando uma análise mais abrangente, culpa-se o ser humano pelas mudanças climáticas. Enxerga-se assim a sombra do problema, mas não a sua face. Há que se politizar o sucedido, pois por trás de tudo existe uma série de políticas públicas que têm permitido, em paralelo às causas naturais, a situação que hoje se vive e que se repete como num círculo infernal a cada verão.
O que poderia ser evitável segue se repetindo, sacralizado acima do poder humano e da política, essa transmutação impede que se percebam suas causas reais.
Os responsáveis por esses crimes contra a natureza e a humanidade não serão encontrados na explicação da moda, da “mudança climática”, ou pela nova-velha teoria de cima, elaborada pelos “especialistas acadêmicos” e comprada no supermercado das idéias pré-fabricadas, que culpam as vítimas pela sua desgraça. “Lixo nas ruas”, “Ocupação irregular do solo” nos dizem eles, mostrando a superfície e não a raiz do problema, como se o direito à habitação não fosse uma questão de políticas e responsabilidade públicas.
A mão do capital acompanha as destruições da natureza, via desflorestamento, esgotamento dos solos, contaminação, desequilíbrio ecológico, poluentes atmosféricos, especulação imobiliária, segregação social.
Entretanto, o capitalismo, enquanto sistema, não é antagônico à proteção ambiental. Ele pode apropriar-se do discurso e prática ecológica como justificativa de novos negócios e, portanto, como mecanismo de sua reprodução, isto é, de acúmulo de lucro e multiplicação de explorações e desigualdades. Em que pese este fato, o aumento do consumo nos atuais padrões energéticos e a sombra da crise financeira pode influenciar o quadro geopolítico e econômico mundial, acirrando nacionalismos e conflitos, inclusive armados.
Como nos mostra Naomi Klein [1], os acontecimentos catastróficos são combinados com ataques à esfera pública e se transformam em estimulantes oportunidades de mercado, de um “capitalismo de desastre”, no qual políticos e empresários aproveitam os momentos de trauma coletivo e implementam uma engenharia social e econômica radical e duradoura. O processo de “reconstrução” significa concluir a obra de desastre original (seja natural ou provocada, sejam enchentes ou bombas), eliminando as comunidades ali enraizadas ou qualquer outro “empecilho” para substitui-los pelos novos projetos empresariais. Os exemplos são gritantes, dos “choques de ordem” no Rio de Janeiro às desapropriações para a construção de Parques Lineares em São Paulo.
E a população pobre, se não efetivar saídas coletivas e autônomas, se não se mobilizar para uma mudança substancial neste quadro e, ao invés disso, continuar a entregar sua vida aos gestores e políticos, deverá ser obrigada a, mais uma vez, reiniciar sua jornada do zero. Tal qual Sísifo, a subir os morros e encostas, para no próximo verão rezar para que todo seu trabalho (suas casas, seus bens, suas vidas) não role morro abaixo. Nova Orleans, Tabasco, La Paz, Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, Sudeste Asiático… Mudam-se as localidades, os nomes das cidades e os países, mas as causas das “tragédias naturais do capital” continuam as mesmas. Passa Palavra
[1] Naomi Klein. A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre.
* Este arquivo foi republicado com os acréssimos em azul.
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