quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Poder e medo


“Ser radical é tomar as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem”. Karl Marx – Crítica da filosofia do direito de Hegel.

Por Ari de Oliveira Zenha

Podemos inserir o medo como uma categoria “econômico-ideológica” na sociedade capitalista.
Dizer que o medo é uma categoria econômica- sem aspas -, seria talvez uma blasfêmia contra o pensamento marxista. Mas, no nosso entendimento, o medo como condição econômica nos remete à superestrutura em que se apóia e se dissemina a doutrina e o fortalecimento do capitalismo. O medo é decisivo para a formação e consolidação histórica do capital. Sem ele (o medo) a burguesia jamais conseguiria não só impor-se como classe hegemônica, como sua estrutura econômica arquitetada e fundada na exploração, na propriedade privada dos meios de produção e no seu arcabouço ideológico, não lograria sustentar-se como modo de produção e erguer suas estruturas e sua superestrutura. Logo dizer, entre aspas, que o medo é uma categoria “econômica – ideológica” é apresentar as relações econômicas, sociais e políticas do capitalismo como prova do seu “dinamismo” que sempre se enraizou não só em profundas desigualdades e exploração, mas também e ai está o “grande” argumento, na dissipação do medo, pois este dá sustentabilidade à base econômica – alicersando-a – como espraia seus fundamentos através da superestrutura. Poderíamos comparar o medo à categoria que Marx utiliza para tratar do Valor como trabalho abstrato. O medo é uma categoria virtual, abstrata, impalpável, mas que transvaza toda a dinâmica do capitalismo dando-lhe sustentação e movimento. O medo na sociedade de classes permea todos os seguimentos não só institucionais, como faz parte intrínseca das relações sociais da sociedade civil. A prática do poder está associada permanentemente à instauração do medo como forma de institucionalizar este – medo – na forma psíquica, ética, moral, coação, coerção, dando legitimidade às classes dominantes, de sua dominação inseparável do exercício do poder. Historicamente na sociedade capitalista a dominação se dá fundamentalmente através do medo e da violência a ela associada. Esta condição vem conectada à dominação instituída legal, jurídica, econômica, social e cultural onde através do Estado emana as Leis e o Direito que funcionam como um aparelho institucional das classes dominantes sendo, dentre várias, uma forma de instituir sua dominação, funcionando como uma atividade constitucionalmente estabelecida e democraticamente promulgada pelos órgãos do poder político: o executivo, o legislativo e o judiciário. Estes estão a serviço da exploração em todos os níveis em que ela se apresenta na sociedade civil, é a hegemonia da classe dominante imperando sobre a sociedade articulando esta – dominação – entre direito a propriedade privada dos meios sociais de produção, tendo como um dos vários fins a apropriação privada do saber, do conhecimento e da razão como mecanismos peseudodemocráticos onde os pensamentos difundidos pelos meios de comunicação, de informação atuam como verdadeiras “máquinas” de subjugação, difusão, inculcação, propaganda e intimidação social, econômica e política do capitalismo. Marilena Chauí faz a seguinte colocação: (...) “Sabemos que um dos pontos mais importantes da discussão de Marx sobre a sociedade moderna encontra-se na questão sobre o poder. Marx indaga: como se dá a passagem da relação pessoal de dominação (existente na família sob a vontade do pai e na comunidade sob a vontade do chefe) à dominação impessoal por meio do Estado e, portanto, por meio da lei e do Direito? como se explica que a relação social de exploração econômica se apresenta como relação política de dominação legal, jurídica e impessoal? como se explica que vivamos em sociedades nas quais as desigualdades econômicas, sociais, culturais e as injustiças políticas não se apresentam como desigualdades nem injustiças porque a lei e o Estado de Direito afirmam que todos são livres e iguais? como explicar que as desigualdades, a exploração e a opressão, que definem as relações sociais no plano da sociedade civil, não apareçam dessa maneira nas relações políticas definidas a partir do Estado pela lei e o Direito? como explicar que o Direito produza a injustiça? como explicar que o Estado funcione como aparato policial repressivo, cause medo, em vez de nos livrar do medo?” Chauí completa através do pensamento de Karl Marx: (...) “Uma das respostas de Marx às suas próprias perguntas é bastante conhecida: a sociedade capitalista, constituída pela divisão interna de classes e pela luta entre elas, requer para seu funcionamento, a fim de recompor-se como sociedade, aparecer como indivisa, embora seja inteiramente dividida. A divisão é proposta de duas maneiras. O primeiro ocultamento da divisão de classes se dá no interior da sociedade civil (isto é, dos interesses dos proprietários privados dos meios sociais de produção) pela afirmação de que há indivíduos e não classes sociais, de que esses indivíduos são livres e iguais, relacionando-se por meio de contratos (pois só pode haver contrato legalmente válido quando as partes contratantes são livres e iguais); assim, a sociedade civil, isto é, o mercado capitalista, aparece como uma rede ou uma teia de diferenças de interesses entre indivíduos privados, unificados por contrato. O segundo ocultamento da divisão de classes se faz pelo Estado, que, por meio da lei e do Direito positivo, está encarregado de garantir as relações jurídicas que regem a sociedade civil, oferecendo-se como pólo de universalidade, generalidade e comunidades imaginárias”. Marx constata que o Estado de Direito é uma abstração, pois a igualdade e a liberdade postuladas pela sociedade civil e promulgadas pelo Estado não existem. A legalidade associada à ordem estabelecida dentro da sociedade capitalista necessita, portanto que uma “máquina” repressora e violenta esteja em pleno funcionamento e, mais, que ela seja aceita como uma coisa natural, imutável e inerente ao conviver em sociedade. O exercício do poder que vem associado ao medo é uma relação de dominação, articulando Estado de Direito com aparência democrática, as mais poderosas formas tecnológicas, as mais eficientes “máquinas” de subjugação social forçando a sociedade, em todos os seus níveis, a aceitá-las. Diante deste entendimento se esvaziam os direitos políticos dos cidadãos e dissemina a despolitização das sociedades. Intimidação social, violência, apropriação dos meios de produção pelas classes dominantes, a aparência de democracia, a censura, clara ou subliminar são formas que os meios de comunicação utilizam não só para o domínio burguês, como para alicerçar a ideologia da sociedade de classes. A hipocrisia dos meios de comunicação a serviço das classes dominantes, realiza uma verdadeira disseminação de forma ampla, no intuito de petrificar no viver da sociedade civil, concebendo o estilo e a visão de mundo da classe burguesa como a única possível. Ari de Oliveira Zenha é economista Fonte: Revista Caros Amigos

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