terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Levante no Egito, lições para o México

A revolta no Egito tem algumas semelhanças com o que acontece no México. No Egito também houve uma fachada de democracia, com seus partidos e eleições manipuladas para resultar sempre nos resultados desejados pelo poder. A pobreza é generalizada e as expectativas para os jovens foram se deteriorando a cada ano. As oportunidades de emprego são desprezíveis, as expectativas de educação quase nulas eos serviços públicos cada vez mais deficientes. A revolta popular no Egito ensina o que pode ser o caminho de um processo similar no México. O artigo é de Alejandro Nadal.

O levante popular no Egito tem sido apresentado na imprensa internacional como algo surpreendente. O certo é que a revolta é a culminação de um processo há muito tempo em gestação. É importante analisá-lo por suas semelhanças e diferenças em relação ao que acontece no México. No Egito também houve uma fachada de democracia, com seus partidos e eleições manipuladas para resultar sempre nos resultados desejados pelo poder. A pobreza é generalizada e as expectativas para os jovens foram se deteriorando a cada ano. As oportunidades de emprego são desprezíveis, as expectativas de educação quase nulas. Os serviços públicos cada vez mais deficientes enquanto a repressão do regime crescia contra a luta obreira.

Em Davos também se falou do levante no Egito. Mas só para insistir em que o regime de Mubarak fracassou porque não empreendeu a abertura financeira e comercial nem realizou as privatizações indispensáveis para que o setor privado pudesse desenvolver sua atividade. Em meio à pior crise financeira e econômica em 70 anos, afirmar que o neoliberalismo é a receita para o desenvolvimento é absurdo. Mas precisamente por estar na defensiva, o aparato de propaganda neoliberal está mais ativo do que nunca.

A revolta no Egito tem um vínculo estreito com a economia. Mas não como afirma a imprensa internacional de negócios. A pobreza, o desemprego, a desigualdade crescente e a deterioração inexorável dos serviços públicos desfiguraram a sociedade egípcia. Hoje, as pessoas exigem uma mudança, mas a luta não começou na semana passada.

Desde 2006, as greves na indústria se multiplicaram. A resistência operária cresceu no setor têxtil e se estendeu para outros ramos das manufaturas do setor privado e público. Em muitos casos houve ocupações de fábricas, como no caso das indústrias têxteis em Mahalla al/Kubra no delta do Nilo. A onda de paralisações e greves atingiu as ferrovias, a construção, a indústria alimentícia e alguns serviços públicos como a coleta de lixo. A repressão seguiu essa onda como uma sombra.

Em 2007 outra grande greve têxtil eclodiu em Kafr el/Dawar. Mais de 10 mil trabalhadores participaram de uma mobilização sem precedentes nas grandes resistências operárias neste país. As reivindicações, assim como ocorreu em outros casos, estavam relacionadas aos baixos salários e às condições gerais de trabalho (incluindo as longas jornadas de trabalho).

Entre 2006 e 2010 o número total de greves, tanto no setor público como no privado, ultrapassou o milhar. E, em muitos casos, as mulheres foram as que dirigiram o movimento já que uma boa parte da força de trabalho é feminina. Isso também explica por que em numerosas ocasiões a população em geral participou ativamente das mobilizações, apoiando as greves. O movimento da Irmandade Muçulmana vem desempenhando um papel fundamental há décadas e seus vínculos com os movimentos sindicais tem sido um fator chave em todos esses anos.

A fachada de democracia que Mubarak manteve durante quatro décadas não muda as coisas. A repressão tem sido selvagem, mas a população vem sabendo resistir e inventou formas alternativas de luta. Isso inclui o uso de meios como a Internet para estabelecer novas modalidades de mobilização.

Há uma semana dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o regime. As manifestações foram crescendo e nos últimos dias já eram centenas de milhares participando da luta. O protesto não é somente para exigir a renúncia de um ditador. A oposição a Mubarak não se contentará com sua substituição por Omar Suleiman, o flamante vice-presidente e contato chave de Washington (especialmente da CIA) no Cairo. O que fez com que centenas de milhares de pessoas saíssem de sua rotina diária para reclamar mudanças profundas é algo mais complicado que o desprezo a Mubarak. E certamente não é a aspiração de substituir seu odiado regime por uma versão egípcia do neoliberalismo.

A revolta popular no Egito ensina o que pode ser o caminho de um processo similar no México. Não é preciso um exército nem dez anos de preparação para a luta armada. A população está farta e sabe que não é escutada. Também está há anos lutando e resistindo no campo e nas cidades. Amanhã poderia sair às ruas e praças com qualquer detonador.
Poderia passar de reivindicações gerais sem forma muito definida para uma rápida tomada de consciência de seu poder. Essa descoberta a levaria a deslumbrar que o desmantelamento deste regime estúpido, déspota e corrupto não é uma quimera. As demandas serão por uma transformação profunda, não só uma mudança do governo atual ou do futuro. Basta de fachada de democracia, de partidos apodrecidos e repressão contra as lutas populares e o movimento obreiro. Seu projeto imediato será deter a lenta desintegração que o México sofre hoje. Em seu horizonte estará a construção de um novo país sobre as ruínas das ilusões dos grupos privilegiados.

(*) Alejandro Nadal é colunista do La Jornada e membro do Conselho
Editorial de Sin Permiso.


Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Agencia Carta Maior

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