A “aparência de governo do povo (...) dificulta o posicionamento dos movimentos sociais”. A opinião é do sociólogo Ivo Lesbaupin e foi expressa na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Na avaliação dele, “o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo”.
Para Lesbaupin, os movimentos sociais tiveram sua força reduzida pelo governo. Entretanto, ele percebe uma mobilização autônoma na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos pastorais e entidades da sociedade. “Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (‘O Brasil que queremos’). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos”.
Na entrevista que segue, Lesbaupin comentou que o resultado das eleições presidenciais deste ano pode trazer vantagens para os movimentos sociais pelo simples fato de Lula não estar entre os candidatos. Isso garantirá “uma postura mais crítica” e “independente” por parte dos movimentos sociais.
Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É, também, autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja, movimentos populares, política no Brasil (São Paulo: Loyola, 1983); As classes populares e os direitos humanos (Petrópolis: Vozes, 1984); Igreja: Comunidade e Massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999). Confira a entrevista.
IHU On-Line - É possível traçar um perfil dos movimentos sociais no Brasil? Que mudanças caracterizam os movimentos sociais hoje?
Ivo Lesbaupin - Penso que, grosso modo, se pode dizer que os anos 80 foram um período de ascensão dos movimentos populares, a partir da mobilização que já ocorre na segunda metade dos anos 70. Temos aí os movimentos urbanos, que cresceram e se tornaram muito fortes, com importantes consequências nas políticas urbanas. O final dos anos 70 é a retomada do movimento operário, silenciado durante dez anos da ditadura (1968-1978): as greves do ABC, da Grande São Paulo, são o detonador deste processo. Os anos 80 verão o crescimento deste movimento reivindicatório que é, ao mesmo tempo, contra a ditadura, pela redemocratização do país. O fim da ditadura é decretado pelo movimento das “Diretas Já”, auge de toda esta mobilização. Nos anos 80, temos também o surgimento da CUT, do MST, mais ao final, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
Os anos 90, marcado pelas políticas neoliberais, vão provocar uma reviravolta neste cenário. As mudanças no mundo do trabalho vão gerar um enorme desemprego, que vai atingir seriamente o movimento operário. A mídia, unânime, vai se colocar ao lado das reformas neoliberais. Logo no primeiro ano do governo FHC (1995), uma das categorias mais importantes, os petroleiros, vai ser derrotada depois de um mês de greve. É o tempo das privatizações, do “Estado mínimo”, do esforço para revogar a “Era Vargas”. Apesar de criminalizado e perseguido, o movimento que mais vai crescer será o MST. Após os massacres de Corumbiara (1995) e de Eldorado de Carajás (1996), obterá forte apoio, inclusive no meio urbano. A reforma agrária volta a ser um tema importante de debate no país.
Durante o período FHC (1995-2002), embora o movimento operário e sindical tenha dificuldades, embora a mídia contribua para um certo consenso neoliberal, a CUTconsegue marcar presença forte na oposição. O MST consegue crescer bastante neste período, em termos de ações e de organização.
IHU On-Line - Como avalia o engajamento político dos movimentos sociais na atual conjuntura? Quais suas dificuldades e limites na relação com o Estado?
Ivo Lesbaupin - Nos últimos anos do governo FHC, a oposição, liderada pelo PT, apoiada pelos movimentos sociais, e a evidente piora das condições de vida e de trabalho (desemprego), possibilitou a vitória do candidato Lula (2002), até então líder das críticas às políticas vigentes. Os movimentos o apoiaram em peso, por uma outra política econômica, pela reivindicação da reforma agrária, por melhores salários, em defesa do funcionalismo, pela demarcação das terras indígenas.
O essencial das mudanças prometidas não veio: a herança maldita foi assumida pelo governo Lula como a única política econômica possível. No entanto, o governo começou a fazer pequenas mudanças, não no essencial, mas em outros aspectos. O governo, com forte apoio mediático nos primeiros tempos, a favor da reforma da previdência, os movimentos sociais ficaram confusos: parte de seus membros criticava a não realização das promessas eleitorais, parte defendia o governo. O esforço de cooptação, especialmente do movimento sindical, teve efeitos. A CUT, pelo menos a maioria de sua direção, alinhou-se com o governo.
As medidas tomadas pelo governo conseguiram reverter o quadro de forte desemprego (as taxas ainda são altas, mas estão caindo), houve aumento real de salário-mínimo, houve investimento na política assistencial. E o discurso do governo, que procura se apresentar como “de esquerda” frente à direita (PSDB, governo FHC) e acentuar o risco de volta da “direita”, calou fundo em muitos movimentos.
O governo se apresenta em relação aos movimentos sociais como um governo de diálogo, que recebe suas lideranças como um governo participativo, aberto às conferências. Sem dúvida, há muito mais conferências neste governo do que no anterior, mas da participação à decisão política há uma grande distância, e o governo cede apenas o que quer. Nem com a crise econômica internacional, consequência direta do neoliberalismo dominante, o governo se dispôs a mudar a política econômica: isto não está em discussão. O exemplo mais recente é o PNDH III que, sob pressão dos setores mais conservadores, tem obtido (até agora, pelo menos) o recuo do governo: em função de suas alianças partidárias para manter o poder, ele não vai brigar para manter os avanços mais significativos.
Na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais. Melhor que qualquer outro líder da direita, Lula conseguiu controlar parte dos movimentos sociais. Não os controla totalmente, é claro, mas reduziu sua força, sobretudo reduziu sua autonomia.
Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos.
IHU On-Line - O ideário comunitário que deu origem à Comissão Pastoral da Terra e que, por sua vez, motivou a formação de diversos movimentos sociais no país, ainda é suficiente e se sustenta nos dias de hoje?
Ivo Lesbaupin - Não creio que se possa dizer que a origem da CPT ou do trabalho pastoral da Igreja nos anos 60 era um ideário comunitário. Houve, sem dúvida, um grande esforço por parte dos setores progressistas da Igreja católica, na direção da formação de inúmeras comunidades de base por todo o país. Mas as comunidades não são um movimento social, elas são uma forma de organização da Igreja, que continua até hoje (mesmo que reconheçamos que os tempos mudaram, que o apoio da instituição era maior). As comunidades deram nascimento ou apoiaram fortemente inúmeros movimentos sociais, tanto na cidade como no campo. Toda a luta das oposições sindicais contra o peleguismo teve muito apoio das comunidades. Até hoje, em parte significativa das comunidades, seus membros participam de movimentos. Mas o objetivo desta luta não é uma sociedade constituída de comunidades: é uma sociedade justa, democrática, participativa, solidária (o “outro mundo possível”). No decorrer dos anos 80 e 90, parte significativa dos militantes provenientes de Comunidades Eclesiais de Base - CEBs se engajaram em partidos políticos (sobretudo no PT), foram atuar na arena pública, alguns foram eleitos. Na época da Constituinte, foram participantes ativos da campanha pelas emendas populares. Recentemente, envolveram-se na campanha contra a corrupção (Lei 9.840); nos vários plebiscitos populares (contra a Dívida, contra a Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, pela reestatização da Vale); agora, estão envolvidos na campanha pela Ficha Limpa. Não sem razão, parte dos setores sociais envolvidos na construção da Assembleia Popular vem de setores da Igreja, das pastorais sociais, do Grito dos Excluídos. A Assembleia Popular elaborou um projeto de sociedade, “O Brasil que queremos”, politicamente democrático, economicamente justo, ambientalmente sustentável.
Voltando ao novo contexto gerado pelo governo Lula, podemos observar, no interior dos setores da Igreja mais envolvidos com a organização e a mobilização popular, a mesma confusão e a mesma divisão frente ao governo de que falei com relação aos movimentos sociais.
IHU On-Line - As conquistas dos movimentos sociais inscritas na Constituição contribuíram para o fortalecimento dos movimentos ou os deixaram “presos” à agenda institucional? Como avaliar, por exemplo, o saldo das Conferências Nacionais temáticas e dos Conselhos espalhados pelo país? Os movimentos sociais sempre lutaram pela chamada democracia direta e participativa. Houve ganhos nesse sentido?
Para Lesbaupin, os movimentos sociais tiveram sua força reduzida pelo governo. Entretanto, ele percebe uma mobilização autônoma na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos pastorais e entidades da sociedade. “Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (‘O Brasil que queremos’). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos”.
Na entrevista que segue, Lesbaupin comentou que o resultado das eleições presidenciais deste ano pode trazer vantagens para os movimentos sociais pelo simples fato de Lula não estar entre os candidatos. Isso garantirá “uma postura mais crítica” e “independente” por parte dos movimentos sociais.
Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É, também, autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja, movimentos populares, política no Brasil (São Paulo: Loyola, 1983); As classes populares e os direitos humanos (Petrópolis: Vozes, 1984); Igreja: Comunidade e Massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999). Confira a entrevista.
IHU On-Line - É possível traçar um perfil dos movimentos sociais no Brasil? Que mudanças caracterizam os movimentos sociais hoje?
Ivo Lesbaupin - Penso que, grosso modo, se pode dizer que os anos 80 foram um período de ascensão dos movimentos populares, a partir da mobilização que já ocorre na segunda metade dos anos 70. Temos aí os movimentos urbanos, que cresceram e se tornaram muito fortes, com importantes consequências nas políticas urbanas. O final dos anos 70 é a retomada do movimento operário, silenciado durante dez anos da ditadura (1968-1978): as greves do ABC, da Grande São Paulo, são o detonador deste processo. Os anos 80 verão o crescimento deste movimento reivindicatório que é, ao mesmo tempo, contra a ditadura, pela redemocratização do país. O fim da ditadura é decretado pelo movimento das “Diretas Já”, auge de toda esta mobilização. Nos anos 80, temos também o surgimento da CUT, do MST, mais ao final, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
Os anos 90, marcado pelas políticas neoliberais, vão provocar uma reviravolta neste cenário. As mudanças no mundo do trabalho vão gerar um enorme desemprego, que vai atingir seriamente o movimento operário. A mídia, unânime, vai se colocar ao lado das reformas neoliberais. Logo no primeiro ano do governo FHC (1995), uma das categorias mais importantes, os petroleiros, vai ser derrotada depois de um mês de greve. É o tempo das privatizações, do “Estado mínimo”, do esforço para revogar a “Era Vargas”. Apesar de criminalizado e perseguido, o movimento que mais vai crescer será o MST. Após os massacres de Corumbiara (1995) e de Eldorado de Carajás (1996), obterá forte apoio, inclusive no meio urbano. A reforma agrária volta a ser um tema importante de debate no país.
Durante o período FHC (1995-2002), embora o movimento operário e sindical tenha dificuldades, embora a mídia contribua para um certo consenso neoliberal, a CUTconsegue marcar presença forte na oposição. O MST consegue crescer bastante neste período, em termos de ações e de organização.
IHU On-Line - Como avalia o engajamento político dos movimentos sociais na atual conjuntura? Quais suas dificuldades e limites na relação com o Estado?
Ivo Lesbaupin - Nos últimos anos do governo FHC, a oposição, liderada pelo PT, apoiada pelos movimentos sociais, e a evidente piora das condições de vida e de trabalho (desemprego), possibilitou a vitória do candidato Lula (2002), até então líder das críticas às políticas vigentes. Os movimentos o apoiaram em peso, por uma outra política econômica, pela reivindicação da reforma agrária, por melhores salários, em defesa do funcionalismo, pela demarcação das terras indígenas.
O essencial das mudanças prometidas não veio: a herança maldita foi assumida pelo governo Lula como a única política econômica possível. No entanto, o governo começou a fazer pequenas mudanças, não no essencial, mas em outros aspectos. O governo, com forte apoio mediático nos primeiros tempos, a favor da reforma da previdência, os movimentos sociais ficaram confusos: parte de seus membros criticava a não realização das promessas eleitorais, parte defendia o governo. O esforço de cooptação, especialmente do movimento sindical, teve efeitos. A CUT, pelo menos a maioria de sua direção, alinhou-se com o governo.
As medidas tomadas pelo governo conseguiram reverter o quadro de forte desemprego (as taxas ainda são altas, mas estão caindo), houve aumento real de salário-mínimo, houve investimento na política assistencial. E o discurso do governo, que procura se apresentar como “de esquerda” frente à direita (PSDB, governo FHC) e acentuar o risco de volta da “direita”, calou fundo em muitos movimentos.
O governo se apresenta em relação aos movimentos sociais como um governo de diálogo, que recebe suas lideranças como um governo participativo, aberto às conferências. Sem dúvida, há muito mais conferências neste governo do que no anterior, mas da participação à decisão política há uma grande distância, e o governo cede apenas o que quer. Nem com a crise econômica internacional, consequência direta do neoliberalismo dominante, o governo se dispôs a mudar a política econômica: isto não está em discussão. O exemplo mais recente é o PNDH III que, sob pressão dos setores mais conservadores, tem obtido (até agora, pelo menos) o recuo do governo: em função de suas alianças partidárias para manter o poder, ele não vai brigar para manter os avanços mais significativos.
Na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais. Melhor que qualquer outro líder da direita, Lula conseguiu controlar parte dos movimentos sociais. Não os controla totalmente, é claro, mas reduziu sua força, sobretudo reduziu sua autonomia.
Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos.
IHU On-Line - O ideário comunitário que deu origem à Comissão Pastoral da Terra e que, por sua vez, motivou a formação de diversos movimentos sociais no país, ainda é suficiente e se sustenta nos dias de hoje?
Ivo Lesbaupin - Não creio que se possa dizer que a origem da CPT ou do trabalho pastoral da Igreja nos anos 60 era um ideário comunitário. Houve, sem dúvida, um grande esforço por parte dos setores progressistas da Igreja católica, na direção da formação de inúmeras comunidades de base por todo o país. Mas as comunidades não são um movimento social, elas são uma forma de organização da Igreja, que continua até hoje (mesmo que reconheçamos que os tempos mudaram, que o apoio da instituição era maior). As comunidades deram nascimento ou apoiaram fortemente inúmeros movimentos sociais, tanto na cidade como no campo. Toda a luta das oposições sindicais contra o peleguismo teve muito apoio das comunidades. Até hoje, em parte significativa das comunidades, seus membros participam de movimentos. Mas o objetivo desta luta não é uma sociedade constituída de comunidades: é uma sociedade justa, democrática, participativa, solidária (o “outro mundo possível”). No decorrer dos anos 80 e 90, parte significativa dos militantes provenientes de Comunidades Eclesiais de Base - CEBs se engajaram em partidos políticos (sobretudo no PT), foram atuar na arena pública, alguns foram eleitos. Na época da Constituinte, foram participantes ativos da campanha pelas emendas populares. Recentemente, envolveram-se na campanha contra a corrupção (Lei 9.840); nos vários plebiscitos populares (contra a Dívida, contra a Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, pela reestatização da Vale); agora, estão envolvidos na campanha pela Ficha Limpa. Não sem razão, parte dos setores sociais envolvidos na construção da Assembleia Popular vem de setores da Igreja, das pastorais sociais, do Grito dos Excluídos. A Assembleia Popular elaborou um projeto de sociedade, “O Brasil que queremos”, politicamente democrático, economicamente justo, ambientalmente sustentável.
Voltando ao novo contexto gerado pelo governo Lula, podemos observar, no interior dos setores da Igreja mais envolvidos com a organização e a mobilização popular, a mesma confusão e a mesma divisão frente ao governo de que falei com relação aos movimentos sociais.
IHU On-Line - As conquistas dos movimentos sociais inscritas na Constituição contribuíram para o fortalecimento dos movimentos ou os deixaram “presos” à agenda institucional? Como avaliar, por exemplo, o saldo das Conferências Nacionais temáticas e dos Conselhos espalhados pelo país? Os movimentos sociais sempre lutaram pela chamada democracia direta e participativa. Houve ganhos nesse sentido?
Ivo Lesbaupin - A Constituição de 1988 consagrou algumas das antigas reivindicações dos movimentos sociais: entre outras coisas, há uma série de instrumentos de participação popular que não existiam anteriormente. Um deles está sendo usado agora, na campanha pela Ficha Limpa, é o projeto de lei de iniciativa popular. Não creio que os movimentos sociais sejam presos pela agenda institucional, pelo processo das conferências etc. As conferências são um avanço. O que pode ocorrer e que está ocorrendo em vários casos, é a cooptação de setores dos movimentos pelo governo, como acontece com parte do movimento sindical: é isto que deixa tais movimentos “presos”.
IHU On-Line - Como o senhor vê as perspectivas do movimento social brasileiro? Percebe alguma novidade em relação aos movimentos sociais?
Ivo Lesbaupin - O movimento mais duramente atingido pelas políticas neoliberais e pelo processo de reestruturação produtiva foi o movimento operário. O desemprego massivo gerado por estas políticas dificultou enormemente a mobilização dos trabalhadores urbanos. Cresceram os movimentos do campo, o MST, o MAB, e outros mais. E surgiram e se desenvolveram muitos outros movimentos – mesmo se alguns deles têm pouca visibilidade. Temos todos os movimentos específicos, em defesa de identidade ou de igualdade, o movimento de mulheres, o movimento negro, o dos homossexuais, os GBLT, o dos quilombolas, dos catadores de lixo (os papeleiros, no sul do país), movimentos urbanos, como o de moradia, dos sem-teto. Cresceu o movimento dos povos indígenas, que já pode contabilizar uma importante vitória, a terra Raposa Serra do Sol, mas que ainda tem de enfrentar muitas situações difíceis, como os projetos hidrelétricos e o cerceamento de povos em áreas muito limitadas, como é o caso dos Guarani-Kaiowá (MT). E há todo o movimento ambientalista, cujas preocupações e bandeiras se difundem cada vez mais em face da consciência crescente das mudanças produzidas pelos seres humanos no ambiente, na Terra.
IHU On-Line - Que futuro o senhor vislumbra para os movimentos sociais a partir do resultado das eleições presidenciais deste ano?
Ivo Lesbaupin - Qualquer que seja o presidente eleito, há uma grande vantagem: o governante não será o Lula, será possível uma postura mais crítica em relação ao governo. Hoje, para muitos, como disse Chico de Oliveira, Lula virou um mito. Mesmo parte dos militantes de esquerda justifica o que ele faz claramente à direita, em continuidade à política macro-econômica de Fernando Henrique, a serviço do capital financeiro. Mesmo que sua candidata vença, não será a mesma coisa: haverá a possibilidade de uma postura mais independente. É claro que um governo do PT procurará continuar o esforço de cooptação, isto é, de neutralização de movimentos sociais, mas a margem para resistir será maior.
IHU On-Line - Ao longo dos anos, os movimentos sociais se engajaram em diversas lutas, buscando melhores condições de trabalho, de igualdade, para citar alguns. Considerando a conjuntura atual, que bandeiras devem fazer parte da luta dos movimentos sociais?
Ivo Lesbaupin - Os movimentos sociais são inúmeros e defendem bandeiras como a reforma agrária, a luta pela moradia, a igualdade para as mulheres, contra a violência doméstica, pelo direito ao trabalho (contra o desemprego), a igualdade racial, contra a discriminação e poderíamos citar muitas outras. Vou apenas acentuar algumas destas bandeiras, que já são levadas à frente por vários movimentos: a bandeira pela mudança da política econômica, pelo abandono desta política submissa aos interesses do capital financeiro, submissa ao pagamento da dívida, aos juros altos e assim por diante. Contrariamente ao discurso dominante, de que não temos recursos, temos recursos imensos que, no entanto, estão sendo transferidos para quem já tem.
É preciso continuar a lutar pela auditoria da dívida externa – a exemplo do que fez o Equador – o que possibilitaria mostrar o escândalo contido aí: o povo brasileiro trabalha principalmente para pagar a dívida (isto é, para enriquecer os ricos de fora e os nossos ricos) e não para sua alimentação, saúde, educação, habitação, transporte etc.
Para reduzir a desigualdade social e promover distribuição de renda e riqueza, precisamos de uma reforma tributária progressiva, que exija mais dos que têm mais e reduza ou elimine os impostos dos mais pobres, que tenha mais imposição na renda do que no consumo. E denunciar a reforma atualmente proposta pelo governo, que agrava a desigualdade social ao atingir em cheio o financiamento da Seguridade Social.
Também devemos lutar pela reforma agrária e por uma outra política agrícola, pela agricultura familiar, contra o agronegócio, pela soberania alimentar, pelos alimentos orgânicos, contra o envenenamento da população com os agrotóxicos e os transgênicos.
É preciso lutar para reestatizar empresas como a Petrobras (parcialmente privatizada), para retomar o nosso petróleo – atualmente repassado a empresas privadas sob a forma de leilões-, como a Vale do Rio Doce – vendida a preço de banana.
Além disso, investir num outro modelo energético e, particularmente, investir na energia solar e eólica, para não precisar justificar a construção de centenas de usinas hidrelétricas que estão destruindo e vão destruir a vida de populações inteiras e o meio ambiente. Estas usinas apenas vão enriquecer grandes empresas do setor privado e privatizar ainda mais partes do Brasil. E nós poderíamos ser o primeiro país no ranking de produção de energia solar.
Precisamos da luta pela democratização dos meios de comunicação que, hoje, são apenas a expressão da minoria proprietária destes meios e que impedem a liberdade de informação.
E, em todas as nossas lutas, é preciso propugnar uma nova concepção de desenvolvimento, não mais apoiado na lógica “produtivismo-consumismo”, na busca voraz do lucro, mas centrado nas necessidades da sociedade, na produção daquilo que é necessário para viver (alimentação, habitação, trabalho, saúde, educação, transporte, lazer etc.). Um desenvolvimento que não depreda a natureza, que não esgota os recursos naturais, que não envenena nem destrói a Terra.
Estas são apenas algumas bandeiras que me parecem fundamentais.
IHU On-Line - Como o senhor vê as perspectivas do movimento social brasileiro? Percebe alguma novidade em relação aos movimentos sociais?
Ivo Lesbaupin - O movimento mais duramente atingido pelas políticas neoliberais e pelo processo de reestruturação produtiva foi o movimento operário. O desemprego massivo gerado por estas políticas dificultou enormemente a mobilização dos trabalhadores urbanos. Cresceram os movimentos do campo, o MST, o MAB, e outros mais. E surgiram e se desenvolveram muitos outros movimentos – mesmo se alguns deles têm pouca visibilidade. Temos todos os movimentos específicos, em defesa de identidade ou de igualdade, o movimento de mulheres, o movimento negro, o dos homossexuais, os GBLT, o dos quilombolas, dos catadores de lixo (os papeleiros, no sul do país), movimentos urbanos, como o de moradia, dos sem-teto. Cresceu o movimento dos povos indígenas, que já pode contabilizar uma importante vitória, a terra Raposa Serra do Sol, mas que ainda tem de enfrentar muitas situações difíceis, como os projetos hidrelétricos e o cerceamento de povos em áreas muito limitadas, como é o caso dos Guarani-Kaiowá (MT). E há todo o movimento ambientalista, cujas preocupações e bandeiras se difundem cada vez mais em face da consciência crescente das mudanças produzidas pelos seres humanos no ambiente, na Terra.
IHU On-Line - Que futuro o senhor vislumbra para os movimentos sociais a partir do resultado das eleições presidenciais deste ano?
Ivo Lesbaupin - Qualquer que seja o presidente eleito, há uma grande vantagem: o governante não será o Lula, será possível uma postura mais crítica em relação ao governo. Hoje, para muitos, como disse Chico de Oliveira, Lula virou um mito. Mesmo parte dos militantes de esquerda justifica o que ele faz claramente à direita, em continuidade à política macro-econômica de Fernando Henrique, a serviço do capital financeiro. Mesmo que sua candidata vença, não será a mesma coisa: haverá a possibilidade de uma postura mais independente. É claro que um governo do PT procurará continuar o esforço de cooptação, isto é, de neutralização de movimentos sociais, mas a margem para resistir será maior.
IHU On-Line - Ao longo dos anos, os movimentos sociais se engajaram em diversas lutas, buscando melhores condições de trabalho, de igualdade, para citar alguns. Considerando a conjuntura atual, que bandeiras devem fazer parte da luta dos movimentos sociais?
Ivo Lesbaupin - Os movimentos sociais são inúmeros e defendem bandeiras como a reforma agrária, a luta pela moradia, a igualdade para as mulheres, contra a violência doméstica, pelo direito ao trabalho (contra o desemprego), a igualdade racial, contra a discriminação e poderíamos citar muitas outras. Vou apenas acentuar algumas destas bandeiras, que já são levadas à frente por vários movimentos: a bandeira pela mudança da política econômica, pelo abandono desta política submissa aos interesses do capital financeiro, submissa ao pagamento da dívida, aos juros altos e assim por diante. Contrariamente ao discurso dominante, de que não temos recursos, temos recursos imensos que, no entanto, estão sendo transferidos para quem já tem.
É preciso continuar a lutar pela auditoria da dívida externa – a exemplo do que fez o Equador – o que possibilitaria mostrar o escândalo contido aí: o povo brasileiro trabalha principalmente para pagar a dívida (isto é, para enriquecer os ricos de fora e os nossos ricos) e não para sua alimentação, saúde, educação, habitação, transporte etc.
Para reduzir a desigualdade social e promover distribuição de renda e riqueza, precisamos de uma reforma tributária progressiva, que exija mais dos que têm mais e reduza ou elimine os impostos dos mais pobres, que tenha mais imposição na renda do que no consumo. E denunciar a reforma atualmente proposta pelo governo, que agrava a desigualdade social ao atingir em cheio o financiamento da Seguridade Social.
Também devemos lutar pela reforma agrária e por uma outra política agrícola, pela agricultura familiar, contra o agronegócio, pela soberania alimentar, pelos alimentos orgânicos, contra o envenenamento da população com os agrotóxicos e os transgênicos.
É preciso lutar para reestatizar empresas como a Petrobras (parcialmente privatizada), para retomar o nosso petróleo – atualmente repassado a empresas privadas sob a forma de leilões-, como a Vale do Rio Doce – vendida a preço de banana.
Além disso, investir num outro modelo energético e, particularmente, investir na energia solar e eólica, para não precisar justificar a construção de centenas de usinas hidrelétricas que estão destruindo e vão destruir a vida de populações inteiras e o meio ambiente. Estas usinas apenas vão enriquecer grandes empresas do setor privado e privatizar ainda mais partes do Brasil. E nós poderíamos ser o primeiro país no ranking de produção de energia solar.
Precisamos da luta pela democratização dos meios de comunicação que, hoje, são apenas a expressão da minoria proprietária destes meios e que impedem a liberdade de informação.
E, em todas as nossas lutas, é preciso propugnar uma nova concepção de desenvolvimento, não mais apoiado na lógica “produtivismo-consumismo”, na busca voraz do lucro, mas centrado nas necessidades da sociedade, na produção daquilo que é necessário para viver (alimentação, habitação, trabalho, saúde, educação, transporte, lazer etc.). Um desenvolvimento que não depreda a natureza, que não esgota os recursos naturais, que não envenena nem destrói a Terra.
Estas são apenas algumas bandeiras que me parecem fundamentais.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/
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