Por Helder Molina
Na sexta-feira, 23 de abril, o sinistro Gilmar Mendes finalmente deixou a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). As reações diante da sua despedida foram distintas. A mídia privada chorou a saída. Editorial da Folha bajulou o ministro. O Estadão também choramingou. Já a TV Globo despeja diariamente confetes e até poderia, dramatizando a troca de comando, acionar o repórter Heraldo Pereira para chorar na telinha. Afinal, ele é serviçal da Gilmar Mendes – nas horas vagas, ele dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a escola privada do ex-presidente do STF.
Já os movimentos sociais e os democratas festejaram a sua saída. Para estes, Gilmar Mendes já vai tarde! Ou melhor: ele nunca deveria ter assumido o comando da mais alta corte do Brasil. Afinal, ele jamais teve a isenção necessária para exercer a função. Sempre foi um tucano de carteirinha – ou um “juristucano”, segunda a corrosiva ironia do jornalista Elio Gaspari. De 1996 a 2000, ele foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil no governo FHC. Depois, o protegido do grão-tucano galgou o posto de advogado-geral da União, que exerceu com reconhecida mediocridade.Habeas corpus para especuladoresSeu ingresso no STF foi a fórceps. FHC interveio ativamente para bancar o seu nome no Senado.
Dos 11 ministros da casa, ele teve o maior número de votos contrários (15) da história recente. Na véspera da sessão que aprovou sua indicação, em junho de 2002, Dalmo de Abreu Dallari, um dos mais renomados juristas do país, até alertou: “Se essa indicação vier a ser aprovada no Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sérios riscos a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”. Proféticas palavras!Durante a sua presidência, o STF colecionou os piores momentos da sua história. Gilmar Mendes virou estrela por conceder dois habeas corpus ao rentista Daniel Dantas, retirando-o da prisão em tempo recorde.
Tanto que o jornalista Paulo Henrique Amorim o apelidou de Gilmar Dantas! A revista CartaCapital, que nunca deu tréguas aos crimes do agiota “orelhudo”, também criticou as atitudes do ex-presidente do STF. Na prática, ele ficou conhecido como o advogado de defesa do especulador-mor do país, expressão maior da impunidade dos bandidos de colarinho branco.“Que Deus nos livre de Mendes”Ao mesmo em que socorria banqueiros e ricaços, Gilmar Mendes ficou famoso por criminalizar os movimentos sociais. Em várias ocasiões, ele atacou os que lutam por justiça no país. Rotulou o MST de “movimento de bandidos”, exigindo atuação mais implacável da Justiça na punição aos “invasores de terras”.
Também criticou o governo Lula por dar subsídios para as entidades da reforma agrária, afirmando que o dinheiro seria desviado para “práticas ilegais”. Diante destes abusos de poder, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) “excomungou” o ex-presidente do STF.“O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas, os que valem são os que impulsionam o ‘progresso’, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terra, da destruição do meio-ambiente e da exploração da mão-de-obra em condições análogas às do trabalho escravo...
Que o Deus da Justiça ilumine o nosso país e o livre de juízes como Gilmar Mendes”, afirmou uma dura nota da CPT. Ícone da direita, o “Berlusconi brasileiro” O ex-presidente da STF também não poupou o movimento sindical brasileiro, investindo contra suas formas de sustentação financeira. Já entre os jornalistas, Gilmar Mendes foi eleito inimigo jurado. Ele foi o mentor do fim do diploma da categoria e da extinção da Lei de Imprensa, duas exigências antigas dos barões da mídia para precarizar o trabalho e gozar de total libertinagem. Tanto que os jornalistas aproveitaram a sexta-feira para fazer o bota-fora do carrasco, realizando protestos em vários estados com o slogan “Ele já vai tarde”.
Gilmar Mendes virou o ícone da direita, o “Berlusconi brasileiro”, sendo bajulado pela oposição demotucano. Em vários momentos, ele foi o principal porta-voz dos ataques preconceituosos ao governo Lula. Sem provas e num gesto irresponsável, chegou a acusar o Executivo de promover escutas telefônicas e atirou: “Não há mais como descer na escala da degradação institucional... Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário”. Ele extrapolou nas suas funções e colocou em risco o próprio equilíbrio entre os poderes.Gilmar Mendes sai da presidência do STF sem deixar saudade.
No próprio Supremo, ele foi alvo de ásperas críticas. Num dos momentos mais tensos do Judiciário, o ministro Joaquim Barbosa lavou a alma dos brasileiros ao espinafrar, em público, a sua postura autoritária e elitista. “Vossa excelência está destruindo a Justiça deste país... Saia à rua, saia à rua. Vossa excelência não está na rua, não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro... Vossa excelência, quando se dirige a mim não está falando com seus capangas do Mato Grosso”. Barbosa falou por todos nós. Gilmar Mendes (ou Dantas, ou Mentes?) já vai tarde!
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